quarta-feira, 27 de maio de 2009
Esperei mais alguns segundos antes de o elevador parar, se eu tivesse o hábito de tomá-lo, nunca teria conhecido o Sam e nenhum limite na minha vida ou da minha racionalidade seria levado tão ao extremo. Ainda bem que eu era louca o suficiente para preferir as escadas.
Ele carregou minhas sacolas ao longo de todo o corredor meio iluminado. Ultimamente, o prédio havia adotado uma política de racionamento de energia a qual eu era favorável. Era um absurdo deixar que todas as luzes de todos os prédios da cidade ficassem ligadas a partir de antes do entardecer até e durante toda a noite. Quero dizer, se juntássemos todas as despesas com todas as luzes todas as noites durante todos os anos em que o prédio existia, tenho certeza que seríamos capazes de adotar um elefante. Enfim o condomínio percebeu isso e diminuiu o número de lâmpadas nos corredores. Não que eu fosse a mulher do capitão planeta e que fosse politicamente correta ou até mesmo aquelas ambientalistas radicais, mas é que acho o desperdício uma coisa tão burra quando os recursos poderiam ser gastos de uma maneira mais útil.
Por entre todos os pacotes, ele me entregou as chaves de sua casa e eu entendi que era porque suas mãos estavam ocupadas. Abri a porta. Estava eu ali de novo, naquela sala bonita e bem organizada. Ele entrou logo atrás de mim e colocou minhas coisas em cima da mesinha alta de vidro que havia logo ao lado da porta. Não tardou mais que uns segundos e Tosha veio correndo me unhar a parte de baixo das calças jeans. Ele esfregou a cabeça acinzentada nos meus joelhos, era um bom cachorro.
Sam acariciou sua cabeça e tirou um biscoito redondo de dentro de um dos vidros ornamentais que havia em cima de uma estante. Era um enfeite tão bonito, não era de se imaginar que havia comida de cachorro lá dentro. Ele usou o biscoito como isca para levar Tosha para o quarto que, lá em casa, correspondia ao quarto ocupado por Sofie. O mais arejado e amplo, porém sem sacada e sem suíte. Ela reclamava o tempo todo. Depois de fechar o cachorro no quarto, ele abriu um armário enorme de carvalho que se estendia no corredor e ficou de costas para mim.
- Quero te mostrar uma coisa. – Disse animadamente. Parecia uma criança que acabara de ganhar um brinquedo novo.
- O que é? – Perguntei curiosa. Não tinha idéia porque uma personalidade que não me conhecia teria me levado até lá.
Quando ele finalmente parou de se esticar para alcançar algo que, na certa, está lá em cima, virou-se e eu pude ver o que estava em suas mãos. Encarei um lindo violoncelo feito de ébano escuro e um leve tom cereja. Brilhava mais que a lua que encaramos juntos na noite anterior, mas ele não poderia se lembrar. Ele o segurava com o cuidado que seguraria a criatura que mais docemente amava em todo o planeta. Era um carinho quase materno, uma elegância quase real.
Arrastou uma das cadeiras de espaldar alto e estofado branco que faziam conjunto com a mesa de jantar e colocou-a em frente ao sofá onde eu estava sentada. Ficou ereto e sentou-se com cortesia. Em seguida, segurou o arco com delicadeza e, ao mesmo tempo, firmeza e começou a tocar uma melodia viciante. Era algo que enchia e encantava os ouvidos e fazia água brotar nos olhos. E eu não sou o que podemos chamar de sensível demais. Era definitivamente uma das músicas mais bonitas que eu já tinha escutado.
Ele inclinava a cabeça para baixo fazendo com que seus cabelos negros caíssem sobre o rosto. E seus dedos que, em diversas outras noites, achei muito indelicados tremiam as cordas de uma maneira ensaiada fazendo com que a canção fosse ainda melhor de escutar. O terno cinza não atrapalhou, de nenhuma forma, os movimentos que fazia ao tocar. Eu não conseguia ver seu rosto direito, mas sabia que ele estava inteiramente concentrado, completamente tomado. A música era sua vida.
A música era curta ou, pelo menos, eu achava que deveria continuar. Era quase um pecado parar assim, depois de tão pouco espaço de tempo. É, eu adorava minha música de “delinqüente”, mas não creio que alguma delas chegasse, de alguma forma, à dar a sensação de que meu peito era estreito demais para o que estava batendo dentro dele.
- Gostou?
- É linda. – Eu disse finalmente quando consegui expressar-me de alguma forma. Aquela música me fez viajar um pouco. - Nossa, Sam, estou impressionada. Qual é o nome?
- Não sei. Ainda não terminei.
- O quê? – É, agora sim eu estava boquiaberta. Ele não somente tocou a música, ele a criou.
- Pretendo terminar em breve. – Sorriu bondosamente enquanto se levantava e colocava o instrumento com cuidado sobre o estofado da cadeira. Sentou-se no sofá, ao meu lado. Virou-se e me encarou. – A música te parece familiar?
Achei uma pergunta no mínimo estranha. Não, a música não me era familiar. E, como poderia ser se ele a havia criado? Com exceção de “Final Countdown” que ele tinha o hábito de tocar quando entardecia, nunca havia escutado nenhuma outra.
- Não. Você disse que a compôs.
- Eu sei. Só queria saber se a conhece.
- Não mesmo.
- Interessante. – Ele jogou os ombros para trás e desapertou um pouco a gravata. – Bom, então você foi a primeira a ouvi-la. – Sorriu.
- Fico lisonjeada. – Sim, a música era ótima. Linda mesmo, mas eu não tinha tempo a perder.
- Há algumas perguntas que quero lhe fazer. – Ele explicou percebendo meus pensamentos de sair o mais rápido possível. – Se me permitir, é claro. – Às vezes era tão pomposo com as palavras.
- Pode dizer.
- Quer beber algo? Refrigerante, suco, o que você toma? – Ele pareceu perceber que ficara tão entretido com a música que havia se esquecido de me oferecer alguma coisa, mas eu não estava disposta a delongar a conversa. Era estranho, mas me doía pensar que aquela pessoa que estava sentada ali, na minha frente, não fazia idéia de quem eu era. Aquela pessoa nunca contemplou as estrelas comigo, nunca me tomou em seus braços para me socorrer, nunca conversara comigo sobre novela mexicana ou me zombara por ser pequena e um pouquinho rabugenta. Isso me afetava de alguma forma.
- Não obrigada. O que quer me perguntar? – Tentei parecer o mais agradável possível, mas estava difícil não ficar atormentada e lembrar a mim mesma, a cada segundo, de que não era ele, não era meu Sam. E ele não tinha culpa disso.
- Quero saber se você está bem.
- O quê? – Confesso que soei um pouquinho perplexa demais, como se ele tivesse me perguntado se eu estava disposta a doar-lhe um rim. É que eu não conhecia este homem, ele não tinha porque se preocupar comigo.
- É que às vezes lhe vejo ao longe, quando está chegando ou saindo. Você não me parece bem e aquele dia que esteve aqui, me deixou assustado. – Ele falou isso não com desprezo, mas com uma preocupação constante na voz. Estava sendo verdadeiro. – O que está acontecendo com você, Mellanie?
- Não é nada importante. – Eu menti. Não estava querendo preocupá-lo e, além do mais, não acho que se contasse essa história alguém acreditaria em mim. Além de estar indo a uma festa com um cara intelectualmente dividido que estava disposto a matar quem quer que fosse por vingança e, ao mesmo tempo, estava sendo perseguido injustamente, eu também tinha virado alvo desse jogo sangrento e de mau gosto. Era isso o que estava me deixando no meu limite nos últimos dias. A preocupação com o meu vizinho que quase foi morto por minha causa, “os Sams“, gente invadindo a minha casa, colegas espalhando mentiras sobre mim, tudo isso estava me deixando saturada. Minha tentativa quase-vitoriosa de escapar de tudo foi as compras com Rebecca hoje à tarde, agora tudo estava voltando.
- Me conte o que é sem importância então. – Disse bondosamente.
- Não há o que contar. – Juro que, por segundos, cogitei contar-lhe toda a verdade. Sobre si mesmo e o resto, mas eu resolvi confiar no Sam, no outro, quero dizer.
- Eu só quero te ajudar. – Ele disse com delicadeza e encostou uma das mãos, que minutos antes estava tocando uma música maravilhosa, no meu queixo.
- Por quê? – Talvez eu estivesse aprendendo a ser mais fria com a Sofie. Não entendia o motivo de seu interesse repentino.
- Isso nos leva a segunda pergunta que quero lhe fazer. – Ele suspirou. Eu não disse nada, fitei-o profundamente, estava confusa. Mais confusa do que já estava antes. – Quero saber o que a faz tão especial.
Eu ri involuntariamente.
- Não sou especial.
- Você tem algo diferente. – Ele insistiu e eu lentamente balancei a cabeça negando. – Por que sinto que a conheço, Mellanie? Por que a cada vez que a vejo é como se eu tentasse trazer à tona uma velha lembrança que esqueci? Por que sinto que és tão familiar?
Agora eu estava entendendo, ou talvez tentando. O outro Sam havia me dito que, não sabia o motivo, mas tinha vagas lembranças de momentos que passara comigo quando não estava em si mesmo. Agora eu sabia que o mesmo acontecia com sua outra face. Ele não conseguia se lembrar das conversas que teve comigo, não conseguia se lembrar das estrelas ou do hospital, mas sabia que me conhecia.
- Você deve estar se confundindo. – Eu disse finalmente. Não tinha como explicar-lhe.
- Não. – Ele era tão calmo, tão diferente do que era à noite. Contrariava-me e falava cada palavra como se pronunciasse música, lentamente, calorosamente, traiçoeiramente. – Há algo que me liga a você. – Sussurrou e tirou um raio-x da minha alma. – Só que não consigo me lembrar. Um sonho que esqueço todas as vezes que acordo.
Sim. A metáfora perfeita.
- Diga-me o que é, Mellanie. – Ele pediu baixinho, aproximou-se e começou a acariciar minha bochecha usando o polegar. Ele estava tentando me distrair.
- Não sei o que pode ser, Sam. – Eu não conseguia olhar em seus olhos cor de oliva. Eles me queimavam e me expunham, não conseguiria mentir encarando-os. Ele suspirou.
- Não sei porque não quer me dizer. – Confessou. – Sei que não quer, mas não sei o porque disso. Também não sei porque você está aflita, não sei porque isso me atinge também. É como se a sua aflição me corroesse, como se me esfacelasse. – Ele deixara um tom melancólico aparecer, mas logo recuperou a voz paciente e bondosa. - A música me veio à cabeça quando acordei de um desses sonhos. Esses que não consigo me lembrar. Achei que estaria relacionada à ela.
Isso me fez sentir-me culpada. Ele havia estado comigo e, quando “acordara” compusera uma bela canção que não fazia idéia de onde viera e eu estava ali mentindo. Eu não poderia dizer, não poderia. Ele percebeu que eu não estava disposta a cooperar com o seu dilema. Ele tentava superar a chateação e, talvez, um eventual ódio que estava sentindo por eu recusar-me a dar-lhe suas respostas. Estava se concentrando para poder me entender, me aceitar. Não conseguiu.
- Obrigado, de qualquer forma. – Falou depois de um tempo e se afastou. Não foi irônico, nem grosseiro, mas eu entendi que ele estava decepcionado.
Eu levantei o rosto e sorri, me esforçando para livrar os olhos de um arder que logo viraria lágrimas. Eu não gostava de mentir e creio que mentir para alguém que você gosta por motivos que não concorda é ainda pior. Eu não queria mentir. Queria contar-lhe o que estava acontecendo consigo mesmo, queria alertar-lhe do perigo, queria que soubesse que não éramos mais desconhecidos, que já tínhamos uma pequena história juntos, mas eu não pude. Ele mesmo havia me convencido de que era melhor não dizer nada. Ele vivera anos dessa maneira e estava tudo bem. Eu não sabia direito como isso das personalidades funcionava, não podia ser pretensiosa e orgulhosa a ponto de achar que conseguiria resolver o problema sozinha ao abrir a boca quando me disseram para calar-me. Contudo, isso me deu uma idéia.
- Sam? – Eu ousei chamar quando já estava próximo da minha porta até onde ele fizera questão de me acompanhar e carregar minhas compras.
- Sim? – Ele também estava afundado em pensamentos profundos, pude perceber.
- Você tem algum parente mais idoso que mora na cidade?
- Tenho, meu avô. – Eu sabia disso, mas ele franziu as sobrancelhas, não entendeu a minha pergunta. – Por quê?
- É que eu estou com um trabalho pendente. – Mordi o lábio, não era boa em mentiras. – É sobre o padrão de vida nessa cidade. Uma comparação entre os tempos de hoje e, você sabe, antigamente. Minha avó não mora aqui, então pensei...
- Claro, acho que o Cristian pode te ajudar. – Ele sorriu.
- Será que pode me passar o endereço? – Pedi, tentando não ser muito suspeita.
- Não. – Eu fiquei meio assustada ao ouvir isso. – Eu a levo até lá. – Completou.
- Não acho que seja necessário, pode demorar e... – Tentei enrolar, não conseguiria fazer as perguntas que queria com o Sam do lado.
- Insisto. – Ele colocou as sacolas em cima da minha mesa e acenou a cabeça quando se despediu.
Eu poderia ter pensado melhor ao arquitetar esse plano, mas se eu conseguisse ficar sozinha com Cristian Trent por alguns segundos poderia lhe fazer todas as perguntas que estavam me assombrando há alguns dias.
Minha irmã apareceu na sala com o barulho da porta se fechando. Ela tinha ficado em casa sozinha esta tarde porque disse que tinha coisas para fazer e não queria nos acompanhar nas compras. Não estava arrumada ainda, o máximo que fez foi prender os cabelos mais claros que o meu em um coque arrumado no topo da cabeça.
- Vocês foram fabricar as roupas?
- Foi divertido. – Eu gostava de responder as perguntas dela indiretamente. Ela ficava irritada.
- Que horas o Noah irá me buscar?
- Liguei para ele hoje à tarde e combinei que ele a buscaria às sete.
- Mas o cometa só vai aparecer quase meia-noite! – Ela protestou.
- Tomem um sorvete antes. – Dei de ombros.
- Mel, você não quer mesmo ir? – Ela perguntou quase que como uma súplica. Não queria mesmo ficar sozinha com um quase-estranho.
- Não posso, Sofie... Já combinei tudo com o Sam. – Acariciei sua cabeça enquanto ela estava distraída. – Prometo que vou da próxima vez. – Sorri.
- Não vai ter próxima vez! – Ela reclamou sem alterar a voz. – Esse vai ser o acontecimento mais emocionante do século!
- Quem sabe no próximo século então... – Brinquei. Ela ficou um pouco emburrada. – Sofie, pode me ajudar a carregar isso até o meu quarto?
- Você colocou um GPS nelas? – Olhei para ela tentando entender. – Então é provável que vá perdê-las lá dentro.
Ignorei essa alfinetada, já estava anoitecendo e eu tinha gastado um pouco de tempo no imprevisto que tive com o Sam. Sofie e eu carregamos as compras até o quarto, onde ela deixou tudo na cama e se apressou a sair. Estava levando a sério demais essa história da bagunça. Quero dizer, a bagunça é minha, não deveria incomodá-la tanto.
- Onde está a Sarah?
- Ainda não chegou. – Ela respondeu antes de sair e fechar a porta.
Entrei correndo no banheiro e comecei a me arrumar, minha mãe não tardaria a chegar. Arrumei as sobrancelhas, esfoliei a pele com um negócio de pêssego que Rebecca tinha garantido que era maravilhoso e entrei debaixo do chuveiro para lavar os cabelos. Estava refletindo um pouco enquanto a água caía sobre meu corpo e avistei o vidro de creme hidratante de frutos do mar. Suspirei alto. Me estiquei para alcançá-lo, resolvi testar para ver se era bom mesmo.
Senti uma gosma azul caindo sobre a minha cabeça. Era uma sensação estranha, mas à medida que eu esfregava o creme depois que havia lavado os cabelos eles ficavam mais macios. Enxagüei bastante e desliguei o chuveiro. Saí com a toalha e fiquei escolhendo algo para vestir. Eram tantas opções que eu estava ficando confusa. Talvez Rebecca e eu tivéssemos passado da conta hoje, mas fazia tanto tempo que eu não comprava roupas novas que acho que não faria mal algum.
Optei por uma calça jeans bonita com uns bordados bem melhores que os que eu tentava fazer. Era um pouco justa demais na parte do quadril e ficava mais solta quando se aproximava das barras largas. Vesti a blusa que Rebecca garantiu que ficaria bem em mim, meio colada e com um decote em “V”, mas bonita, admito. Era uma cor meio salmão ou laranja, não sei.
Uma música conhecida começou a tocar no andar de cima. “The Final Countdown” do Europe soava no meu quarto como se o Sam estivesse ali, tocando. O som deveria vir pela sacada. Fiquei um momento parada, ouvindo, eu adorava essa música. Logo resolvi continuar, se não, não iria acabar nunca.
Passei o secador rapidamente pelos cabelos porque, se não, teria que ficar com o cabelo molhando minha roupa. O mais catastrófico foi a parte da maquiagem. Eu realmente não levava jeito para essas coisas. Eu passei lápis nos olhos, como de costume, mas descobrir a maneira certa de usar blush e sombra foi um pouquinho mais desafiador do que pensei. Ouvi a porta do apartamento se abrindo.
- Meninas! – Sarah gritou assim que chegou.
Sofie abriu a porta do quarto e saiu tentando entender o motivo do escândalo, eu já sabia o que era.
- Vou tomar um banho rápido e me arrumar. Logo as pessoas que a mamãe está esperando vão chegar. – Anunciou com uma animação maior que a necessária. – Preciso que saiam em 10 minutos! – Sorriu.
- O quê? 10 minutos? – Eu me alterei. – Sam só virá me buscar daqui à uma hora!
- Jogue sinuca lá embaixo. – Minha mãe respondeu como se fosse simples e não quis continuar a discussão. Passou por nós duas e sumiu pelo seu quarto.
- Meu Deus. – Fiquei assustada ao ouvir Sofia pronunciar essas palavras, ela não era religiosa. – O que aconteceu com você? – Os olhos dela ficaram do tamanho de duas bolas de tênis ao me analisarem.
- O que foi?
- Você parece ter saído da capa da Vogue. O que você fez com o cabelo? – Ela me olhava com uma mistura de terror, nojo e admiração.
- Um negócio de ostra. – Ela não entendeu nada. – Coisa da Rebecca.
- Onde vocês fizeram compras hoje? Na Melrose Avenue?
- Longe demais, querida. – Sorri.
Eu não sabia se essa reação da minha irmã era boa ou ruim. E, realmente, me olhando agora no grande espelho da sala meu cabelo estava de um jeito que nunca tinha estado antes. Domado, brilhante, macio e caía em cachos leves sobre o meu pescoço e tórax.
Também reparei em Sofie. Já tinha se vestido. Usava uma calça social cinza e uma blusa branca de mangas compridas, o cabelo estava preso ainda no mesmo coque que eu vira minutos atrás. Carregava a mesma pasta preta que Noah havia trazido no dia anterior e olhava constantemente para o relógio de pulso.
- À qualquer momento agora.
A campainha tocou.
- Como... Como você sabia? – Ela praticamente acertou a hora em que seu acompanhante chegaria.
- Você disse que ele viria às sete. São sete em ponto. – Ela explicou e pareceu achar tudo muito óbvio. Eu não entendia como ela, Noah e quaisquer outras pessoas no planeta conseguiam seguir o relógio tão fielmente. Se alguém me dissesse que viria me buscar às sete eu provavelmente não acreditaria que seria exatamente sete.
- Ah.
Abri a porta e ela marchou para fora com cortesia demasiada.
- Boa noite, Delli. – Rosnou.
- Boa noite, Grizzo. – Noah respondeu com o mesmo afastamento. Nossa, isso porque eram colegas de curso. Então olhou para mim. A mesma expressão de espanto passou por sua face, mas ele carregava um certo humor com ela. – Você está magnífica.
Eu corei e Sofie soltou um som alto de desaprovação.
- Obrigada. Você também está bem elegante. – Sorri. Era verdade, estava usando uma roupa quase tão social quanto a de Sofie. Era um cara bonito.
- Gentileza a sua. Tem certeza de que não quer mesmo nos acompanhar?
- Não, tenho outros planos... – Tentei parecer desapontada por não poder ir, mas não sei se funcionou.
- Que pena. – Ele abaixou a cabeça como forma de cumprimento, muito antiquado por sinal e saiu acompanhado por Sofia.
- Mellanie, é você que está saindo? – Mamãe gritou do seu quarto. Custei a entender por causa do barulho do secador ligado que ela estava usando.
- Sim! – Resolvi mentir, não queria outra discussão. Já estava praticamente pronta mesmo, não acho que precisaria de mais coisas. Rebecca certamente discordaria, mas eu penso que estava bom desse jeito.
Joguei algumas coisas que poderia precisar dentro da bolsa pequena que eu havia comprado também esta tarde, borrifei um pouco de perfume e, mancando, saí de casa.
As poucas luzes que sobraram nos corredores já estavam acesas, deixando o lugar mal iluminado em relação à antes. Já estava escuro e eu não sabia aonde iria ou o que iria fazer até que Sam viesse me buscar. Resolvi esperá-lo na porta de sua casa antes que nos desencontrássemos.
As pessoas que passavam no corredor ficavam me encarando e se perguntando o que uma garota arrumada estava fazendo sentada nas escadas em frente à porta 601. Depois de um tempo, decidi bater.
Um Sam só de roupão me atendeu.
- Oi Mel! Já deu a hora? – Respirei em alívio quando percebi que ele já era ele mesmo. Eu estava conversando com a pessoa certa.
- Não... – Fiquei indecisa. – É que Sarah nos expulsou de casa antes... Não tenho onde ficar, será que posso entrar?
- Não precisava perguntar. – Ele abriu um pouco mais a porta que estava entreaberta porque, provavelmente, ele não queria aparecer no corredor vestindo um roupão branco. Entrei ainda mancando, ele observou meus movimentos. – Você está linda. – Sorriu e, desta vez, sem deboche.
- Obrigada. – Sorri em resposta. Sentei-me no sofá. Não havia nenhum sinal do Tosha, ele deveria estar em seu quarto mordendo um osso de plástico.
- Pode aguardar um minuto? Me visto rapidinho, estava distraído e esqueci da hora.
- Claro. – Dei de ombros. Não iria me fazer mal esperar um pouco.
- Se quiser, pode ver a novela mexicana. – Ele riu de mim e eu mostrei a língua. Estava demorando para começar a me zombar e, também, não sei qual era o problema em assistir novelas mexicanas. A maioria delas é bem trabalhada. Ele sumiu no corredor.
Olhei ao redor, a sala estava exatamente igual em relação ao tempo em que eu ficara ali mais cedo exceto pela bagunça em cima da escrivaninha. Claro que se essa bagunça concorresse com qualquer bagunça que havia no meu quarto perderia vergonhosamente, mas ainda assim era uma pequena bagunça. Vários papéis estavam jogados em cima da superfície plana de vidro, uns lápis estavam dispostos em cima das folhas e havia muito pó de borracha em todo lugar. Sam estivera escrevendo.
Aproximei-me um pouco, duvidei que fizesse mal se eu lesse algumas linhas. Eram vários papéis, não conseguiria ler tudo, mas não acho que ele se importaria se eu desse uma olhada...
Sem encostar-me em nada passei os olhos pelas primeiras palavras escritas na folha de cima. Em uma caligrafia bonita, mas forte, era legível:
(...) não poderia mais se conter. Ele cuidadosamente depositou os olhos sobre a carne dela espelhada pela luz da Lua. Era como se ela brilhasse a cada centímetro do corpo, como se fosse luz em essência, como se fosse o pingo de calmaria no oceano da amargura. Seus cabelos dourados balançavam com o vento de forma que se postava naquele local como um ser divino. Ela virou-se encantadoramente para encará-lo. Seus olhos tinham o poder de queimar-lhe, externamente e ainda até o fundo de sua alma, todavia ela não tinha a mínima idéia da força magistral que exercia sobre ele. Era inocente e doce, mas, sem querer, lhe causava uma dor grave.
Ele não conseguiria entender que não deveria tê-la, que não poderia. Por isso, não evitou a aproximação, porque sempre se achara forte o bastante para destruir quem precisasse, mas era fraco e incapaz de fugir de seus olhos. Fora capturado por onde menos esperava, quebrou as barreiras que nunca imaginara, derreteu o gelo de um lugar que há tempos congelara. Estava completamente viciado por ela.
Continua (...)
Ele carregou minhas sacolas ao longo de todo o corredor meio iluminado. Ultimamente, o prédio havia adotado uma política de racionamento de energia a qual eu era favorável. Era um absurdo deixar que todas as luzes de todos os prédios da cidade ficassem ligadas a partir de antes do entardecer até e durante toda a noite. Quero dizer, se juntássemos todas as despesas com todas as luzes todas as noites durante todos os anos em que o prédio existia, tenho certeza que seríamos capazes de adotar um elefante. Enfim o condomínio percebeu isso e diminuiu o número de lâmpadas nos corredores. Não que eu fosse a mulher do capitão planeta e que fosse politicamente correta ou até mesmo aquelas ambientalistas radicais, mas é que acho o desperdício uma coisa tão burra quando os recursos poderiam ser gastos de uma maneira mais útil.
Por entre todos os pacotes, ele me entregou as chaves de sua casa e eu entendi que era porque suas mãos estavam ocupadas. Abri a porta. Estava eu ali de novo, naquela sala bonita e bem organizada. Ele entrou logo atrás de mim e colocou minhas coisas em cima da mesinha alta de vidro que havia logo ao lado da porta. Não tardou mais que uns segundos e Tosha veio correndo me unhar a parte de baixo das calças jeans. Ele esfregou a cabeça acinzentada nos meus joelhos, era um bom cachorro.
Sam acariciou sua cabeça e tirou um biscoito redondo de dentro de um dos vidros ornamentais que havia em cima de uma estante. Era um enfeite tão bonito, não era de se imaginar que havia comida de cachorro lá dentro. Ele usou o biscoito como isca para levar Tosha para o quarto que, lá em casa, correspondia ao quarto ocupado por Sofie. O mais arejado e amplo, porém sem sacada e sem suíte. Ela reclamava o tempo todo. Depois de fechar o cachorro no quarto, ele abriu um armário enorme de carvalho que se estendia no corredor e ficou de costas para mim.
- Quero te mostrar uma coisa. – Disse animadamente. Parecia uma criança que acabara de ganhar um brinquedo novo.
- O que é? – Perguntei curiosa. Não tinha idéia porque uma personalidade que não me conhecia teria me levado até lá.
Quando ele finalmente parou de se esticar para alcançar algo que, na certa, está lá em cima, virou-se e eu pude ver o que estava em suas mãos. Encarei um lindo violoncelo feito de ébano escuro e um leve tom cereja. Brilhava mais que a lua que encaramos juntos na noite anterior, mas ele não poderia se lembrar. Ele o segurava com o cuidado que seguraria a criatura que mais docemente amava em todo o planeta. Era um carinho quase materno, uma elegância quase real.
Arrastou uma das cadeiras de espaldar alto e estofado branco que faziam conjunto com a mesa de jantar e colocou-a em frente ao sofá onde eu estava sentada. Ficou ereto e sentou-se com cortesia. Em seguida, segurou o arco com delicadeza e, ao mesmo tempo, firmeza e começou a tocar uma melodia viciante. Era algo que enchia e encantava os ouvidos e fazia água brotar nos olhos. E eu não sou o que podemos chamar de sensível demais. Era definitivamente uma das músicas mais bonitas que eu já tinha escutado.
Ele inclinava a cabeça para baixo fazendo com que seus cabelos negros caíssem sobre o rosto. E seus dedos que, em diversas outras noites, achei muito indelicados tremiam as cordas de uma maneira ensaiada fazendo com que a canção fosse ainda melhor de escutar. O terno cinza não atrapalhou, de nenhuma forma, os movimentos que fazia ao tocar. Eu não conseguia ver seu rosto direito, mas sabia que ele estava inteiramente concentrado, completamente tomado. A música era sua vida.
A música era curta ou, pelo menos, eu achava que deveria continuar. Era quase um pecado parar assim, depois de tão pouco espaço de tempo. É, eu adorava minha música de “delinqüente”, mas não creio que alguma delas chegasse, de alguma forma, à dar a sensação de que meu peito era estreito demais para o que estava batendo dentro dele.
- Gostou?
- É linda. – Eu disse finalmente quando consegui expressar-me de alguma forma. Aquela música me fez viajar um pouco. - Nossa, Sam, estou impressionada. Qual é o nome?
- Não sei. Ainda não terminei.
- O quê? – É, agora sim eu estava boquiaberta. Ele não somente tocou a música, ele a criou.
- Pretendo terminar em breve. – Sorriu bondosamente enquanto se levantava e colocava o instrumento com cuidado sobre o estofado da cadeira. Sentou-se no sofá, ao meu lado. Virou-se e me encarou. – A música te parece familiar?
Achei uma pergunta no mínimo estranha. Não, a música não me era familiar. E, como poderia ser se ele a havia criado? Com exceção de “Final Countdown” que ele tinha o hábito de tocar quando entardecia, nunca havia escutado nenhuma outra.
- Não. Você disse que a compôs.
- Eu sei. Só queria saber se a conhece.
- Não mesmo.
- Interessante. – Ele jogou os ombros para trás e desapertou um pouco a gravata. – Bom, então você foi a primeira a ouvi-la. – Sorriu.
- Fico lisonjeada. – Sim, a música era ótima. Linda mesmo, mas eu não tinha tempo a perder.
- Há algumas perguntas que quero lhe fazer. – Ele explicou percebendo meus pensamentos de sair o mais rápido possível. – Se me permitir, é claro. – Às vezes era tão pomposo com as palavras.
- Pode dizer.
- Quer beber algo? Refrigerante, suco, o que você toma? – Ele pareceu perceber que ficara tão entretido com a música que havia se esquecido de me oferecer alguma coisa, mas eu não estava disposta a delongar a conversa. Era estranho, mas me doía pensar que aquela pessoa que estava sentada ali, na minha frente, não fazia idéia de quem eu era. Aquela pessoa nunca contemplou as estrelas comigo, nunca me tomou em seus braços para me socorrer, nunca conversara comigo sobre novela mexicana ou me zombara por ser pequena e um pouquinho rabugenta. Isso me afetava de alguma forma.
- Não obrigada. O que quer me perguntar? – Tentei parecer o mais agradável possível, mas estava difícil não ficar atormentada e lembrar a mim mesma, a cada segundo, de que não era ele, não era meu Sam. E ele não tinha culpa disso.
- Quero saber se você está bem.
- O quê? – Confesso que soei um pouquinho perplexa demais, como se ele tivesse me perguntado se eu estava disposta a doar-lhe um rim. É que eu não conhecia este homem, ele não tinha porque se preocupar comigo.
- É que às vezes lhe vejo ao longe, quando está chegando ou saindo. Você não me parece bem e aquele dia que esteve aqui, me deixou assustado. – Ele falou isso não com desprezo, mas com uma preocupação constante na voz. Estava sendo verdadeiro. – O que está acontecendo com você, Mellanie?
- Não é nada importante. – Eu menti. Não estava querendo preocupá-lo e, além do mais, não acho que se contasse essa história alguém acreditaria em mim. Além de estar indo a uma festa com um cara intelectualmente dividido que estava disposto a matar quem quer que fosse por vingança e, ao mesmo tempo, estava sendo perseguido injustamente, eu também tinha virado alvo desse jogo sangrento e de mau gosto. Era isso o que estava me deixando no meu limite nos últimos dias. A preocupação com o meu vizinho que quase foi morto por minha causa, “os Sams“, gente invadindo a minha casa, colegas espalhando mentiras sobre mim, tudo isso estava me deixando saturada. Minha tentativa quase-vitoriosa de escapar de tudo foi as compras com Rebecca hoje à tarde, agora tudo estava voltando.
- Me conte o que é sem importância então. – Disse bondosamente.
- Não há o que contar. – Juro que, por segundos, cogitei contar-lhe toda a verdade. Sobre si mesmo e o resto, mas eu resolvi confiar no Sam, no outro, quero dizer.
- Eu só quero te ajudar. – Ele disse com delicadeza e encostou uma das mãos, que minutos antes estava tocando uma música maravilhosa, no meu queixo.
- Por quê? – Talvez eu estivesse aprendendo a ser mais fria com a Sofie. Não entendia o motivo de seu interesse repentino.
- Isso nos leva a segunda pergunta que quero lhe fazer. – Ele suspirou. Eu não disse nada, fitei-o profundamente, estava confusa. Mais confusa do que já estava antes. – Quero saber o que a faz tão especial.
Eu ri involuntariamente.
- Não sou especial.
- Você tem algo diferente. – Ele insistiu e eu lentamente balancei a cabeça negando. – Por que sinto que a conheço, Mellanie? Por que a cada vez que a vejo é como se eu tentasse trazer à tona uma velha lembrança que esqueci? Por que sinto que és tão familiar?
Agora eu estava entendendo, ou talvez tentando. O outro Sam havia me dito que, não sabia o motivo, mas tinha vagas lembranças de momentos que passara comigo quando não estava em si mesmo. Agora eu sabia que o mesmo acontecia com sua outra face. Ele não conseguia se lembrar das conversas que teve comigo, não conseguia se lembrar das estrelas ou do hospital, mas sabia que me conhecia.
- Você deve estar se confundindo. – Eu disse finalmente. Não tinha como explicar-lhe.
- Não. – Ele era tão calmo, tão diferente do que era à noite. Contrariava-me e falava cada palavra como se pronunciasse música, lentamente, calorosamente, traiçoeiramente. – Há algo que me liga a você. – Sussurrou e tirou um raio-x da minha alma. – Só que não consigo me lembrar. Um sonho que esqueço todas as vezes que acordo.
Sim. A metáfora perfeita.
- Diga-me o que é, Mellanie. – Ele pediu baixinho, aproximou-se e começou a acariciar minha bochecha usando o polegar. Ele estava tentando me distrair.
- Não sei o que pode ser, Sam. – Eu não conseguia olhar em seus olhos cor de oliva. Eles me queimavam e me expunham, não conseguiria mentir encarando-os. Ele suspirou.
- Não sei porque não quer me dizer. – Confessou. – Sei que não quer, mas não sei o porque disso. Também não sei porque você está aflita, não sei porque isso me atinge também. É como se a sua aflição me corroesse, como se me esfacelasse. – Ele deixara um tom melancólico aparecer, mas logo recuperou a voz paciente e bondosa. - A música me veio à cabeça quando acordei de um desses sonhos. Esses que não consigo me lembrar. Achei que estaria relacionada à ela.
Isso me fez sentir-me culpada. Ele havia estado comigo e, quando “acordara” compusera uma bela canção que não fazia idéia de onde viera e eu estava ali mentindo. Eu não poderia dizer, não poderia. Ele percebeu que eu não estava disposta a cooperar com o seu dilema. Ele tentava superar a chateação e, talvez, um eventual ódio que estava sentindo por eu recusar-me a dar-lhe suas respostas. Estava se concentrando para poder me entender, me aceitar. Não conseguiu.
- Obrigado, de qualquer forma. – Falou depois de um tempo e se afastou. Não foi irônico, nem grosseiro, mas eu entendi que ele estava decepcionado.
Eu levantei o rosto e sorri, me esforçando para livrar os olhos de um arder que logo viraria lágrimas. Eu não gostava de mentir e creio que mentir para alguém que você gosta por motivos que não concorda é ainda pior. Eu não queria mentir. Queria contar-lhe o que estava acontecendo consigo mesmo, queria alertar-lhe do perigo, queria que soubesse que não éramos mais desconhecidos, que já tínhamos uma pequena história juntos, mas eu não pude. Ele mesmo havia me convencido de que era melhor não dizer nada. Ele vivera anos dessa maneira e estava tudo bem. Eu não sabia direito como isso das personalidades funcionava, não podia ser pretensiosa e orgulhosa a ponto de achar que conseguiria resolver o problema sozinha ao abrir a boca quando me disseram para calar-me. Contudo, isso me deu uma idéia.
- Sam? – Eu ousei chamar quando já estava próximo da minha porta até onde ele fizera questão de me acompanhar e carregar minhas compras.
- Sim? – Ele também estava afundado em pensamentos profundos, pude perceber.
- Você tem algum parente mais idoso que mora na cidade?
- Tenho, meu avô. – Eu sabia disso, mas ele franziu as sobrancelhas, não entendeu a minha pergunta. – Por quê?
- É que eu estou com um trabalho pendente. – Mordi o lábio, não era boa em mentiras. – É sobre o padrão de vida nessa cidade. Uma comparação entre os tempos de hoje e, você sabe, antigamente. Minha avó não mora aqui, então pensei...
- Claro, acho que o Cristian pode te ajudar. – Ele sorriu.
- Será que pode me passar o endereço? – Pedi, tentando não ser muito suspeita.
- Não. – Eu fiquei meio assustada ao ouvir isso. – Eu a levo até lá. – Completou.
- Não acho que seja necessário, pode demorar e... – Tentei enrolar, não conseguiria fazer as perguntas que queria com o Sam do lado.
- Insisto. – Ele colocou as sacolas em cima da minha mesa e acenou a cabeça quando se despediu.
Eu poderia ter pensado melhor ao arquitetar esse plano, mas se eu conseguisse ficar sozinha com Cristian Trent por alguns segundos poderia lhe fazer todas as perguntas que estavam me assombrando há alguns dias.
Minha irmã apareceu na sala com o barulho da porta se fechando. Ela tinha ficado em casa sozinha esta tarde porque disse que tinha coisas para fazer e não queria nos acompanhar nas compras. Não estava arrumada ainda, o máximo que fez foi prender os cabelos mais claros que o meu em um coque arrumado no topo da cabeça.
- Vocês foram fabricar as roupas?
- Foi divertido. – Eu gostava de responder as perguntas dela indiretamente. Ela ficava irritada.
- Que horas o Noah irá me buscar?
- Liguei para ele hoje à tarde e combinei que ele a buscaria às sete.
- Mas o cometa só vai aparecer quase meia-noite! – Ela protestou.
- Tomem um sorvete antes. – Dei de ombros.
- Mel, você não quer mesmo ir? – Ela perguntou quase que como uma súplica. Não queria mesmo ficar sozinha com um quase-estranho.
- Não posso, Sofie... Já combinei tudo com o Sam. – Acariciei sua cabeça enquanto ela estava distraída. – Prometo que vou da próxima vez. – Sorri.
- Não vai ter próxima vez! – Ela reclamou sem alterar a voz. – Esse vai ser o acontecimento mais emocionante do século!
- Quem sabe no próximo século então... – Brinquei. Ela ficou um pouco emburrada. – Sofie, pode me ajudar a carregar isso até o meu quarto?
- Você colocou um GPS nelas? – Olhei para ela tentando entender. – Então é provável que vá perdê-las lá dentro.
Ignorei essa alfinetada, já estava anoitecendo e eu tinha gastado um pouco de tempo no imprevisto que tive com o Sam. Sofie e eu carregamos as compras até o quarto, onde ela deixou tudo na cama e se apressou a sair. Estava levando a sério demais essa história da bagunça. Quero dizer, a bagunça é minha, não deveria incomodá-la tanto.
- Onde está a Sarah?
- Ainda não chegou. – Ela respondeu antes de sair e fechar a porta.
Entrei correndo no banheiro e comecei a me arrumar, minha mãe não tardaria a chegar. Arrumei as sobrancelhas, esfoliei a pele com um negócio de pêssego que Rebecca tinha garantido que era maravilhoso e entrei debaixo do chuveiro para lavar os cabelos. Estava refletindo um pouco enquanto a água caía sobre meu corpo e avistei o vidro de creme hidratante de frutos do mar. Suspirei alto. Me estiquei para alcançá-lo, resolvi testar para ver se era bom mesmo.
Senti uma gosma azul caindo sobre a minha cabeça. Era uma sensação estranha, mas à medida que eu esfregava o creme depois que havia lavado os cabelos eles ficavam mais macios. Enxagüei bastante e desliguei o chuveiro. Saí com a toalha e fiquei escolhendo algo para vestir. Eram tantas opções que eu estava ficando confusa. Talvez Rebecca e eu tivéssemos passado da conta hoje, mas fazia tanto tempo que eu não comprava roupas novas que acho que não faria mal algum.
Optei por uma calça jeans bonita com uns bordados bem melhores que os que eu tentava fazer. Era um pouco justa demais na parte do quadril e ficava mais solta quando se aproximava das barras largas. Vesti a blusa que Rebecca garantiu que ficaria bem em mim, meio colada e com um decote em “V”, mas bonita, admito. Era uma cor meio salmão ou laranja, não sei.
Uma música conhecida começou a tocar no andar de cima. “The Final Countdown” do Europe soava no meu quarto como se o Sam estivesse ali, tocando. O som deveria vir pela sacada. Fiquei um momento parada, ouvindo, eu adorava essa música. Logo resolvi continuar, se não, não iria acabar nunca.
Passei o secador rapidamente pelos cabelos porque, se não, teria que ficar com o cabelo molhando minha roupa. O mais catastrófico foi a parte da maquiagem. Eu realmente não levava jeito para essas coisas. Eu passei lápis nos olhos, como de costume, mas descobrir a maneira certa de usar blush e sombra foi um pouquinho mais desafiador do que pensei. Ouvi a porta do apartamento se abrindo.
- Meninas! – Sarah gritou assim que chegou.
Sofie abriu a porta do quarto e saiu tentando entender o motivo do escândalo, eu já sabia o que era.
- Vou tomar um banho rápido e me arrumar. Logo as pessoas que a mamãe está esperando vão chegar. – Anunciou com uma animação maior que a necessária. – Preciso que saiam em 10 minutos! – Sorriu.
- O quê? 10 minutos? – Eu me alterei. – Sam só virá me buscar daqui à uma hora!
- Jogue sinuca lá embaixo. – Minha mãe respondeu como se fosse simples e não quis continuar a discussão. Passou por nós duas e sumiu pelo seu quarto.
- Meu Deus. – Fiquei assustada ao ouvir Sofia pronunciar essas palavras, ela não era religiosa. – O que aconteceu com você? – Os olhos dela ficaram do tamanho de duas bolas de tênis ao me analisarem.
- O que foi?
- Você parece ter saído da capa da Vogue. O que você fez com o cabelo? – Ela me olhava com uma mistura de terror, nojo e admiração.
- Um negócio de ostra. – Ela não entendeu nada. – Coisa da Rebecca.
- Onde vocês fizeram compras hoje? Na Melrose Avenue?
- Longe demais, querida. – Sorri.
Eu não sabia se essa reação da minha irmã era boa ou ruim. E, realmente, me olhando agora no grande espelho da sala meu cabelo estava de um jeito que nunca tinha estado antes. Domado, brilhante, macio e caía em cachos leves sobre o meu pescoço e tórax.
Também reparei em Sofie. Já tinha se vestido. Usava uma calça social cinza e uma blusa branca de mangas compridas, o cabelo estava preso ainda no mesmo coque que eu vira minutos atrás. Carregava a mesma pasta preta que Noah havia trazido no dia anterior e olhava constantemente para o relógio de pulso.
- À qualquer momento agora.
A campainha tocou.
- Como... Como você sabia? – Ela praticamente acertou a hora em que seu acompanhante chegaria.
- Você disse que ele viria às sete. São sete em ponto. – Ela explicou e pareceu achar tudo muito óbvio. Eu não entendia como ela, Noah e quaisquer outras pessoas no planeta conseguiam seguir o relógio tão fielmente. Se alguém me dissesse que viria me buscar às sete eu provavelmente não acreditaria que seria exatamente sete.
- Ah.
Abri a porta e ela marchou para fora com cortesia demasiada.
- Boa noite, Delli. – Rosnou.
- Boa noite, Grizzo. – Noah respondeu com o mesmo afastamento. Nossa, isso porque eram colegas de curso. Então olhou para mim. A mesma expressão de espanto passou por sua face, mas ele carregava um certo humor com ela. – Você está magnífica.
Eu corei e Sofie soltou um som alto de desaprovação.
- Obrigada. Você também está bem elegante. – Sorri. Era verdade, estava usando uma roupa quase tão social quanto a de Sofie. Era um cara bonito.
- Gentileza a sua. Tem certeza de que não quer mesmo nos acompanhar?
- Não, tenho outros planos... – Tentei parecer desapontada por não poder ir, mas não sei se funcionou.
- Que pena. – Ele abaixou a cabeça como forma de cumprimento, muito antiquado por sinal e saiu acompanhado por Sofia.
- Mellanie, é você que está saindo? – Mamãe gritou do seu quarto. Custei a entender por causa do barulho do secador ligado que ela estava usando.
- Sim! – Resolvi mentir, não queria outra discussão. Já estava praticamente pronta mesmo, não acho que precisaria de mais coisas. Rebecca certamente discordaria, mas eu penso que estava bom desse jeito.
Joguei algumas coisas que poderia precisar dentro da bolsa pequena que eu havia comprado também esta tarde, borrifei um pouco de perfume e, mancando, saí de casa.
As poucas luzes que sobraram nos corredores já estavam acesas, deixando o lugar mal iluminado em relação à antes. Já estava escuro e eu não sabia aonde iria ou o que iria fazer até que Sam viesse me buscar. Resolvi esperá-lo na porta de sua casa antes que nos desencontrássemos.
As pessoas que passavam no corredor ficavam me encarando e se perguntando o que uma garota arrumada estava fazendo sentada nas escadas em frente à porta 601. Depois de um tempo, decidi bater.
Um Sam só de roupão me atendeu.
- Oi Mel! Já deu a hora? – Respirei em alívio quando percebi que ele já era ele mesmo. Eu estava conversando com a pessoa certa.
- Não... – Fiquei indecisa. – É que Sarah nos expulsou de casa antes... Não tenho onde ficar, será que posso entrar?
- Não precisava perguntar. – Ele abriu um pouco mais a porta que estava entreaberta porque, provavelmente, ele não queria aparecer no corredor vestindo um roupão branco. Entrei ainda mancando, ele observou meus movimentos. – Você está linda. – Sorriu e, desta vez, sem deboche.
- Obrigada. – Sorri em resposta. Sentei-me no sofá. Não havia nenhum sinal do Tosha, ele deveria estar em seu quarto mordendo um osso de plástico.
- Pode aguardar um minuto? Me visto rapidinho, estava distraído e esqueci da hora.
- Claro. – Dei de ombros. Não iria me fazer mal esperar um pouco.
- Se quiser, pode ver a novela mexicana. – Ele riu de mim e eu mostrei a língua. Estava demorando para começar a me zombar e, também, não sei qual era o problema em assistir novelas mexicanas. A maioria delas é bem trabalhada. Ele sumiu no corredor.
Olhei ao redor, a sala estava exatamente igual em relação ao tempo em que eu ficara ali mais cedo exceto pela bagunça em cima da escrivaninha. Claro que se essa bagunça concorresse com qualquer bagunça que havia no meu quarto perderia vergonhosamente, mas ainda assim era uma pequena bagunça. Vários papéis estavam jogados em cima da superfície plana de vidro, uns lápis estavam dispostos em cima das folhas e havia muito pó de borracha em todo lugar. Sam estivera escrevendo.
Aproximei-me um pouco, duvidei que fizesse mal se eu lesse algumas linhas. Eram vários papéis, não conseguiria ler tudo, mas não acho que ele se importaria se eu desse uma olhada...
Sem encostar-me em nada passei os olhos pelas primeiras palavras escritas na folha de cima. Em uma caligrafia bonita, mas forte, era legível:
(...) não poderia mais se conter. Ele cuidadosamente depositou os olhos sobre a carne dela espelhada pela luz da Lua. Era como se ela brilhasse a cada centímetro do corpo, como se fosse luz em essência, como se fosse o pingo de calmaria no oceano da amargura. Seus cabelos dourados balançavam com o vento de forma que se postava naquele local como um ser divino. Ela virou-se encantadoramente para encará-lo. Seus olhos tinham o poder de queimar-lhe, externamente e ainda até o fundo de sua alma, todavia ela não tinha a mínima idéia da força magistral que exercia sobre ele. Era inocente e doce, mas, sem querer, lhe causava uma dor grave.
Ele não conseguiria entender que não deveria tê-la, que não poderia. Por isso, não evitou a aproximação, porque sempre se achara forte o bastante para destruir quem precisasse, mas era fraco e incapaz de fugir de seus olhos. Fora capturado por onde menos esperava, quebrou as barreiras que nunca imaginara, derreteu o gelo de um lugar que há tempos congelara. Estava completamente viciado por ela.
Continua (...)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
36 comentários:
Estou amando...:D...
Esperando anciosamente o proximo....:)
Por favor, o próximo capitulo já!
Tô viciada nessa história.
to amando.
maiiis.... õ/
posta mais :~
awesome!!!!
quero mais!!!!!!!!!
xoxo
Jojo
AMEEEEEEEEEEEEEEEEI!
mais mais mais ><
MAIS MAIS MAIS MAIS!!!!!!!!!!!
Perfeito *-*
ñ tenho nem palavras para descrever... é perfeito!!!
Já estou morta de ansiedade para o próximo capítulo...
é muito viciante...
Sem exageros, se Inverso for lançado como livro, vira best seller!!!
Eu acho q a gnt podia fazer um movimento pra lançarem o livro!!!
OMG! Cara, tá demais, sem noção :O
Quero maaaaaaais :D
Continue assim, tá perfeito. ;*
Parabéns, essa história é maravilhosa. Li o seis capítulos em um dia. Fiquei fascinada. Tomara que vire livro logo!!
AAAAAAAAAAAAAA!!
Essa história tah maravilhosaa!!
Posta logo o restante do capitulo!!
Amei essa parte..
Q lindo isso q ele ecreveu.. deve estas flando dele msm.. hehe
Continuaaa
^^
perfect ;)
quer maaaiiss !!!!!!!!
D+...continue escrevendo garota, vc tem futuro...
é muito linda sua Historia espero q bombe...
Escreva mais estamos esperando...
bjuuuuuuuuuu
AMEEEEEI! Pelamordedeus posta maaaais!
nossa gnt adorei esse capitulo q lindo o q ele escreveuu
OMG!!!!! Soooooo good!!!
ele eh tao fofinho
na minha opiniao esse foi o cap mais lindo *o*
UUUUAU!
sempre lindo
ahhh esqueci de dizer q AMO esse livro e espero q seja publicadoo
:O que meiigo
♥
"Estava completamente viciado por ela."
e eu to completamente viciada no seu livro KKKKK
quero sempre mais
"Era inocente e doce, mas, sem querer, lhe causava uma dor grave. "
Tadinhooooooooooo! Fikei com dó mesmo :P
adorei a coisa da música, achei lindo.
beijos
amei, é demais essa história toda, espero que seja publicadaahh, flor
OMG! Cara, tá demais, sem noção :O
Quero maaaaaaais :D
Continue assim, tá perfeito. ;*
concordo
é muito lindo d_+
gosto qndo ele fica sensível e simpático com ela, acho tão lindo
Ele escreve tb, que fofoooooooo!
Não tem como mandar um desse por correio pra mim não?
♥
vivio!perigo,perigo
amei de mais é incrivel
entra no meu blog tambem tem uma hostoria so que a minha é baseada em fatos reais
http://confissoesdeumapds.blogspot.com/2010/04/ola-comecaremos-contar-agora-historia.html
MUITO lindo esse final, simplismente mais que amei!!1
"Estava completamente viciado por ela."
Aiii meu deus que lindooo
to amando *-*
Postar um comentário