sábado, 30 de maio de 2009

Capítulo 6 - O Amante (parte 3)

Afastei-me depressa do móvel quando escutei um barulho. Depois de alguns milésimos de segundos percebi que era o Tosha arranhando a porta pelo lado de dentro, deveria estar doido por uma caminhada ou então era esperto o bastante para me repreender por ler algo que não deveria. Tomei isso como um sinal. Sentei-me novamente no sofá da sala e fingi que nunca estivera fora dali.

Fiquei pensando no que eu havia lido, algumas palavras grudaram na minha mente. Eu queria muito me aproximar novamente da escrivaninha e ler mais um pouco, mas Sam deveria voltar a qualquer minuto.

Para alguém que dizia não ter sentimento suficiente para escrever poesia, aquilo me pareceu muito mais que o bastante. Aliás, ali não havia nada de ação ou terror como ele havia dito que escrevia. As palavras eram bonitas e calorosas demais para alguém que afirmava ser frio e sanguinário.

Era a segunda vez que o Sam conseguia me surpreender naquele dia, mas, ainda que soe incomum demais, a segunda vez no dia que eu era surpreendida por duas pessoas diferentes. Um tocava banhando os ouvidos de algo divino e o outro escrevia trazendo ao coração um sangue frio. Afinal, sua história não era um romance bem sucedido, era claramente um amor impossível. Dois sentimentos diferentes e opostos que me levavam a um mesmo corpo e diferentes pessoas. Sam conseguia me encantar mais a cada vez que respirava. E, às vezes, me fazia parar de respirar.

- Tudo bem? – Eu não percebi quando ele chegou ao aposento, me olhava preocupadamente.

- Tudo. – Respondi desajeitada. Talvez ele percebesse que eu havia lido e eu não tinha muita certeza se deveria confessar que sim. Eu tive a impressão de que ele escrevia o que não podia dizer, afinal, as únicas pessoas que realmente sabiam de sua situação eram seu avô Cristian e eu.

- Vamos? – Ele estendeu a mão forte para mim, ainda sentada.

Eu achei que era impossível, mas estava ainda mais bonito que o usual. Vestia uma calça jeans escura e uma camiseta bege com uns desenhos que não consegui entender embaixo de uma jaqueta preta. A única coisa que não arrumara fora o cabelo preto meio rebelde que estava ainda molhado, talvez ele gostasse que fosse assim. E, aliás, eu também gostava.

- Vamos. – Segurei em sua mão e levantei-me esbarrando de leve nele. Estava com um cheiro incrível.

- O que você aprontou? – Ele perguntou quando já estávamos entrando no elevador que, de novo, estava vazio. Quando passamos vagarosamente pelo quinto andar pude ouvir barulho de conversa no corredor, os convidados de Sarah deveriam ter acabado de chegar.

- Mais fácil eu perguntar isso para você. – Sim, é uma boa tática você virar a situação quando te perguntam algo que você ainda não decidiu o que responder. Ele riu.

- À mim? Por quê?

- Aonde foi ontem à noite?

Ele suspirou.

- Agora vai ficar me vigiando?

- Vou. – Levantei as sobrancelhas indicando que estava falando sério.

- Nunca te disseram que você é muito mandona? – Ele perguntou se aproximando e mexendo nos meus cabelos que estavam bonitos naquela noite.

- Já, mas isso não muda nada. – Sorri com desdém.

- Não queria que mudasse. – Ele sorriu e piscou. Eu cruzei os braços. Ele não iria mesmo me contar onde estivera ontem à noite quando saiu apressado da minha casa.

Chegamos ao estacionamento, que era subterrâneo e ele me ajudou a caminhar pelo cimento do local. Havia carros demais ali. Eu não era acostumada a ir àquele lugar porque Sarah geralmente largava Sofia e eu na porta do condomínio para economizar tempo. Avistei seu carro ao longe.

- Chegamos. – Ele disse de repente.

Meus olhos se arregalaram ao me deparar com a moto mais bonita que eu já havia visto. Eu não entendia de motos, mas tinha certeza de que aquela era uma das mais bonitas que existiam. Toda preta com detalhes prateados e alguns desenhos tribais, era linda.

- Nossa. – Eu disse e não precisei falar mais nada, minha expressão facial dizia por mim.

- Demais, não é? – Ele sorriu e ficou bastante animado ao ver que eu tinha gostado. – É uma Senna F4... – Ele começou a explicar, mas viu a minha expressão de quem não entenderia mesmo. – Alguns detalhes modificados.

- Você sabe mexer nessas coisas?

- Além de saber dirigir? Não muito. Quis dizer que mandei fazer alguns... Aprimoramentos. – Sorriu maliciosamente.

- Ótimo.

- Deixa eu te colocar nela.

- Não prec...

Antes que eu pudesse terminar ele já estava me carregando e me fazendo montar na moto. Talvez ele não tivesse muito controle sobre a força que tinha ou apenas não era muito delicado, mas senti um baque quando me sentei.

- Se machucou?

- Não...

- Desculpa, pequena. Você é muito frágil.

Frágil? Frágil? Não sei o porquê, mas esse adjetivo me ofendeu um pouco. Eu era uma mulher forte, ou ao menos era a visão que tinha de mim mesma. Perdi o pai cedo, virei mãe da minha irmã mais nova, estava decididamente gostando de um cara que enfrentava um grave problema psicológico, estava, sabe-se lá porque, sendo perseguida por sei lá quem e ainda não tinha pirado. Ou talvez só um pouquinho.

- Não sou frágil.

- Desculpe. Eu sei que não. – Ele sorriu enquanto subia à minha frente. Ficou um pouco apertado, Sam tinha um corpo robusto. – Quis dizer que ás vezes não sei controlar a força sobre você, mas é claro que não há a possibilidade de te partir no meio então não tem problema. – Ele zombou e eu estreitei os olhos.

- Nunca te disseram o quanto você é chato?

- Não, mas isso também não muda nada. – Ele sorriu debochado, pude ver pelo retrovisor.

- Vamos?

- Ainda não... – Ele virou a cabeça para trás e sorriu. – Armadura, lembra? – Tirou um capacete que estava amarrado na moto e me entregou. Era da Hello Kitty.

- Sem graça. – Mostrei a língua e ele riu de novo.

- O que foi? Comprei para você!

- Foi isso o que foi fazer ontem? – Perguntei enquanto colocava o capacete cor-de-rosa chiclete. Essa cor não combinava comigo.

- Em parte. – Ele sorriu antes de vestir um capacete preto na própria cabeça.

Ele acelerou e a moto fez um barulho muito animador. Saímos andando pelas ruas da cidade que, apesar de ser noite, estava bastante cheia. As luzes dos semáforos, dos postes, dos letreiros e das vitrines das lojas davam um ar bonito ao local na medida em que passávamos em uma velocidade normal. Não poderíamos correr muito já que estávamos no centro da cidade, mas eu queria experimentar essa moto algum dia quando estivéssemos longe e, eu, livre do pé engessado.

- Segure-se em mim. – Pude ouvir a voz um pouco abafada à minha frente. Só então percebi que estava tão atenta olhando ao redor que não estava me segurando em nada. Abracei as costas dele. – Mais forte. – A verdade é que eu estava um pouco encabulada por estar alisando seu peitoral rigoroso, mas apertei mais como ele pediu e senti meu rosto corar bastante. Ainda bem que eu estava com aquela coisa cor-de-rosa na cabeça.

Viajamos por quase uma hora até chegarmos em um bairro muito afastado onde a festa seria na casa de praia de um dos líderes do grêmio. Sam memorizara o endereço e soube chegar lá mais rápido do que o normal e sem se perder usando os mais diversos tipos de atalho. Ao que pude perceber, conhecia as ruas e avenidas da cidade como conhecia a palma de sua mão.

Foi divertido andar de moto, definitivamente seria melhor se eu não estivesse usando um capacete, mas mesmo assim a sensação de liberdade era maior do que quando se andava de carro. Era meio arrepiante, o vento entrava pela roupa e dava uma sensação de frio e de adrenalina ao mesmo tempo. Se não fosse tão perigoso ir sem capacete, eu teria gostado de bagunçar meus cabelos na brisa de verão.

Há poucos dias chovera e, agora, o clima estava um pouco parado novamente, do mesmo jeito em que estava no dia em que decidi narrar minha história. Calor e seca acompanhados por uma leve brisa noturna. Quando chegamos mais perto do mar o vento estava mais forte. Então retirei o capacete e meus cabelos voaram para o lado.

Sam estacionou próximo à uma árvore muito grande ao lado da casa de praia que era isolada na rua e que tinha alguns enfeites mal feitos pendurados na entrada. As luzes lá dentro estavam acesas e ouvi mais barulho na parte dos fundos, que dava para o mar.

Senti meu telefone celular vibrar no meu bolso. Eu tinha colocado no silencioso para não atrapalhar eventuais conversas que poderiam acontecer. Enquanto Sam olhava ao redor com uma expressão engraçada, aproveitei para ver discretamente o motivo da vibração.

Havia 2 mensagens recebidas.


Ei! Onde você está? Já cheguei faz anos!
O que você e o Sam resolveram fazer no caminho?
Safadinha.
Vem logo para cá!
Ass Rebecca.


Franzi a testa quando li essa mensagem da Rebecca que recebi meia hora atrás e não havia percebido porque estava ocupada demais aproveitando o passeio de moto. É incrível como ela não pára de pensar em sacanagem por um minuto.

Abri o próximo recado que tinha acabado de receber.


Ele está me obrigando a andar de carrossel enquanto não chega a hora do cometa passar.
Grave bem na sua memória: Você vai se arrepender disso pelos próximos 10 anos.
Sofia.


Eu sorri aliviada por a minha irmã estar se divertindo. Acho que ela nunca havia andado no carrossel. E eu não ligava muito para as ameaças dela. Iria responder a mensagem depois.

- Vamos entrar? – Perguntei ao Sam que ainda estava olhando tudo com muita curiosidade.
- Claro. – Ele foi ao meu lado e segurou a minha mão enquanto apertei a campainha que soava engraçado.

Uma loira alta com os olhos azuis grandes demais para o tamanho do rosto atendeu a porta vestindo um curtíssimo vestido cor-de-rosa chiclete e sandálias brancas de salto alto. Se ela não fosse tão magra seria a versão humana do meu capacete. Ela arreganhou os dentes muito brancos quando nos viu.

- Melzinha, querida! – Me apertou os braços e deu-me um beijinho em cada lado do rosto. Não entendi essa reação da Petry, ela costuma, felizmente, me poupar desse fingimento todo.

- Oi. – Respondi tentando me afastar. Não tenho vocação para atriz, estava querendo ser educada. Só.

Ela ficou lá na porta, atrapalhando o caminho e sorrindo para o Sam. Depois jogou olhares insistentes para mim, que ignorei. Percebendo que eu não iria entender, ela mandou:

- E então? Quem é o seu amigo?

Cara-de-pau.

- Sam, Patrícia. Patrícia, Sam. Agora pode nos dar licença?

Ela saiu da frente com um pouco de má disposição. Sam sorriu e jogou os ombros para trás.

- Você fica muito bonita quando fecha a cara e demonstra ciúmes. – Ele sussurrou ao meu ouvido quando, puxado por mim, entrou na casa.

Era um lugar potencialmente bonito com uma mobília de praia praticamente toda feita de algum material que imitava bambu muito bem. A sala abria dois corredores nas laterais e, no lado oposto à porta de entrada, havia uma porta de vidro que dava para o jardim, onde estavam todas as outras pessoas.

O jardim tinha algumas árvores grandes onde redes confortáveis estavam penduradas e terminava na areia da praia que rugia à noite. Havia alguns garçons vestidos com o tema praia e colares havaianos pendurados no pescoço servindo drinques coloridos enfeitados com guarda-chuvinhas e frutas diversas. Alguém tivera a idéia de fazer uma pequena fogueira no centro e algumas pessoas estavam conversando e tocando violão à sua volta. Outros convidados estavam dançando debaixo das luzes piscantes instaladas próximas à varanda onde um DJ escolhia músicas animadas.

Os mais atrevidos estavam molhando os pés na água e até entrando até os joelhos no mar furioso. A lua estava bonita hoje também e refletia nas águas escuras e limpas. Sam pareceu gostar de toda essa visão.

Senti uma mão fria me puxar para o outro lado.

- Onde você estava? – Rebecca perguntou se divertindo muito e com uma bebida verde limão na mão.

- Você não disse que iria parar de beber?

- Isso não tem álcool! – Ela respondeu dando mais um gole na bebida e comendo uma cereja que estava presa em um palitinho.

- Mel, o que você quer... – Sam, que antes estava de costas para nós, parou de falar quando virou-se e encarou Rebecca que estava conversando comigo. – Oi. – Disse sorrindo e acenando com a cabeça.

- Sam, essa é a minha melhor amiga Rebecca.

Rebecca arqueou as sobrancelhas e mastigou algumas palavras que tentou várias vezes, mas não conseguiu pronunciar. Enfim, lembrou-se de respirar e conseguiu dizer fracamente:

- Ah... Oi.

Foi engraçado. Ela é, geralmente, tão extrovertida e não costuma ter essa reação quando encontra outros caras. Eu não consegui me conter, comecei a rir e ela olhou para mim com uma cara de irritação.

- Precisamos de uma CA agora. – Ela disse seriamente, mas muito empolgada.

- O que é uma CA? – Sam perguntou sussurrando no meu ouvido.

- Coisa da Rebecca. – Respondi baixinho. Olhei para ela e disse alto: - Não posso agora, você sabe... Não vou deixar o Sam sozin...

- Lean! – Rebecca me interrompeu e gritou para o extremo oposto da festa onde Lean estava convencido de que entendia mais de eletrônica que o próprio DJ e queria ensiná-lo como fazer direito. Algumas pessoas nos olharam procurando o motivo do grito.

Lean olhou para nós na mesmo hora, sorriu e veio correndo, enchendo os tênis maiores que os pés de areia branca. Ele era engraçado. Mesmo vindo para a festa, usava a mesma roupa que usava todos os dias. Uma bermuda larga e uma camisa apertada que deixava os braços quase-fortes à mostra e um cabelo estranho e arrepiado para cima.

- Oi Mel! O que fez no cabelo? – Ele perguntou animadamente enquanto me abraçava e fazia um cafuné no topo da minha cabeça. Lean me tratava como sua irmã mais nova, mas mesmo assim Sam ficou com uma cara meio emburrada. – Achei que não viria!

- Lean, por que não faz companhia para o Sam enquanto eu e Mellanie ajeitamos a maquiagem? – Ela não perguntou, ela ordenou.

- Sam? Ah, esse é o cara de quem vocês falam o tempo todo? – Lean não tinha discrição de forma alguma. Escondi o rosto com as mãos para evitar que me vissem corar. – Muito bom conhecer você, irmão! – Colocou a mão sobre o ombro dele e o foi conduzindo até onde estavam as bebidas. Se enturmava muito rápido, rápido até demais. – Preciso te contar das coisas que eu sou obrigado a escutar dessas duas loucas...

Eu estava bem interessada em saber o que ele iria falar, mas já não podia escutar sequer uma palavra do que estavam conversando. Já estavam a metros de distância.

- Meu Deus do céu. – Ela disse pausadamente pronunciando cada palavra enquanto caminhávamos para o banheiro que ficava ao lado da quadra de vôlei de praia. – Onde você arrumou esse?

- Ah, agora você fala?

- Você me pegou desprevenida. – Ela retrucou. – Agora que já passou o susto inicial, vou conseguir conversar com ele normalmente. Você acha que ele percebeu?

- Uma tartaruga-marinha perceberia.

- Você acha que clonagem humana algum dia será possível?

- Rebecca! – Ela mal conhecera o cara e já queria cloná-lo.

- Agora falando sério, quais são seus planos?

- Quais planos?

- Não é óbvio? – Ela perguntou enquanto mirava a si mesma no espelho passando gloss sobre os lábios.

- Não. Olha, acho que você não entendeu. – Ela levantou as sobrancelhas e olhou para mim, boquiaberta. – Quero dizer, eu o acho muito bonito e atraente e tal, ele tem algo que faz meus hormônios saltarem, certo, tudo bem. Mas o que eu estou tentando dizer é que eu gosto mesmo dele. De verdade. Não é pela aparência, é pela pessoa tão incomum que ele é. – E “incomum” fora uma palavra muito fraca para expressar o tipo de pessoa que Sam era.

- Que bonitinho. Melzinha está apaixonada. – Rebecca suspirou, guardou o frasco de gloss na bolsa e começou a ajeitar os cabelos louros, balançando os cachos feitos no cabeleireiro esta tarde com os dedos finos.

- Eu só gosto muito... – Eu temia em usar a palavra “apaixonada”, todas as vezes em que achei que estivera assim fora um desastre. Um calor que passava rápido demais e depois uma insensibilidade que só terminava quando o relacionamento estava ao seu fim. – Não quero estragar as coisas. – Eu escorei o quadril na grande pia de granito pregada logo abaixo do espelho gigantesco do banheiro de luxo.

- Não vai estragar. Às vezes eu tenho a impressão de que você fica com tanto medo de estragar tudo que acaba realmente estragando tudo. Não que seja sua culpa, digo. Mas você deveria largar o medo e se jogar nessa, Mel, completamente. – Ela não olhou para mim enquanto disse essas palavras, ainda estava concentrada na tarefa de ajeitar cada fio de cabelo. – Está na cara que ele te faz bem, até a sua aparência muda. – Ela riu consigo mesma.

- Becca, você acredita no amor? – Foi a primeira vez que me ocorreu essa pergunta. Ela sempre me dá esses conselhos de perder o medo e me deixar levar completamente por um relacionamento, mas não é o que podemos de chamar de uma pessoa de confiança nesse assunto. Quero dizer, Rebecca sempre estava com alguém, mas esse alguém nunca durava mais de duas semanas.

- Não muito. Assim, não é um sentimento que acho que me dominou ainda. Claro que eu amo meus pais e até meu irmão pentelho. – Rebecca tinha um irmão gêmeo, Ricardo. – Mas nunca aconteceu com outra pessoa que não fosse de minha família. Às vezes acho que é só ilusão, conveniência, não sei.

- Hum. – Fiquei pensativa. Será mesmo que as pessoas só se juntam e sentem algo por pessoas que não são familiares por conveniência ou proteção? Não é o que eu acredito. – E como está indo com o Thiago?

- Bem, acho. Ele estava lá conversando com aqueles amigos asquerosos do Lean e me deixou sozinha. Ainda bem que você chegou. Que fim você deu na Sofie?

- Ela relutou bastante, mas no fim foi mesmo com o Noah. Me mandou uma mensagem me ameaçando de morte. – Rimos juntas.

- Acho que deve ter alguém te esperando lá fora. – Ela praticamente me expulsou do banheiro e eu quase me desequilibrei e caí com o pé naquele estado.

Sam percebeu, desvencilhou-se de Lean e veio até mim.

- Tudo bem?

- Uhum.

- Quer sentar?

- Pode ser.

Procuramos um lugar mais calmo para sentarmos e conversarmos. Escolhemos um lugar atrás de uma rocha enorme que nos escondia do resto da festa, não havia mais nada lá que nos interessava.

- Está com frio? – Ele perguntou ao sentar-se na areia fina ao meu lado.

- Não.

- Tome. – Ele tirou a jaqueta e a atirou para mim, eu a vesti, estava mesmo com frio.

- Obrigada.

Ficamos um tempo nos olhando e ouvindo o barulho das ondas. A maior parte de nossas não conversas era assim. Sam e eu não precisávamos de palavras para nos comunicar. Eu sabia que ele estava sentindo o mesmo que eu, que compartilhava esse sentimento que rasga e queima assim como eu. Um gosto amargo e, ao mesmo tempo, doce que não vai embora. Sabíamos que não deveríamos ter nada, seria mais difícil para nós dois, mais doloroso, mais perigoso... Mas não parava de crescer.

- Estive com você hoje.

- Eu sei. – Ele respondeu calmamente encarando o mar ruidoso. – Quando a encontrei pela primeira vez hoje tive um breve flash. O que você foi fazer lá?

- Eu não fui lá. Quero dizer, você me obrigou a ir lá.

- Conte-me.

Contei-lhe sobre tudo o que se passara, especialmente, a parte em que seu outro “eu” estava começando a desconfiar que eu soubesse de algo que mais ninguém sabia. Ele estava tendo “visões” comigo, mas não tinha idéia de que eram fragmentos da memória que registrou o que acontecera entre nós dois quando ele deixou de ser ele mesmo. E ele “acordou” depois de um dos nossos encontros com uma música maravilhosa na cabeça e a tocou para mim, isso não estava me deixando em paz, a culpa por mentir, por dizer que não sabia o que estava acontecendo estava me torturando.

- Você sabe que não precisa estar comigo se não quiser.

- O quê? – Foi um susto muito grande.

- Mel, vamos ser realistas. Isso está ficando perigoso demais e, além de tudo, está confuso demais. É muito para a sua cabeça lidar com uma só pessoa que tem horários certos para adotar certas posturas. O que eu quero dizer é que talvez você me diga algo de dia e eu reaja de uma forma, à noite posso tomar uma atitude completamente diferente. Não é fácil para uma pessoa lidar com toda essa descontinuidade, por isso nunca contei à ninguém. Não é justo que eu a faça passar por isso.

- Eu gosto dos dois você. São diferentes e, de certa forma, inversos, mas eu gosto...

- Você é tão inocente. Não está levando em conta todas as possibilidades.

- Você me subestima. - Eu disse e taquei uma pedrinha que achei na areia no mar. - Eu não sou idiota, Sam. Eu sei que é difícil triturar tudo isso de uma vez. Eu sei que é complicado entender que você é duas pessoas diferentes mesmo não querendo ser. Sei que quem você é agora é uma pessoa perigosa e cabeça dura que está indo ao encontro de exatamente as mesmas pessoas que querem te matar. Sei também que é complicado entender e me acostumar com os diversos comportamentos que vocês podem ter. Mas só eu sei, Sam, só eu, e mais ninguém, sei o quanto é doloroso, o quanto é destrutivo estar com você e saber que você não se lembra de mim. – Eu senti meus olhos arderem, era difícil falar isso sem sentir tudo de novo e querer chorar, mas eu continuei. - Olhar em seus olhos e perceber que você não está lá. Eu sei como é cruel vê-lo todos os dias e ter que fingir que não o conheço, ter que mentir dizendo que não sei de nada. A amargura me invade ao ouvir passos no apartamento superior e pensar na hipótese de que alguém nocivo esteja lá e você esteja correndo perigo sem saber. É ainda mais angustiante pensar que não posso estar com você o tempo todo e que é impossível levar as coisas mais adiante do ponto em que chegamos.

- É nisso que quero chegar, pequena, não dá para... – Ele tentou me interromper, mas, agora que eu começara, eu iria até o fim.

- Mas ainda sim, Sam, diante de toda essa agonia que me corta e me faz sangrar sem ter a ferida, ainda assim, nada disso supera o que eu teria que passar se eu não tivesse, nem sequer por um segundo, você.

Pela primeira vez ele desviou o olhar do oceano e me encarou. Estava muito sério e, ao mesmo tempo, aflito. Não poderíamos ter deixado isso acontecer e eu sabia disso. Mesmo que eu não estivesse correndo um perigo que ainda era uma incógnita para mim, aquilo tudo seria complicado demais.

É impossível ter uma pessoa que não faz a mínima idéia dos momentos que passou com você. É impossível querer alguém que não é constante. Alguém que não é inteiro. Eu tinha plena consciência disso, mas o cérebro esqueceu-se de avisar o coração, que palpitava de maneira frenética a cada vez que o via. A ele, não interessava qual dos dois Sam estavam ali, ele lutava incessante para sair do peito de qualquer jeito. O que comprovava a minha teoria de que não importava quem ele era, só importava que fosse ele. E eu finalmente percebi isso ali, naquela hora, jogando pedrinhas no mar.

- Eu não queria fazer isso com você. – Ele disse, ao fim.

- Não é de todo o ruim. – Tentei conter as lágrimas que insistiam em escorregar pela minha face parando na ponta do meu nariz. – Eu não sei se isso é o que vou sentir para sempre. Para mim as coisas foram sempre passageiras, mas, de qualquer forma, isso é o que sinto agora e me tirou do estado de morta-viva em que eu vivia.

- O que quer dizer?

- Da mesma forma que é terrível agüentar a dor que venho sentindo nestes últimos dias, é péssimo viver sem sentir que se vive. A comida não tem sabor, a música não tem sentido, o mundo é preto e branco. É como se eu vivesse e não tivesse a mínima idéia de que estava viva. Não sentir é pior do que sentir, Sam.

- Mas agora você sofre.

- Mas o sofrimento me faz humana.

- Eu não quero que se sinta assim, Mel. Nunca quis. – Ele aproximou-se um pouco de onde eu estava sentada, com pé e gesso cravados na areia. – E a culpa disso é minha. Eu a vi na sacada e lembrei-me de você. Tive a impressão de que já a tinha visto antes. Você me fez sentir, pela primeira vez, de que eu não era uma parte avulsa de mim mesmo. Eu me senti inteiro. – Ele olhou para areia como se estivesse se penalizando. – E eu fui egoísta. Eu sabia que não deveria incomodá-la, que era errado me aproximar das pessoas porque não podia contar meu segredo a elas. Estava frio e certo nessa posição, quando vi a chance de capturar o invasor e descobrir uma pista, qualquer coisa que me levasse ao meu objetivo mortal. Não pensei duas vezes em invadir sua casa, imaginei que seria somente isso e nunca mais.

Não era reconfortante saber que para ele eu fui, realmente, um erro. Um plano que não deu certo e agora ele só se sentia mal por eu sentir algo que não deveria estar sentindo. Isso doía como uma estaca cravada em mim.

- O que o fez mudar de idéia? – Eu perguntei já seca, não tinha mais lágrimas a chorar silenciosamente.

- Não agüentei vê-la caída no chão, foi mais forte do que eu mesmo. Foi naquela noite, Mel, que eu encarei a minha primeira fraqueza.

- Desculpe-me se sou uma fraqueza para você. Um erro. – Eu falei seriamente.
- Você não entende, não é? – Ele apoiou os cotovelos nos joelhos e apoiou a cabeça baixa sobre as mãos. – Você é sim minha fraqueza, Mel. Eu existo por um objetivo específico, existo somente para procurar aqueles que partiram meu ego em dois. Existo para todos os tipos de ações frias e sangrentas que há, mas não existo para o que sinto agora.

- E o que sente? – Eu voltara a mexer com as pedrinhas na areia.

- Sempre senti que era forte demais, que era capaz de tudo, que não tinha medo, até o momento em que fui teimoso o bastante para me aproximar. Então você virou a minha fraqueza. Achei que conseguia desafiar a todos, mas não consigo desafiá-la. Nem sequer consigo pensar no que eu deveria estar fazendo, nas pessoas que eu deveria estar caçando porque você me impede. Agora sou incapaz de pensar em outro propósito se não vê-la. Me sinto fraco e imundo.

- Não precisa jogar na minha cara que eu lhe faço tanto mal. – Eu disse decidida e me levantei. Já tinha ouvido demais por hoje. – Não sou eu que estou nos afastando, Sam.

- Eu ainda não acabei. – Ele se levantou também.

- Não quero terminar de escutar. Você acha que não é ruim o bastante eu sentir algo que não deveria sentir, me torturar a cada instante, me autodestruir? Agora também tenho que ouvir que também destruí a você? – Senti o vento forte balançando meus cabelos e comecei a tirar a jaqueta que ele me emprestara.

- Você tira as conclusões erradas das minhas palavras duras.

- O que queria que eu pensasse? “Que legal! Estou destroçando a mim mesma e a pessoa que eu am... “ – Joguei-lhe a peça de roupa e ele a agarrou.

- O que ia dizer?

- Não importa mais. – Comecei a marchar para o lado em que estavam o resto das pessoas.

- Eu gosto, Mel. – Ele gritou ao longe, nas minhas costas e eu parei de andar. – Eu gosto de não pensar em outra coisa, gosto de me desgrudar de algo que tomei por centro da minha existência, gosto da maneira como você me destrói, gosto do jeito como me sinto indefeso perto de você, gosto do seu perfume, gosto quando você sorri assistindo novela, gosto quando zomba do meu cabelo, gosto quando diz que não se importa com o que os outros pensem de você, gosto como você às vezes tem essa encarnação de general e começa a me dar ordens, gosto como pronuncia meu nome, gosto da sua bagunça e gosto da maneira como se preocupa com os seus vizinhos e com os animais deles, gosto quando você se desliga do mundo e fica refletindo sozinha coisas que, muitas vezes ninguém, repara. Eu não deveria gostar de nada disso, Mellanie, mas eu gosto e minha pior fraqueza – respirou fundo – é a maneira como não consigo parar de gostar. E eu sei que eu não tenho sensibilidade e nem jeito com as palavras, sei que a magoei. Mas é melhor você não me dar as costas e me deixar como está fazendo agora, porque aí sim você me destruiria.

Fiquei parada no local exato em que estava, eu não tive coragem de me virar. Achei que era firme o bastante para isso, mas não era, afinal de contas. Não poderia me mexer depois de ouvir aquilo tudo, não poderia pensar. Estava, ao mesmo tempo, aflita por estar fazendo algo que não deveria e quente por estar queimando por dentro.

Ele tocou o meu ombro devagar, eu protegi o rosto com as mãos. Não queria encarar aquela realidade. Balancei a cabeça negativamente quando ele me abraçou. Acho que todas as pessoas sonham em, algum dia, ter alguém para amar para sempre, mas não sobre essas circunstâncias obscuras que nos rondavam. Eu queria e não queria. A razão dizia que não e o sentimento gritava por um sim. Acredito que essa é a grande diferença entre os dois, a razão te dá a escolha, o sentimento não.

Deixei-me desabar em seus braços quentes desnudos pela jaqueta que me emprestara. Chorei por indeterminados minutos, tentei negar que eu estivesse presa à tão sombria situação, tentei imaginar como seria se as coisas fossem mais fáceis. Se ele pudesse estar sempre comigo, se não estivéssemos sendo perseguidos, se não quisessem nos matar...

Ele só me apertou mais forte e ficou ali, quase imóvel, acariciando meus cabelos que brilhavam sob a Lua. Sam me entendia, no fim das contas. Compartilhava a dor intensa da dicotomia entre o errado e o amável. Mesmo dizendo ser um gelo de pessoa, estava ali, sentindo as milhares de facas nos assolarem por dentro. Talvez ele não fosse uma pessoa só, talvez fosse duas pessoas diferentes. Mas, naquele momento, eu e ele éramos dois diferentes que compartilhavam o mesmo patamar, portanto éramos um só.

Ele encostou a cabeça na minha e me acolheu nos momentos em que estive desolada. Senti que as lágrimas cessaram, finalmente entendi que talvez fosse menos árduo se nos apoiássemos um no outro. Ele percebeu que eu não estava mais em pranto e colocou o dedo indicador sob meu queixo para levantar meu rosto. Ainda me abraçando, passou os dedos sobre minha pele pálida a fim de secar minhas últimas lágrimas. Usou o polegar para acariciar meus lábios com o máximo de delicadeza que conseguiu e contemplou meus olhos por um momento.

Em seu olhar eu pude ver que sua dor de poder estar cometendo um erro fatal não era menor do que a minha. A dor da possibilidade de tudo dar muito errado e um terminar expondo o outro ao perigo era tão real quanto a minha. Mas, naquele momento fiz o que Rebecca sempre me aconselhara a fazer: parei de pensar em tudo isso e me concentrei, não na lista de problemas que eu encarava, mas na pessoa incrível que estava lá comigo.

Nosso beijo foi indescritível. Uma mistura de mágoa, felicidade, amor, pesar e todas as centenas de sentimentos que nos inundavam naquele instante. Não foi um beijo tranqüilo ou suave, foi forte e urgente, como se aquele fosse o último. Como se nunca mais poderíamos ter um instante como aquele. Eu apertava meus lábios fortemente contra os dele porque há muito eu esperava por aquele momento: o momento em que eu sentiria algo verdadeiro por alguém. Aquele momento.

Quando o ar finalmente fez falta e paramos de tocar nossas bocas, os olhos não se cansaram. Por instinto, olhei brevemente para cima a tempo de ver uma faixa luminosa passando no céu rapidamente por sobre nossas cabeças. Sofia tinha razão, foi o momento mais emocionante em muito tempo.

36 comentários:

Anônimo disse...

AI.q lindo Mel.....

o ar tbm me faltou...

continue...sempre esperamos mais....

bjus suceso

disse...

Ameeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeei mel!
vai postar mais quando? por favoor não pare!

Lanna disse...

ai meu deus q lindo o q ele disse pra ela *-*

Carlinha disse...

Nossa muito bom mesmo. Continua postando, por favor.

Anônimo disse...

Ai meu Deussssssssssss

Quero mais!

Unknown disse...

incrível!!!
muito emocionante ♥
*-*

Drika disse...

Que Lindooo!! A cada dia fico mais apaixonada pela sua obra.
Continue postando mais capítulos.
Beijoss!

Unknown disse...

aiiii q lindoooo!!!
viciei na história, visito o blog todo dia pelo menos umas três vezes.
mal posso esperar pelo próximo capítulo, acho q vou ter um ataque do coração.

Parabéns, você escreve perfeitamente. Se publicasse o livro ia fazer o maior sucesso.

Mariana R. disse...

Que lindo cara. É perfeito. *-*
Maais :D

;*

Andressa disse...

Ain.. que lindo... *.*
Posta mais ok?
E parabéns... :D

Michaela!! disse...

aaaii gente o q ele disse foi tao romantico *___*
quero um sam pra mim!!

Lis :D disse...

oooooooooown q liindo !
quero um sam pra mim ! [2]
poors favoor posta maiis g.g

Linda! disse...

quero um sam pra mim ! [3]

Anônimo disse...

PERFEITOOO!!

ai q lindo isso até me emocionei aquii *-*

lindo, lindo, lindoooo

posta logooooooo

=]

Jack disse...

ai q lindo *-*
esse bjo foi mara!!!!!!!!!

posta maaaaaaais

Unknown disse...

Esso eh demais!!!!

imagine: praia, beijando um cara lindu e um cometa passano!

um beijo sheio de sentimentos como aquele!


mobem! espero q essa estoria vire um filme!

um game?

naum say!

soh say q: quero mais!!!!!!!!!!!!!!


xoxo, querida


Jojo

Carol Correia disse...

simplesmente perfeitoo

sua historia eh td d boom

adoroooo

nao vejo a hora de ler o cap. 7

bj

Andressa disse...

Ainnn num aguento mais vir todo dia ver se tem atualização e ver que não tem.
Por favor, posta!!

Anônimo disse...

postaaaaaaaa o próxiimo!
;D

Mih Magalhaes disse...

Estou amando a história!!


Qnd vai sair o cap´tulo 7,Mel?!

Postaaa!!

=DD

Jéh disse...

meu deus morri

ai mel posta mais pff :D

carol disse...

posta o 7!!!!!! eu naum aguueentoo de tanta curioosidade

to me remoendo

Ju Fuzetto disse...

Lindo, lindo!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Lorena disse...

aiin que coiisa mais liinda ♥

Poly Ribeiro disse...

quase chorei de felicidade nesse. juro.

PKOAOPKAKOPA

sou uma mantega derretida!!!

tAiSsA disse...

"Não agüentei vê-la caída no chão, foi mais forte do que eu mesmo. Foi naquela noite, Mel, que eu encarei a minha primeira fraqueza."

que linduh elllEEeE

telerina disse...

chic!!

Linda disse...

muito lindo!!!

Anônimo disse...

ah, oq ele disse foi tãoo tão gamantee!
perfeita a história :)
quero um Sam pra mim ! *-*
continue escrevendo, vc escreve demaiss! :)
By: Anne :)

Anônimo disse...

CHOREEEEEEEEEEEEEEEEEEEI ;~~~~


by: Angélica Reimol

Cecília Boechat :D disse...

Amei, linda! Já pensou em um livro? Não duvido nada! rsrs

Beeijos *

Dana Danona disse...

que lindoo

Yasmim Pontes disse...

amei

Gabby Tx disse...

Aaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!
OMG FIKEI SEM AR!!!
x.o.x.o.

Anônimo disse...

Ai eu chorei
muito lindoo
Sam *-*

Lorena Staneck disse...

nunca vi uma história mais linda que essa *o*

Postar um comentário