domingo, 16 de agosto de 2009
Eu tinha duas opções. Eu poderia bater propositalmente a cabeça na parede ou esmurrar meu travesseiro. Escolhi, por motivos óbvios, a que menos doeria. O fato é que quando você está com raiva de si mesmo, a última coisa que deve fazer é se machucar porque, depois que voltar a si, vai ficar com mais raiva ainda de si mesmo por ter ficado com raiva e ter se machucado. Eu sou uma pessoa confusa, confesso.
O problema é que esmurrar o travesseiro não estava satisfazendo a minha vontade interior de destruir as coisas ao meu redor. E o que causara toda essa ira? O meu silêncio. Alguns dizem que, quando não há palavras, a melhor opção é o silêncio, mas esquecem que, muitas vezes, o silêncio tem poder destrutivo maior que o de qualquer palavra.
Eu estava tremendamente nervosa comigo mesma porque não consegui responder algo depois de uma frase linda dito por um cara que, eu estava relutando em admitir, me deixava louca. Eu estava ali, gritando palavras vazias contra meu travesseiro e estava me perguntando o que eu tinha de errado. Quero dizer, é claro que ele tinha o problema da dupla personalidade, temos as ameaças de morte, as invasões e o meu trauma com a palavra “amor”, certo, mas o que diabos havia de errado comigo?
Tudo bem, eu nunca fui piegas. Aliás, acho o sentimentalismo barato uma das piores coisas que existem. O importante é o que você sente, não o número de vezes que você liga em um dia para a pessoa dizendo que a ama. Como ela poderá saber, contudo, que você a ama, se você não consegue verbalizar o sentimento? Eu teria que dizer, teria que demonstrar, apenas uma vez e seria o bastante. Ele saberia como eu me sinto com relação a ele. Apenas uma vez...
- Grite mais alto se quiser que as pessoas no terraço te ouçam. – Sofia apareceu enfiando o rosto para dentro do meu quarto.
- Eu não me importo. – O aparecimento da minha irmã não diminuiu a raiva que eu sentia de mim mesma por não ter sido capaz de dizer o que eu queria dizer.
- Sarah vai se importar bastante quando você destruir o travesseiro.
Como se ela sequer fosse perceber o travesseiro. Ultimamente, ela estava cuidando da cobertura da chegada da tal Paola Lince, a modelo e designer de moda, na cidade. Isso significava que teria mais desculpas para se entulhar de trabalho e esquecer que o mundo ainda gira fora do escritório. Bem, pelo menos era a maneira que ela encontrara de fugir dos problemas. Eu não tinha nenhuma.
- Certo. – Eu disse a Sofie e parei de socar o objeto macio.
- Você não me pediu desculpas. – Ela falou muito formalmente e eu, ainda sentada na cama, mirei-a nos olhos.
- Pelo quê mesmo?
Isso a irritou, ao que pude perceber, ela achava bem óbvio o motivo que me levava a pedir-lhe desculpas.
- Você acha que ter atentado contra a minha vida não é o suficiente?
Era incrível a capacidade de Sofia de exagerar todo e qualquer episódio que passávamos de maneira que parecesse um drama grego.
- Poupe-me.
Ela arregalou os olhos por um momento, depois os estreitou com sagacidade.
- Você brigou com o Sam.
- Não.
- Brigou sim. Ou então ele brigou com você, quem quer uma namorada que quase te mata na primeira oportunidade que tem?
- Cale-se.
Ela ficou calada, ainda com o corpo colado no portal, mas então abriu a boca novamente:
- Nós não precisamos fazer isso, não é?
- O quê? – Eu não entendi o que ela quisera dizer.
- O tradicional fenômeno social da consolação. – Eu balancei a cabeça tentando entender e ela continuou. – Eu pergunto o que houve de errado, então você me conta, eu digo umas palavras bonitas, você chora, então temos aquele momento comovente e eu acabo te convencendo de que estamos atrasadas de novo para a escola. Podemos pular logo para a última parte, não acha?
- Estamos atrasadas de novo? – Eu pulei da cama e abri o meu guarda-roupa procurando algo para vestir.
Sofia suspirou em alívio.
- Foi o que pensei. Vou pegar minhas coisas. – Ela disse e então fechou a porta enquanto eu me vestia.
Era duro pensar que eu ainda teria que enfrentar as aulas mesmo me sentindo um lixo como eu estava sentindo, mas não há o que poderia ser feito. Às vezes você se sente tão desolada que gostaria que o mundo parasse, mas a verdade é que ele não pára. A vida continua queimando lá fora.
Não demorou muito tempo até chegarmos ao colégio, ainda conseguimos entrar na primeira aula e chegarmos a tempo. Sarah não pôde nos levar, então não poderia reclamar do nosso quase atraso. A única pessoa que, contudo, achou um absurdo foi a Petry.
- Já coloquei sua saída do grêmio em votação. – Ela me avisou sorridente assim que eu cheguei. Tamanha hipocrisia conseguia me irritar nas primeiras horas da manhã.
- Coloque seu nariz em votação. – Não estava com paciência para pensar em uma resposta no mínimo educada diante desse desaforo. Ela estava fazendo isso somente para estragar meu dia, que já estava estragado.
- O que tem de errado com o meu nariz? – Ela arregalou os olhos e tocou o nariz com as mãos. Era muito preocupada com a estética.
- É seu. – respondi sem mais delongas e dei as costas.
Eu concordo que não é bonito tratar as pessoas assim, por mais que elas mereçam. O problema é que era demais me pedir paciência para tolerar as alfinetadas da Patrícia naquele dia em que eu já estava enfurecida com ela, com o mundo e comigo mesma. Afinal, que tipo de pessoa fria e sem coração ouve um “Eu sou seu” do cara que ama e não diz nada?
Rebecca estava com a razão em certos pontos: por que raios eu estava relutando em admitir que amo aquele ser perigoso e de humor negro que é o Sam? Do que eu tinha medo? De ele me dizer que não me ama de volta? Mas o que isso faria diferença no que eu sinto? Quero dizer, mesmo que ele não me ame, eu ainda o amaria. Amaria profunda e dolorosamente. Era uma rua sem volta.
Era isso, era disso que eu estava com medo. Não havia mais como lutar ou me esconder. Ele me prendeu. Prendera sem piedade e sem juízo e eu não poderia mais pensar por mim, aquela porcaria de amor estava me mudando. Ao lado dele, eu não estava mais no controle nem da situação, nem de mim mesma. A verdade é que eu era dele, estava ao comando dele e não sabia o que aconteceria se ele me faltasse... Provavelmente ficaria somente os pedaços. E eu não queria pensar nisso.
Então para quê eu estava tentando visualizar um futuro? Será que tal coisa é normal entre as garotas da minha idade? Eu estava tentando saber o que aconteceria daqui para frente, mas o futuro era muito obscuro, havia muitas variáveis. Condições e situações que poderiam mudar tudo a qualquer momento e a instabilidade me assusta. Só que, pensei comigo mesma, o que o futuro influencia no que estou sentindo agora?
Percebi que não importaria, pelo menos para mim, se não houvesse amanhã, se eu não vivesse mais um dia para contemplar a luz do sol, se eu não pudesse suspirar por mais um momento sequer. O instante seguinte é insignificante demais diante do que sinto agora. E o que eu sinto hoje é o medo, a excitação, a dor sem a ferida, o vazio preenchido, o amor. Então eu diria, diria hoje, o amanhã era outra história...
- O que há de errado com a Mel?
- Não tem nada errado com ela. – Rebecca respondeu ao Lean um pouco impaciente.
Ao que me parece, não era somente eu que estava com o dilema do “dizer ou não dizer?”. Nossas situações eram diferentes e, ao mesmo tempo, parecidas. A diferença é que ela não costumava gostar do Lean tanto assim. Isso a estava enlouquecendo.
- Estou bem. – Respondi sorrindo ao Lean que, pelo visto, me considerava sua irmãzinha mais nova.
- Ótimo. Prove meus bolinhos. – Ele sorriu com os dentes brilhantes e me ofereceu uma cesta cheia de coisas que não pareciam bolinhos.
- De novo com isso? – Rebecca perguntou um pouco irritada, era claro para mim que ela estava tentando ser mal educada como era antes, mas não adianta, Rebecca, águas passadas não voltam jamais.
- Esses ficaram melhores que os primeiros.
- Cientificamente improvável. – Sofie apareceu do nada jogando uma pilha de livros sobre a mesinha debaixo da árvore, em que estávamos.
- Como pode isso? – Ele perguntou um pouco desapontado.
- Seus talentos para culinária são ínfimos. – Ela respondeu enquanto se sentava formalmente ao lado da Rebecca. - Sugiro que tente pintura.
- Ou futebol... – Rebecca respondeu baixinho e corou bastante quando eu a encarei.
- Faz tempo que Sofie não nos acompanha no intervalo. – Lean constatou com entusiasmo, também gostava muito da presença da minha irmã.
- Tenho estado muito ocupada.
- Com o quê? – Rebecca perguntou interessada.
- Coisas que você não iria entender.
- Sofia! – Eu exclamei alto. Essa menina estava passando dos limites.
- Ela está certa, Mel, eu não entenderia se ela explicasse. – Rebecca disse sem ressentimentos. – Eu não sou o que se pode chamar de pessoa inteligente.
- Também estou ocupada com o Noah. – Sofia acrescentou.
- Hum. – Rebecca pareceu ter enchido a mente de pensamentos indecentes. – Que tipo de ocupação?
- Nada do que você está pensando.
- Como sabe o que eu estou pensando? – Ela ficou um pouco surpresa.
- 89% de chances de estar pensando que minha ocupação com o Noah inclui contato íntimo pessoal.
- Essa menina deveria jogar na loteria. Ganharia com certeza.
- Mais provável ser atingida acidentalmente por um raio. – Ela deu de ombros.
- Com o quê estão ocupados então? – Eu perguntei. Não me agradava essa história de que eles viviam conversando pelo computador ou pelo telefone, além de, é claro, passarem grande parte da noite juntos no centro de pesquisas.
- Estamos quase concluindo o projeto.
- Então ficam ocupados estudando? – Rebecca indagou.
- Noah tenta fazer alguma coisa e eu tento me certificar de que ele está fazendo direito. Não sei como aquele cérebro de grão de bico passou no concurso.
- Ela parece não gostar muito dele. – Rebecca disse baixinho para que eu pudesse ouvir.
- É que está com ciúmes de alguém que aparenta ser mais inteligente que ela mesma.
- O que as duas estão cochichando aí? – Lean perguntou e levantou o pescoço.
- Largue de ser curioso. – A loira respondeu impaciente e saiu da mesa.
- O que deu nela? – Ele me perguntou um pouco assustado.
- TPM.
- É sempre essa desculpa. – Ele levantou-se preocupado.
Rebecca estava completamente confusa.
Eu estava decidida. Mesmo que ainda sentisse insegurança e medo, eu estava decidida. Uma hora eu teria que dizer e não havia motivos para adiar este acontecimento, visto que era verdade no tempo presente. Era no que eu estava tentando pensar enquanto estava deitada no sofá da sala com a televisão ligada, mas sem, realmente, prestar atenção em uma palavra do que estavam dizendo.
Eu tivera coragem para dirigir um carro por múltiplas avenidas movimentadas, por que não teria coragem de dizer que amo uma pessoa que, irremediavelmente, amo? Bom, a parte do automóvel parecia bem mais fácil agora.
Senti que precisava de ajuda, não para comunicar o que eu queria, é claro, mas para não me deixar desistir na última hora. Olhei para a sacada e percebi que a noite estava chegando, então o momento estava próximo. Eu precisaria da minha melhor amiga.
- Oi Melzinha! Estava mesmo pensando em te ligar, estou naquela loja de cosméticos que adoro e tem uma coleção de batons na promoção, que cor você quer? – Ela gritou bem animada no celular assim que viu meu nome no identificador de chamadas. O lugar estava muito barulhento.
- Não precisa comprar um batom pra mim, eu nem uso batom. – Não queria que ela se incomodasse a esse ponto.
- Que nada! Está tão barato que você vai até querer começar a usar! Qual cor você prefere? Tem vermelho intenso, marrom bombom, rosa chiclete...
- Hm... Pegue o menos destacado.
- Aconteceu alguma coisa? Você parece ansiosa. Um minuto mãe! – Ouvi o grito de longe e percebi que o barulho do lugar diminuiu, ela provavelmente encontrara um canto mais sossegado.
- Não aconteceu nada de mais, eu só precisava falar com você, te contar que decidi falar aquilo...
- Pro Sam? – Ela deu um gritinho de felicidade. – Que bom, amiga! Vai dar tudo certo! Quando você vai falar?
Contemplei meu relógio de pulso por dois segundos e percebi que estava quase na hora usual.
- Daqui a pouco, acho...
- Sem essa incerteza na voz! Nem pense em desistir.
- Certo.
- Estou falando sério!
- Eu sei, Becca. – Sorri contente pensando no quanto tinha uma amizade valiosa.
- Tenho que ir... Levo seu batom amanhã!
- Tudo bem.
- Não desista. – Ela disse antes de desligar.
A ligação não me deixou cem por cento segura, mas pelo menos me ajudou a não desistir quando ouvi “The Final Countdown” sendo lindamente tocada no violoncelo no andar superior.
Rapidamente passei o simples plano pela cabeça novamente. Eu subiria, esperaria ter certeza de que era o Sam certo, bateria na porta, entraria e diria que o amo. Não há motivo para a ansiedade... Então por que minhas pernas estão tremendo?
Ignorei totalmente esse detalhe e executei meu plano com exatidão. Cheguei ao apartamento e contemplei a porta por alguns minutos após perceber a finalização da música. Fiquei um pouco indecisa quanto à hora de bater, mas, agora que eu já estava ali, não havia como voltar atrás. Se o Sam resolvesse sair, pular a sacada, chegar ao meu apartamento e perceber que eu não estava lá, era capaz de atacar a primeira pessoa que visse no corredor.
A culpa era minha que não avisara sobre a visita, mas eu não tinha resolvido ainda nada até ontem quando nos despedimos. O jeito era bater o mais rápido possível, antes que ele saísse do apartamento pela sacada, mas minha mão conseguia se movimentar?
A porta abriu-se violentamente e Sam contemplou meus olhos arregalados e a expressão assustada.
- Mel! O que você...?
- Eu... – Nesse momento eu já havia perdido completamente a linha reta de pensamento. Algumas palavras aleatórias apareceram na minha cabeça e eu não tinha plena certeza de que fariam sentido. – Aqui... Corredor... Sorvete?
Se a face dele já estava preocupada antes, ao abrir a porta bruscamente e me ver parada lá, agora que o desespero surgiu mesmo em sua face. Ele abaixou-se um pouco para fitar-me com uma preocupação visível.
- Fizeram alguma coisa com você? Ouvi um barulho constante próximo à minha porta...
Uau. Ele deve ter ouvido o barulho da minha respiração descompassada, só se for. Que tipo de pessoa escuta o que acontece do lado de fora de sua casa? Eu mal fiz barulho.
- Eu...
Não sabia o que falar. Essa era a verdade. É claro que eu estivera me preparando a tarde inteira, tinha um plano traçado em minha mente, mas eu estava esperando estar completamente pronta para bater na porta. O susto de vê-lo ali sem que eu batesse me deixou completamente desorientada.
Ele colocou as mãos nas minhas bochechas, segurou meu rosto e olhei profundamente seus olhos preocupados. Eu sabia que ele estava se perguntando o que me deixara assim aflita e, como era quase tão paranóico quanto a irmã que escondera de mim, certamente estava pensando que eu havia sido atacada.
- O que houve?
- Nada de mais. – Finalmente falei.
Eu me sentira uma idiota por ter perdido completamente o raciocínio, assim, repentinamente. Era esse o meu medo em dizer a palavra de 4 letras mais profunda que existe. O amor estava me deixando boba, fraca e desestruturada e eu nunca me sentira assim antes.
- Por que está tão assustada?
- Você também está assustado.
- Estou preocupado. – Ele pareceu ficar mais calmo depois que eu comecei a falar coisas que faziam sentido.
- Não aconteceu nada.
- Eu estava indo te ver...
- Quis te chamar pra sair, quero te dizer algo importante. – Eu respirei fundo e tentei sorrir.
De repente, eu não parecia tão mais assustada ou medrosa. Ele tinha um efeito caloroso e acolhedor sobre mim de maneira que as coisas não pareciam tão mais tão complicadas. Sua presença estava começando a fazer efeito...
- Grave? – Ele perguntou ainda preocupado.
- Não, só importante. – Pelo menos para mim, pensei.
- Certo. – Ele sorriu feliz por uns segundos e endireitou o corpo. – Vou vestir algo mais legal então, entre.
Eu não achava que ele poderia ficar mais legal do que com aquele terno perto e bem arrumadinho, era a roupa que sua outra personalidade usava para tocar o violoncelo. Esse Sam, ao contrário, não apreciava muito roupas formais, preferia calça jeans e camiseta, roupa a qual, também ficava anormalmente perfeito quando vestia.
Entrei no apartamento já conhecido e acariciei Tosha deitado no tapete da sala durante alguns segundos. Ele abanou o rabo peludo e suspirou de felicidade. Planejei sentar no sofá enquanto esperava Sam se trocar, mas percebi que novas folhas estavam largadas em cima da escrivaninha no canto do cômodo. Minha curiosidade foi maior.
O miserável escritor já estava infectado pelo veneno dela. Veneno tão raivoso que lhe rasgava as entranhas e ardia sem dor. Chama impiedosa que cobriu-lhe de penúria. Era o infinito finito do pesar.
E a doce literatura, grande companhia em seus dias de solidão da alma, não conseguiu, não mais, preencher o vazio indócil e neutralizar o desejo arrebatador dos lábios carnudos e venenosos outra vez.
E ele, pobre mortal mergulhado em asco e amargura, não foi mais capaz de exprimir, por meio de palavras, as sensações embriagantes que sentiu em sua presença. Palavras eram insuficientes, apenas letras miúdas e insossas diante daquela que competia com o brilho da lua.
De todas as criaturas míticas que ele jamais ouvira falar, ela era a mais deslumbrante. Noturna, venenosa, sereia. E, apesar do poder de ludibriar os fracos com o doce aroma de amora, carregava consigo a chave das almas que divagavam em sonhos buscando tocá-la.
O acre escritor estava infectado, não morrera, nem mais vivia. Estava apenas completamente amarrado ao perfume dela. Prisão que palavras eram incapazes de descrever...
Era o que estava escrito na folha de cima. Um texto tão bonito que me arrepiou profundamente. Era difícil de acreditar que alguém que se apresentava tão frio, pudesse ter tanto dom com as palavras.
Como da outra vez, tentei não esbarrar em nada para que ele não soubesse que eu não resisti ao invadir sua privacidade. Estava claro que ele valorizava demais sua literatura e eu gostara tanto, da outra vez, que não pude me conter em aproveitar sua ausência para ler mais algumas palavras.
Nesse momento, senti algo roçando minhas pernas. Tosha havia saído do lugar onde estivera nos últimos cinco minutos e viera atrás de mim, com o susto, me desequilibrei e tive o impulso de segurar na mesa espalhando alguns papéis pelo chão.
Comecei a recolher os papéis que deixara cair com um pouco de pressa, visto que não era provável que Sam demorasse muito para trocar de roupa. Tentei colocar tudo lá em cima da maneira como estava antes, mas a rapidez e o desespero me fizeram bagunçar ainda mais tudo o que estava em cima da escrivaninha.
É claro que ele iria perceber que eu li e seria muita cara-de-pau negar ou inventar uma desculpa, então comecei a pensar em uma maneira de dizer que foi apenas curiosidade, que eu não quisera invadir nenhum espaço reservado. Achei que ele não se importaria tanto se eu elogiasse também, talvez pudesse até me contar mais sobre a história.
Meus pensamentos profundos sobre como explicaria a Sam a minha indelicadeza de mexer em suas coisas quando ele não estava olhando foram interrompidos por uma foto de uma pessoa conhecida. Debaixo de todos os papéis que antes estavam sobre o móvel, estavam diversas fotos e, quando eu os mexi para tentar organizar, deixei uma delas descobertas.
Sofie estava carregando sua pasta preta na imagem, mas não olhava direto para a câmera, ao contrário, parecia nem saber que estava sendo fotografada. Em diversas outras fotos, ela também estava lá, desempenhando atividades e faces diversas, sem idéia de que estava sendo vigiada. Vasculhei por mais algumas fotos e me encontrei, às vezes com a Rebecca, às vezes com a minha irmã. Perto da estação de metrô, atravessando a rua, buscando sorvete na esquina, entrando no carro de Sarah.
Enruguei as sobrancelhas em sinal de confusão. Não entendia porque estávamos lá, Sofie, Sarah e eu, com amigos e desconhecidos; perto e longe de casa; cada olhada, cada expressão, cada sinal, estava tudo lá. Além da confusão, o desespero e algumas lágrimas brotaram em minha face quando percebi o pior dos detalhes: havia datas nas fotos, datas de meses atrás. As fotos não mentem jamais.
Fim do capítulo 9.
O problema é que esmurrar o travesseiro não estava satisfazendo a minha vontade interior de destruir as coisas ao meu redor. E o que causara toda essa ira? O meu silêncio. Alguns dizem que, quando não há palavras, a melhor opção é o silêncio, mas esquecem que, muitas vezes, o silêncio tem poder destrutivo maior que o de qualquer palavra.
Eu estava tremendamente nervosa comigo mesma porque não consegui responder algo depois de uma frase linda dito por um cara que, eu estava relutando em admitir, me deixava louca. Eu estava ali, gritando palavras vazias contra meu travesseiro e estava me perguntando o que eu tinha de errado. Quero dizer, é claro que ele tinha o problema da dupla personalidade, temos as ameaças de morte, as invasões e o meu trauma com a palavra “amor”, certo, mas o que diabos havia de errado comigo?
Tudo bem, eu nunca fui piegas. Aliás, acho o sentimentalismo barato uma das piores coisas que existem. O importante é o que você sente, não o número de vezes que você liga em um dia para a pessoa dizendo que a ama. Como ela poderá saber, contudo, que você a ama, se você não consegue verbalizar o sentimento? Eu teria que dizer, teria que demonstrar, apenas uma vez e seria o bastante. Ele saberia como eu me sinto com relação a ele. Apenas uma vez...
- Grite mais alto se quiser que as pessoas no terraço te ouçam. – Sofia apareceu enfiando o rosto para dentro do meu quarto.
- Eu não me importo. – O aparecimento da minha irmã não diminuiu a raiva que eu sentia de mim mesma por não ter sido capaz de dizer o que eu queria dizer.
- Sarah vai se importar bastante quando você destruir o travesseiro.
Como se ela sequer fosse perceber o travesseiro. Ultimamente, ela estava cuidando da cobertura da chegada da tal Paola Lince, a modelo e designer de moda, na cidade. Isso significava que teria mais desculpas para se entulhar de trabalho e esquecer que o mundo ainda gira fora do escritório. Bem, pelo menos era a maneira que ela encontrara de fugir dos problemas. Eu não tinha nenhuma.
- Certo. – Eu disse a Sofie e parei de socar o objeto macio.
- Você não me pediu desculpas. – Ela falou muito formalmente e eu, ainda sentada na cama, mirei-a nos olhos.
- Pelo quê mesmo?
Isso a irritou, ao que pude perceber, ela achava bem óbvio o motivo que me levava a pedir-lhe desculpas.
- Você acha que ter atentado contra a minha vida não é o suficiente?
Era incrível a capacidade de Sofia de exagerar todo e qualquer episódio que passávamos de maneira que parecesse um drama grego.
- Poupe-me.
Ela arregalou os olhos por um momento, depois os estreitou com sagacidade.
- Você brigou com o Sam.
- Não.
- Brigou sim. Ou então ele brigou com você, quem quer uma namorada que quase te mata na primeira oportunidade que tem?
- Cale-se.
Ela ficou calada, ainda com o corpo colado no portal, mas então abriu a boca novamente:
- Nós não precisamos fazer isso, não é?
- O quê? – Eu não entendi o que ela quisera dizer.
- O tradicional fenômeno social da consolação. – Eu balancei a cabeça tentando entender e ela continuou. – Eu pergunto o que houve de errado, então você me conta, eu digo umas palavras bonitas, você chora, então temos aquele momento comovente e eu acabo te convencendo de que estamos atrasadas de novo para a escola. Podemos pular logo para a última parte, não acha?
- Estamos atrasadas de novo? – Eu pulei da cama e abri o meu guarda-roupa procurando algo para vestir.
Sofia suspirou em alívio.
- Foi o que pensei. Vou pegar minhas coisas. – Ela disse e então fechou a porta enquanto eu me vestia.
Era duro pensar que eu ainda teria que enfrentar as aulas mesmo me sentindo um lixo como eu estava sentindo, mas não há o que poderia ser feito. Às vezes você se sente tão desolada que gostaria que o mundo parasse, mas a verdade é que ele não pára. A vida continua queimando lá fora.
Não demorou muito tempo até chegarmos ao colégio, ainda conseguimos entrar na primeira aula e chegarmos a tempo. Sarah não pôde nos levar, então não poderia reclamar do nosso quase atraso. A única pessoa que, contudo, achou um absurdo foi a Petry.
- Já coloquei sua saída do grêmio em votação. – Ela me avisou sorridente assim que eu cheguei. Tamanha hipocrisia conseguia me irritar nas primeiras horas da manhã.
- Coloque seu nariz em votação. – Não estava com paciência para pensar em uma resposta no mínimo educada diante desse desaforo. Ela estava fazendo isso somente para estragar meu dia, que já estava estragado.
- O que tem de errado com o meu nariz? – Ela arregalou os olhos e tocou o nariz com as mãos. Era muito preocupada com a estética.
- É seu. – respondi sem mais delongas e dei as costas.
Eu concordo que não é bonito tratar as pessoas assim, por mais que elas mereçam. O problema é que era demais me pedir paciência para tolerar as alfinetadas da Patrícia naquele dia em que eu já estava enfurecida com ela, com o mundo e comigo mesma. Afinal, que tipo de pessoa fria e sem coração ouve um “Eu sou seu” do cara que ama e não diz nada?
Rebecca estava com a razão em certos pontos: por que raios eu estava relutando em admitir que amo aquele ser perigoso e de humor negro que é o Sam? Do que eu tinha medo? De ele me dizer que não me ama de volta? Mas o que isso faria diferença no que eu sinto? Quero dizer, mesmo que ele não me ame, eu ainda o amaria. Amaria profunda e dolorosamente. Era uma rua sem volta.
Era isso, era disso que eu estava com medo. Não havia mais como lutar ou me esconder. Ele me prendeu. Prendera sem piedade e sem juízo e eu não poderia mais pensar por mim, aquela porcaria de amor estava me mudando. Ao lado dele, eu não estava mais no controle nem da situação, nem de mim mesma. A verdade é que eu era dele, estava ao comando dele e não sabia o que aconteceria se ele me faltasse... Provavelmente ficaria somente os pedaços. E eu não queria pensar nisso.
Então para quê eu estava tentando visualizar um futuro? Será que tal coisa é normal entre as garotas da minha idade? Eu estava tentando saber o que aconteceria daqui para frente, mas o futuro era muito obscuro, havia muitas variáveis. Condições e situações que poderiam mudar tudo a qualquer momento e a instabilidade me assusta. Só que, pensei comigo mesma, o que o futuro influencia no que estou sentindo agora?
Percebi que não importaria, pelo menos para mim, se não houvesse amanhã, se eu não vivesse mais um dia para contemplar a luz do sol, se eu não pudesse suspirar por mais um momento sequer. O instante seguinte é insignificante demais diante do que sinto agora. E o que eu sinto hoje é o medo, a excitação, a dor sem a ferida, o vazio preenchido, o amor. Então eu diria, diria hoje, o amanhã era outra história...
- O que há de errado com a Mel?
- Não tem nada errado com ela. – Rebecca respondeu ao Lean um pouco impaciente.
Ao que me parece, não era somente eu que estava com o dilema do “dizer ou não dizer?”. Nossas situações eram diferentes e, ao mesmo tempo, parecidas. A diferença é que ela não costumava gostar do Lean tanto assim. Isso a estava enlouquecendo.
- Estou bem. – Respondi sorrindo ao Lean que, pelo visto, me considerava sua irmãzinha mais nova.
- Ótimo. Prove meus bolinhos. – Ele sorriu com os dentes brilhantes e me ofereceu uma cesta cheia de coisas que não pareciam bolinhos.
- De novo com isso? – Rebecca perguntou um pouco irritada, era claro para mim que ela estava tentando ser mal educada como era antes, mas não adianta, Rebecca, águas passadas não voltam jamais.
- Esses ficaram melhores que os primeiros.
- Cientificamente improvável. – Sofie apareceu do nada jogando uma pilha de livros sobre a mesinha debaixo da árvore, em que estávamos.
- Como pode isso? – Ele perguntou um pouco desapontado.
- Seus talentos para culinária são ínfimos. – Ela respondeu enquanto se sentava formalmente ao lado da Rebecca. - Sugiro que tente pintura.
- Ou futebol... – Rebecca respondeu baixinho e corou bastante quando eu a encarei.
- Faz tempo que Sofie não nos acompanha no intervalo. – Lean constatou com entusiasmo, também gostava muito da presença da minha irmã.
- Tenho estado muito ocupada.
- Com o quê? – Rebecca perguntou interessada.
- Coisas que você não iria entender.
- Sofia! – Eu exclamei alto. Essa menina estava passando dos limites.
- Ela está certa, Mel, eu não entenderia se ela explicasse. – Rebecca disse sem ressentimentos. – Eu não sou o que se pode chamar de pessoa inteligente.
- Também estou ocupada com o Noah. – Sofia acrescentou.
- Hum. – Rebecca pareceu ter enchido a mente de pensamentos indecentes. – Que tipo de ocupação?
- Nada do que você está pensando.
- Como sabe o que eu estou pensando? – Ela ficou um pouco surpresa.
- 89% de chances de estar pensando que minha ocupação com o Noah inclui contato íntimo pessoal.
- Essa menina deveria jogar na loteria. Ganharia com certeza.
- Mais provável ser atingida acidentalmente por um raio. – Ela deu de ombros.
- Com o quê estão ocupados então? – Eu perguntei. Não me agradava essa história de que eles viviam conversando pelo computador ou pelo telefone, além de, é claro, passarem grande parte da noite juntos no centro de pesquisas.
- Estamos quase concluindo o projeto.
- Então ficam ocupados estudando? – Rebecca indagou.
- Noah tenta fazer alguma coisa e eu tento me certificar de que ele está fazendo direito. Não sei como aquele cérebro de grão de bico passou no concurso.
- Ela parece não gostar muito dele. – Rebecca disse baixinho para que eu pudesse ouvir.
- É que está com ciúmes de alguém que aparenta ser mais inteligente que ela mesma.
- O que as duas estão cochichando aí? – Lean perguntou e levantou o pescoço.
- Largue de ser curioso. – A loira respondeu impaciente e saiu da mesa.
- O que deu nela? – Ele me perguntou um pouco assustado.
- TPM.
- É sempre essa desculpa. – Ele levantou-se preocupado.
Rebecca estava completamente confusa.
Eu estava decidida. Mesmo que ainda sentisse insegurança e medo, eu estava decidida. Uma hora eu teria que dizer e não havia motivos para adiar este acontecimento, visto que era verdade no tempo presente. Era no que eu estava tentando pensar enquanto estava deitada no sofá da sala com a televisão ligada, mas sem, realmente, prestar atenção em uma palavra do que estavam dizendo.
Eu tivera coragem para dirigir um carro por múltiplas avenidas movimentadas, por que não teria coragem de dizer que amo uma pessoa que, irremediavelmente, amo? Bom, a parte do automóvel parecia bem mais fácil agora.
Senti que precisava de ajuda, não para comunicar o que eu queria, é claro, mas para não me deixar desistir na última hora. Olhei para a sacada e percebi que a noite estava chegando, então o momento estava próximo. Eu precisaria da minha melhor amiga.
- Oi Melzinha! Estava mesmo pensando em te ligar, estou naquela loja de cosméticos que adoro e tem uma coleção de batons na promoção, que cor você quer? – Ela gritou bem animada no celular assim que viu meu nome no identificador de chamadas. O lugar estava muito barulhento.
- Não precisa comprar um batom pra mim, eu nem uso batom. – Não queria que ela se incomodasse a esse ponto.
- Que nada! Está tão barato que você vai até querer começar a usar! Qual cor você prefere? Tem vermelho intenso, marrom bombom, rosa chiclete...
- Hm... Pegue o menos destacado.
- Aconteceu alguma coisa? Você parece ansiosa. Um minuto mãe! – Ouvi o grito de longe e percebi que o barulho do lugar diminuiu, ela provavelmente encontrara um canto mais sossegado.
- Não aconteceu nada de mais, eu só precisava falar com você, te contar que decidi falar aquilo...
- Pro Sam? – Ela deu um gritinho de felicidade. – Que bom, amiga! Vai dar tudo certo! Quando você vai falar?
Contemplei meu relógio de pulso por dois segundos e percebi que estava quase na hora usual.
- Daqui a pouco, acho...
- Sem essa incerteza na voz! Nem pense em desistir.
- Certo.
- Estou falando sério!
- Eu sei, Becca. – Sorri contente pensando no quanto tinha uma amizade valiosa.
- Tenho que ir... Levo seu batom amanhã!
- Tudo bem.
- Não desista. – Ela disse antes de desligar.
A ligação não me deixou cem por cento segura, mas pelo menos me ajudou a não desistir quando ouvi “The Final Countdown” sendo lindamente tocada no violoncelo no andar superior.
Rapidamente passei o simples plano pela cabeça novamente. Eu subiria, esperaria ter certeza de que era o Sam certo, bateria na porta, entraria e diria que o amo. Não há motivo para a ansiedade... Então por que minhas pernas estão tremendo?
Ignorei totalmente esse detalhe e executei meu plano com exatidão. Cheguei ao apartamento e contemplei a porta por alguns minutos após perceber a finalização da música. Fiquei um pouco indecisa quanto à hora de bater, mas, agora que eu já estava ali, não havia como voltar atrás. Se o Sam resolvesse sair, pular a sacada, chegar ao meu apartamento e perceber que eu não estava lá, era capaz de atacar a primeira pessoa que visse no corredor.
A culpa era minha que não avisara sobre a visita, mas eu não tinha resolvido ainda nada até ontem quando nos despedimos. O jeito era bater o mais rápido possível, antes que ele saísse do apartamento pela sacada, mas minha mão conseguia se movimentar?
A porta abriu-se violentamente e Sam contemplou meus olhos arregalados e a expressão assustada.
- Mel! O que você...?
- Eu... – Nesse momento eu já havia perdido completamente a linha reta de pensamento. Algumas palavras aleatórias apareceram na minha cabeça e eu não tinha plena certeza de que fariam sentido. – Aqui... Corredor... Sorvete?
Se a face dele já estava preocupada antes, ao abrir a porta bruscamente e me ver parada lá, agora que o desespero surgiu mesmo em sua face. Ele abaixou-se um pouco para fitar-me com uma preocupação visível.
- Fizeram alguma coisa com você? Ouvi um barulho constante próximo à minha porta...
Uau. Ele deve ter ouvido o barulho da minha respiração descompassada, só se for. Que tipo de pessoa escuta o que acontece do lado de fora de sua casa? Eu mal fiz barulho.
- Eu...
Não sabia o que falar. Essa era a verdade. É claro que eu estivera me preparando a tarde inteira, tinha um plano traçado em minha mente, mas eu estava esperando estar completamente pronta para bater na porta. O susto de vê-lo ali sem que eu batesse me deixou completamente desorientada.
Ele colocou as mãos nas minhas bochechas, segurou meu rosto e olhei profundamente seus olhos preocupados. Eu sabia que ele estava se perguntando o que me deixara assim aflita e, como era quase tão paranóico quanto a irmã que escondera de mim, certamente estava pensando que eu havia sido atacada.
- O que houve?
- Nada de mais. – Finalmente falei.
Eu me sentira uma idiota por ter perdido completamente o raciocínio, assim, repentinamente. Era esse o meu medo em dizer a palavra de 4 letras mais profunda que existe. O amor estava me deixando boba, fraca e desestruturada e eu nunca me sentira assim antes.
- Por que está tão assustada?
- Você também está assustado.
- Estou preocupado. – Ele pareceu ficar mais calmo depois que eu comecei a falar coisas que faziam sentido.
- Não aconteceu nada.
- Eu estava indo te ver...
- Quis te chamar pra sair, quero te dizer algo importante. – Eu respirei fundo e tentei sorrir.
De repente, eu não parecia tão mais assustada ou medrosa. Ele tinha um efeito caloroso e acolhedor sobre mim de maneira que as coisas não pareciam tão mais tão complicadas. Sua presença estava começando a fazer efeito...
- Grave? – Ele perguntou ainda preocupado.
- Não, só importante. – Pelo menos para mim, pensei.
- Certo. – Ele sorriu feliz por uns segundos e endireitou o corpo. – Vou vestir algo mais legal então, entre.
Eu não achava que ele poderia ficar mais legal do que com aquele terno perto e bem arrumadinho, era a roupa que sua outra personalidade usava para tocar o violoncelo. Esse Sam, ao contrário, não apreciava muito roupas formais, preferia calça jeans e camiseta, roupa a qual, também ficava anormalmente perfeito quando vestia.
Entrei no apartamento já conhecido e acariciei Tosha deitado no tapete da sala durante alguns segundos. Ele abanou o rabo peludo e suspirou de felicidade. Planejei sentar no sofá enquanto esperava Sam se trocar, mas percebi que novas folhas estavam largadas em cima da escrivaninha no canto do cômodo. Minha curiosidade foi maior.
O miserável escritor já estava infectado pelo veneno dela. Veneno tão raivoso que lhe rasgava as entranhas e ardia sem dor. Chama impiedosa que cobriu-lhe de penúria. Era o infinito finito do pesar.
E a doce literatura, grande companhia em seus dias de solidão da alma, não conseguiu, não mais, preencher o vazio indócil e neutralizar o desejo arrebatador dos lábios carnudos e venenosos outra vez.
E ele, pobre mortal mergulhado em asco e amargura, não foi mais capaz de exprimir, por meio de palavras, as sensações embriagantes que sentiu em sua presença. Palavras eram insuficientes, apenas letras miúdas e insossas diante daquela que competia com o brilho da lua.
De todas as criaturas míticas que ele jamais ouvira falar, ela era a mais deslumbrante. Noturna, venenosa, sereia. E, apesar do poder de ludibriar os fracos com o doce aroma de amora, carregava consigo a chave das almas que divagavam em sonhos buscando tocá-la.
O acre escritor estava infectado, não morrera, nem mais vivia. Estava apenas completamente amarrado ao perfume dela. Prisão que palavras eram incapazes de descrever...
Era o que estava escrito na folha de cima. Um texto tão bonito que me arrepiou profundamente. Era difícil de acreditar que alguém que se apresentava tão frio, pudesse ter tanto dom com as palavras.
Como da outra vez, tentei não esbarrar em nada para que ele não soubesse que eu não resisti ao invadir sua privacidade. Estava claro que ele valorizava demais sua literatura e eu gostara tanto, da outra vez, que não pude me conter em aproveitar sua ausência para ler mais algumas palavras.
Nesse momento, senti algo roçando minhas pernas. Tosha havia saído do lugar onde estivera nos últimos cinco minutos e viera atrás de mim, com o susto, me desequilibrei e tive o impulso de segurar na mesa espalhando alguns papéis pelo chão.
Comecei a recolher os papéis que deixara cair com um pouco de pressa, visto que não era provável que Sam demorasse muito para trocar de roupa. Tentei colocar tudo lá em cima da maneira como estava antes, mas a rapidez e o desespero me fizeram bagunçar ainda mais tudo o que estava em cima da escrivaninha.
É claro que ele iria perceber que eu li e seria muita cara-de-pau negar ou inventar uma desculpa, então comecei a pensar em uma maneira de dizer que foi apenas curiosidade, que eu não quisera invadir nenhum espaço reservado. Achei que ele não se importaria tanto se eu elogiasse também, talvez pudesse até me contar mais sobre a história.
Meus pensamentos profundos sobre como explicaria a Sam a minha indelicadeza de mexer em suas coisas quando ele não estava olhando foram interrompidos por uma foto de uma pessoa conhecida. Debaixo de todos os papéis que antes estavam sobre o móvel, estavam diversas fotos e, quando eu os mexi para tentar organizar, deixei uma delas descobertas.
Sofie estava carregando sua pasta preta na imagem, mas não olhava direto para a câmera, ao contrário, parecia nem saber que estava sendo fotografada. Em diversas outras fotos, ela também estava lá, desempenhando atividades e faces diversas, sem idéia de que estava sendo vigiada. Vasculhei por mais algumas fotos e me encontrei, às vezes com a Rebecca, às vezes com a minha irmã. Perto da estação de metrô, atravessando a rua, buscando sorvete na esquina, entrando no carro de Sarah.
Enruguei as sobrancelhas em sinal de confusão. Não entendia porque estávamos lá, Sofie, Sarah e eu, com amigos e desconhecidos; perto e longe de casa; cada olhada, cada expressão, cada sinal, estava tudo lá. Além da confusão, o desespero e algumas lágrimas brotaram em minha face quando percebi o pior dos detalhes: havia datas nas fotos, datas de meses atrás. As fotos não mentem jamais.
Fim do capítulo 9.
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27 comentários:
Melll, perfeitooo!!
Nossa tomara que esses Direitos Autorais saim logo, para você ter mais tranquilidade de estar postando novos capítulos e nos surpreendendo, como por exemplo este Cap., que como eu te disse iria ADORARRR!!! Dito e feito, rsrsrs!
Gata não vejo a hora de você publicar esse livro, para tê-lo em minhas mãos!
Beijosssssssss, Te Adorooo!!!
Oh Meu Deus vou ali morre e ja volto
Ta perfeito FATO
Ansiosa pelo proximo capitulo é pouco eu vou ter um treco se não ler o proximo...
acho que minhas desconfianças estao fazendo sentido kkkkkkkk
ahhhhhhh Mellll, perfeitooooooooooooo, quero mais e maisssssssssssss....
Não demora pra escrever flor!!!
Curiosidade mata ahahaha!
Beijos
Que venha o próximo capítulo !!!
PERFEITOOOO !!!
ainn, agora eh aguentar a curiosidade xD
Bjosss
UUUUUUUUAUUUUU! - ele tá espionandoo elaaaa? :OOOOOO
By: Alessandra
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAaaaa
para tudo!!!
será qe ele se aproximou dela só pra descobrir as coisas e acabou se apaixonando??
Ai Meu Deus, posta logooo!!
to morrendo de curiosidade já!!
=O
MUITO BOM !
posta logo mel, posta logo.
adoro a história, adoro a sofie e o humor inteligente dela.
huahauhauhuahuah,adoro vc.
beijos
e posta logo pelo amor de Deus.
LINDOOOOOOOOOOO O QUE ELE ESCREVEU MEU DEUS!! *_*
E noossaaaaa, morri quando vi q ele é q tava seguindo ela :O~
preciso de mais *-* vou morreeeeeeer! *-* melhor livro que já liii, fatoooo!!
meeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeu que texto lindooooooo ♥.♥
porque ele tava espionando ela? :O
siniiiiistro!
TA MUITO PERFEITA!
posta logo o próx. capitulo!
maaaaaaaaaaaaaaaaaaaaais! ♥♥♥
MeeeeeeeeeeelDeeellllss
eu juro que vou infartar Meeel.
começei ontem a noite, fiquei a madrugada toda lendo... terminei o setimo capitulo as 6 horas da manha... teminei o resto agora a noite, e já estou loucaaa aqui querendo o próxiiimo!
Espero q esses direitos autorais saiam logooo, pq eu não aguentoooo!!
Viciiiiiiiiiiieeei!!
Parabéns, otiiiiiiiimas estória!!!
Oi,
OHMElGZUS!!!
Estou ainda mais viciada...
Posta +!!!
O q irá acontecer?
ADORO A SOFIE, sempre sem rodeios.
Mel vc é d+++++++++++++++
bjinhos,
Luciane F.
Meeeeeell!! MeoDeuss!! Comecei a ler ontem e ja li tdinhoo!!! Mtmtmt bomm!!! Viciei.
Juro...nao to brincando...sonhei a noite inteira com a história, principalmente o capítulo 9...aii q curiosidadee!!! Aposto q aquele Noah tem coisa have com a tal lista kk
Parabéns, a história ta magnífica!!
beijoss
Maiara
:O
Meeeu Deus!
nãao demooora pra postar por favor, queremos desvendar looogo esse mistério *-*
:OOO
Cade o outro?!
Aaiia!
Assim enfarto!
=D
Ai meu deus do céu!
Por favor Mel, não diz q ele tava
espionando ela por más causas,
por favoooor, justo agora q ela
ia dizer q ama ele? T.T
Mais
Você é um gênio!
Sério, você tem o dom de escrever!
Morreeeendo de curiosidade!
beijos ;*
Lança logo o capítulo 10! Hehe.
Desde que eu comecei a ler sua história, não consigo mais parar! E agora que cheguei nesse post, to doida pra ler a continuação, esse capítulo foi demais! Hehe
Sério, muito boa sua história. Criativa, divertida, sem ser uma leitura enfadonha nem simples demais. E cheio de mistério, pra me deixar louca! Hehe.
Abraços
Nossa, deu margem à muitas idéias... curiosidadee agora xD ese capítulo pareceu tão pequeno kkk... =*****
Quanto tempo que não vinha aqui! Mas, como te falei no recado, to tão sem tempo que nem dormir direito eu estou dormindo. Mas vou me atualizar... E querida, nem preciso falar né? Que amo sua história, e que quando você lançar o livro, vou querer um autografado....
sempre querendo mais!
É o mais lindo romance já escrito!!
publicaaaaa logo!
E agoraaa? Ele tá seguindo ela?? OMG!!! ele quer matar ela??? diz que não O_O''''
to mto curiosa!
' que massa *--*
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