terça-feira, 25 de agosto de 2009
- O que você está fazendo?
Virei-me para encarar sua face curiosa e um pouco intrigada. Ele, parado ali, não tinha o perfil de alguém que seria capaz de me fazer algum mal, não parecia um assassino mentiroso. Apoiado na parede da sala moderna estava o meu Sam, aquele que me proporcionara sentimentos novos e inesquecíveis, aquele que me fizera perder o medo de aspectos corriqueiros e banais e, também, de traumas que carrego comigo. Definitivamente, não se assemelhava a alguém que poderia me machucar... As aparências enganam.
Ele não percebera a imagem que eu carregava nas mãos, certamente, estava pensando que eu só estava lendo suas estúpidas, sim estúpidas, e românticas histórias de parar o coração. Aliás, ele era estúpido por completo. Por fazer minhas pernas tremerem, por fazer meu peito ficar apertado quando aparece, por me fazer corar nos raros momentos em que diz coisas bonitas, por me deixar sem saber o que dizer, por me fazer sua presa. E a estupidez corria por todas as suas veias e fios de cabelos perfeitos. Então, naquele momento eu não saberia dizer quem fora mais idiota, ele... ou eu, por amá-lo da maneira como eu estava amando.
O mais inteligente a fazer ali, é claro, seria disfarçar e sair o mais rápido possível. Então eu poderia ir à polícia ou, simplesmente, optar por ignorá-lo para sempre. Ele ainda não havia percebido que eu vira as fotos e, logicamente, era mais vantajoso que ele não soubesse que eu o havia descoberto. E quem disse que eu estava em condições de seguir a razão?
Certo, talvez eu agisse usando o bom senso em noventa por cento do meu tempo, mas nada nunca havia mexido comigo daquela forma. E se o sentimento ardia imensamente como um chicote açoitando a pele, a frustração tinha um efeito muito mais letal. Agia como um veneno correndo pelas veias, furando cada parte, queimando cada célula e, quem sabe, se recusando a chegar à cabeça, que insistia em gritar que era mentira.
E eu estava iludida, talvez. Tinha a possibilidade de ter sido iludida por ele e, embora não quisesse admitir, estava me auto-iludindo. Queria acreditar que era um mal entendido, que ele não havia feito isso, então eu precisava ouvir das palavras dele que era um engano. E embora os olhos sejam inerentes à visão, a pior venda é aquela que você coloca em si mesma.
Levantei, lentamente, a mão que ainda estava segurando a foto sobre a escrivaninha. A angústia despencou na face dele como um balão de água que explode para todos os lados. E eu não queria, mas reconhecia aquela expressão, era a culpa.
- Sente-se. – Ele disse atormentado, alisando a testa com uma das mãos.
- Não quero me sentar. – E, por um momento, achei que essas palavras não fossem sair de minha boca.
- Eu poderia explicar se você pudesse me ouvir por um minuto, apenas um minuto.
“Eu posso explicar”, provavelmente o maior jargão da literatura, do cinema e das telenovelas, estava realmente sendo usado ali, na prática. Era deprimente em demasia.
Caminhei decidida em direção à porta, ele avançou mais rápido que eu e impediu a minha passagem.
- Você não vai sair sem me ouvir.
- Eu não quero te ouvir.
- Mas vai.
Eu pensei em ameaçar gritar ou tentar chamar a polícia, mas eu sabia que ele já havia matado uma pessoa e que ele conseguiria facilmente me imobilizar e tampar minha boca. Era muito mais forte e tinha a faca e o queijo nas mãos.
- Sam, me deixe ir. – Falei seriamente, mas com uma educação que custei a sintetizar. Eu queria mesmo era gritar e usar os punhos pra esmurrar o peito dele e soltar toda a minha ira, mas eu estava no território inimigo. Sarah e Sofia iriam sentir minha falta somente depois que chegassem em casa, horas mais tarde.
Ele virou-se e trancou a porta sem dizer nada. Em seguida, sentou-se no sofá preto e apoiou a testa com as mãos deixando os cabelos negros caírem por sobre elas. Tosha pareceu sentir o mau humor do dono e saiu depressa dali, sumindo pelo corredor.
Eu fiquei parada próxima à porta. A imagem de um Sam mortificado sentado no sofá não me comovera nem um pouco, eu seria capaz de avançá-lo se estivesse com algo além de uma chave de casa nas mãos. A frustração estava misturada com a fúria e o produto delas não era nada bom.
- Eu estava seguindo você e sua família.
- Que bom que não vai negar o óbvio. – Eu tentei usar o humor, mas não consegui esconder a ira no tom de voz. – E quando iria nos matar? Aliás, posso saber por que estava nos seguindo?
- Porque você tem algo que me pertence.
Eu ri amargamente.
- Eu não tenho nada.
E era verdade. Sam era rico, muito rico. Tinha tudo o que seu dinheiro poderia comprar e eu morava naquele condomínio semi-luxuoso por causa de uma herança. Não tinha bens, não tinha dinheiro, não tinha nem sequer uma família unida. Sarah, Sofia e eu éramos quase um “cada um por si” só que, na nossa versão, cada uma juntava os próprios pedaços em um canto.
- Ainda não.
Agora fazia sentido. Foi por isso que ele não quis que eu entregasse a encomenda do meu pai, ele não deveria ser o único a me seguir, mas estava na frente porque me enganara. Me fizera acreditar que era a pessoa que eu havia esperado por tanto tempo, fingira sentimentos por mim a fim de pegar aquele maldito pacote.
- Você não quis que eu me desfizesse da encomenda.
Ele sorriu friamente, estava claramente satisfeito por eu ter entendido rápido.
- Você vai ter que guardá-la com cuidado, Mel.
- Não é isso o que você quer? – Foi a primeira vez que elevei o volume da voz naquela noite. – Você não quer a maldita caixa? Não foi por isso que se aproximou? Então leve, leve sua caixa com seu precioso tesouro, só não pense que isso vai trazer seus pais de volta.
Ele tremeu ao ouvir a minha última frase. Era seu ponto fraco.
- Quando eu receber a encomenda, pode deixar que vou enviá-la a você, se isso vai te fazer feliz. Seres humanos, pessoas, encontram a felicidade em coisas mais importantes, mas eu não esperava mais de você.
- Cale-se.
Isso desequilibrou totalmente as minhas tentativas de conter a fúria em território inimigo.
- Me calar? Você não quer ouvir a verdade? Você não é um ser humano, Sam. Não chega à metade disso. – Apoiei meu corpo na parede ao lado da porta e fechei os olhos.
- Eu avisei a você que eu não era digno de um ser humano. – Ele respondeu entre dentes em tom moderado, estava começando a se irritar.
- E quando você disse que me perseguiu e estava fingindo gostar de mim para me tomar uma encomenda e depois me matar? Acho que deixei passar essa parte. – Fiquei impressionada como uma raiva descomunal estava me fazendo brincar com as palavras daquela maneira. Não era momento para ironias, resolvi falar sério e deixar a ferida descoberta. - Era esse o plano, não era?
- Sim. Eu escolhi o prédio com exatidão, o apartamento certo, cuidei para que minha outra parte visse o anúncio desse lugar e não estranhasse a mudança. Uma discussão que ele teve com o Cristian na mesma véspera foi o bastante para se decidir. E eu conhecia a sua rotina, a da sua mãe, a da sua irmã. Sabia quando você receberia o pacote. E, sim, iria matá-la depois que o pegasse.
Corri os dedos por entre os cabelos e decidi parar de lutar, deixei as lágrimas de ódio e dor profunda escorrerem sobre as minhas bochechas. Abri a boca e não consegui falar nada, apenas cerrei os dentes e deixei mais lágrimas caírem silenciosamente enquanto eu me desmanchava solitária naquele lugar. Balancei a cabeça de um lado para o outro tentando negar a verdade.
Senti dedos quentes subirem o meu queixo e encarei o verde-oliva, que tanto amava outrora, sentindo apenas ódio desta vez. Seus olhos brilhavam muito, como se, de alguma forma e pela primeira vez, estivesse prestes a lacrimejar.
- Isso foi antes de conhecê-la.
- Vai dizer que então gostou de mim e que está arrependido? Acha que eu sou burra? – Sibilei com ódio. À mim parecia óbvio que, se ele fingira e escondera algo tão crucial simplesmente por estar interessado no que quer que eu vá receber do meu pai, era muito capaz de me enrolar ali, nas palavras doces novamente.
- Essa seria a última coisa que penso sobre você.
- Então por que está insistindo nisso? – Voltei a gritar e ele se afastou um pouco.
- Porque é a verdade! Eu tinha mesmo esse plano. – Ele respondeu com a voz mais enérgica.
- E por quê, Samuel? Por que você precisava colocar toda a minha família em risco? Para quê seguir a Sofia? – A parte da minha irmã era outro ponto que mais me ferira naquela história, eu me sentia muito responsável por aquele gênio de meio tamanho.
- Porque precisava conhecer a sua rotina, hábitos, amigos, tudo o que pudesse servir...
- E o que eu te fiz? – Eu me aproximei e rugi entre os dentes. – Além de ter sido idiota e ingênua, o que de tão ruim eu posso ter feito a você?
- Você não fez nada, seu pai fez.
- Meça suas palavras para falar do meu pai. – Agora a discussão havia atingido outro nível. Minha vontade foi dar um soco na cara dele.
- Ele matou meus pais, não passava de um assassino.
- Cale a boca! – Gritei com todo o ódio que pude atingir.
- E ainda roubou o projeto do meu pai e teve a ousadia de deixar para a filhinha...
- Ele não fez nada disso. – Era claro para mim que Sam estava inventando isso tudo para ter motivos para ter feito o que fez.
- Fez. – Contorceu a face em raiva ao lembrar-se de um passado que não queria esquecer.
- Quais provas você tem? – Balancei a cabeça e encarei o carpete. Não iria discutir a inocência do meu pai morto. Eu o conhecia, era uma boa pessoa e eu tinha plena certeza de que ele não fizera nada disso. Sam, ao contrário, parecia ter certeza de sua culpa. Não adiantaria discutir, não era isso o que estava me ferindo mais profundamente. – Então por isso eu virei sua vingança?
Ele pareceu ficar menos nervoso e mais culpado com o desvio do assunto corrente. Sentou-se no chão encostando as costas na parede, próximo à porta. Abaixou a cabeça.
- Sim.
Minhas pernas também não conseguiram me sustentar e eu caí. Caí em todos os sentidos literais e não literais que essa palavra poderia ter. A queda não despejava qualquer tipo de adrenalina ou emoção, simplesmente se assemelhava a um grande buraco negro, sem fim, alcançando mais fundo a cada segundo. Senti o chão frio tocando a minha pele e eu conseguia respirar, mas, por algum motivo, essa parecia uma tarefa muito árdua.
Eu tinha muros, defesas e ele destruíra todas, passou por elas como se fossem paredes de papel. E um segredo precioso que agora eu descobrira murmurava aos meus ouvidos que o aniquilamento é muito mais doloroso quando começado de dentro para fora. O meu interno estava arruinado, o externo mal conseguia parar em pé. Eu não via mais motivos para essa discussão ali, sentada no chão da sala tão bem decorada.
- Eu não planejei invadir seu apartamento quando nos conhecemos. – Ele falou aleatoriamente depois de um silêncio que pareceu durar horas.
Apenas levantei um pouco a cabeça, sem mirar o verde que tanto me enfraquecera. Imersa no mar dos destroços que ainda me sobraram, aquelas palavras me soaram sem sentido. Demorei alguns segundos para conseguir me focar à situação atual.
Ele não esperou que eu respondesse, apenas continuou.
- Eu sabia que havia outras pessoas, achei que estavam atrás de mim. Pensei que somente eu sabia que o que todos procuravam estaria com você dentro de alguns meses. Pensava que eles achavam que estava comigo.
Ouvi sem ter nada a responder. Não sabia realmente se era porque eu não tinha forças suficientes para tal ou se apenas achava as histórias passadas insignificantes demais. O que ele falava, as desculpas, os pensamentos, os planos, nada do que ele pudesse assumir me livraria da dor que eu estava sentindo naquele momento. Eram apenas palavras, gotas de água frentes ao oceano.
- Percebi a falha da energia e alguns passos apressados. Definitivamente, não planejei me aproximar invadindo a sua casa. – Ele suspirou demoradamente e continuou com a voz mórbida.
– Dei-lhe o conselho para ficar dentro de casa porque precisava de você viva, até que completasse os dezoito anos. Ao mesmo tempo, era excitante a idéia de que eu tinha chances de pegar uma das pessoas envolvidas nisso tudo e fazê-la confessar. Queria que ela me dissesse para quem estava trabalhando e quem mais sabia da existência da caixa. A caixa era minha, foi trabalho do meu pai, é minha por direito, mas eu sempre soube que existiam outras pessoas em sua busca.
Eu não sabia se eu estava realmente escutando, quero dizer, é claro que eu estava ouvindo, mas não poderia dizer se eu estava, de fato, digerindo toda aquela informação. Talvez eu não quisesse compreender, talvez eu não quisesse saber, talvez eu só quisesse ficar quieta por alguns momentos para juntar forças para me levantar.
- Sei que é alguma pessoa que tinha conhecimento do grupo de pesquisas no qual nossos pais trabalhavam. Praticamente todas as pessoas que participaram dele hoje estão mortas ou desaparecidas.
Eu tinha conhecimento desse fato, no mínimo achei estranho, claro, mas nunca suspeitei de trama tão vingativa e cruel.
- Não é coincidência. – Ele refletiu e esperou alguns segundos se passarem. Escutei sua cabeça batendo levemente na parede. – A caixa só poderia estar com uma das pessoas do grupo. Eles mataram e seqüestraram os que puderam encontrar e, com fatalidade, constataram que não estava com nenhum deles.
Eu continuei estática onde estava sentada. Não sabia ao certo o que estava refletindo, meus pensamentos passavam depressa como em um carrossel de circo que Sofia tanto odiava. Imagens, sensações e memórias giravam ao redor dos meus olhos.
- Estudando cartas, diários, fotos e documentos antigos, percebi que ela era guardada com cuidado por um grupo de pessoas muito mais restrito. Seu pai e o meu dividiam a posse dela na época. Isso, até meus pais morrerem em um acidente suspeito. Então seu pai, agora, era o único que sabia onde ela estava e, por motivos desconhecidos, guardou-a em uma agência segura onde teve certeza de que seria entregue a você aos dezoito anos.
A história me parecia convincente até aquele ponto, mas eu, ainda assim, não acreditava que meu pai fora capaz de matar duas pessoas e fazer parecer um acidente apenas para roubar uma maldita caixa.
- E eu achava que somente eu sabia essa história. Posso jurar que acreditei que eles estavam atrás de mim assim que souberam da minha existência, mas eles, de alguma forma, descobriram que você tinha uma herança pendente. Isso só ficou claro para mim no dia em que achamos aquele pedaço de papel.
Ele parou por mais um tempo para poder respirar e continuar a história. Estava relembrando tudo da mesma maneira com que me contou a história da morte dos pais tempos atrás. Não tinha emoções, apenas falava tudo como se conversasse consigo mesmo de um assunto obscuro. Em alguns momentos, nem sequer parecia que tinha consciência de que havia outra pessoa ali, tinha ares de quem estava imerso em auto-reflexão.
- Eu nunca planejei me aproximar de você da maneira como nos aproximamos. Não queria ser nem mesmo seu amigo. Além do evidente problema da dupla personalidade que eu não podia revelar, também havia o fato de que quanto menos você notasse que eu estava ali, melhor.
Foi a primeira vez, desde o momento em que eu sentara no chão, que senti os olhos dele perfurando a minha pele. Mesmo ainda encarando o carpete, eu era capaz de sentir que ele estava me olhando, me analisando, contemplando minhas ruínas.
- Mas eu não planejei a invasão ao seu apartamento e, como se isso já não mudasse tudo, também não planejei a maneira como me senti quando a vi estirada no chão.
Isso me fez levantar a cabeça. Senti ódio de mim mesma por somente conseguir uma reação quando ele me dissera essas palavras. Ainda que não quisesse, era inevitável notar que ele ainda me prendia e controlava.
- Parecia tão frágil, tão suave, tão menina e, ao mesmo tempo, tão forte e corajosa por ter saído de casa mesmo depois de ouvir um tiro e ainda correr na direção dele.
Eu me senti tão estúpida. Ouvindo essas palavras de outra pessoa, soava a coisa mais idiota para se fazer naquele momento. O problema é que não era isso o que me afligia agora.
- Desobedeci a mim mesmo quando a levei ao hospital. E você fazia questão de não demonstrar dor. Não queria que eu sentisse pena ou achasse que você era fraca. Uma graça a maneira como me contrariou em tudo, não queria que eu a levasse, não aceitou nada do que ofereci e dispensou qualquer simpatia forçada. E, de longe, parecia tão comum, mas de perto tão diferente das outras pessoas.
- Silêncio. – Eu pedi energicamente. Não iria agüentar ouvir aquela história. Eu previra esse desenvolvimento minutos atrás.
Ele me ignorou completamente.
- E eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Me sentia culpado por trair o que tomei como objetivo de vida. Eu deveria matar você, deveria sentir-me aliviado por fazê-lo, deveria tomar de volta o que sempre me pertenceu.
Coloquei meu braço por cima dos meus joelhos e apoiei a cabeça nele, foi a maneira que encontrei de conseguir ficar com o rosto erguido. Foi quando encarei o verde vivo dos olhos do Sam.
- Eu não consegui me sentir assim, Mel. De repente, não era mais capaz de sentir a felicidade correndo por mim ao vê-la morta em minha mente. E eu senti angústia, decepção, raiva... Uma mistura de emoções que desembocavam sempre no que eu deveria fazer, mas sabia que não conseguiria.
- Pobre Sam. – Eu ri da minha ironia. Era inacreditável que, agora, ele era o bom moço. O herói que tinha um dever a ser cumprido, mas que era incapaz de fazê-lo porque, de repente, se viu apaixonado pela mocinha. Tão clichê, tão detestável.
- Eu sei o que você está pensando.
- Não sabe.
- Sei. Não é difícil te decifrar.
Não contra-argumentei. Ainda estava juntando forças para me levantar e ir embora dali, só estava esperando que ele acabasse de me exterminar. Não sobraria mais nada quando ele terminasse e eu sabia que não havia nada que ele dissesse que poderia evitar meu esfacelo. Era isso, fim.
- Não quero ser o bonzinho, não quero ser o sofredor. Não sou o herói. Sou apenas humano e miserável. Quis contar diversas vezes a verdade e tive medo. Ao contrário de você, sou fraco e covarde. Você foi a única pessoa que me fizera admitir isso para mim mesmo.
- Terminou? Posso ir agora? – Minha mais nova tática impensada era a apatia. Não sou o tipo de pessoa que gosta de demonstrar fraqueza em qualquer situação. O choro foi involuntário e, agora que o choque já havia passado, era mais fácil juntar meus pedaços até que, pelo menos, eu pudesse chegar em casa. A verdade é que eu não queria que ele visse a maneira que me destruiu.
- Não, você é o meu veneno.
Eu me desconcentrei novamente do quadro atual para poder imaginar o que essa frase deveria significar. Geralmente, seria uma coisa muito rude de se dizer a alguém, mas, para ele, parecia fazer algum sentido que eu não estava enxergando. Estreitei novamente os olhos para tentar observar meu reflexo no verde e, então, o conto da sereia surgiu em minha mente. Ele estava se referindo ao trecho que estava escrevendo antes que me ouvisse chegar no corredor.
- Preciso que me entenda.
- Não quero entender.
- Não quero que me perdoe, isso sim seria um absurdo pedir. – Ele aproximou-se com cautela. – Quero que me compreenda.
- E por que deseja isso? O que muda para você? – Fiquei satisfeita ao perceber que eu já recuperara a fala, era um bom começo.
- Carrego a vingança como motivo de existência, você sabe. Pensei que eu desapareceria depois que completasse o objetivo, almejo por isso há algum tempo, a vida me é muito dolorosa. – Ele respondeu calmamente. – Não posso atingir esse objetivo. Sou incapaz de matá-la. – Ele riu e afastou-se novamente. – Como última coisa, quero apenas que me entenda.
- Eu já disse que não quero entender nada. – Levantei-me em um movimento rápido, foi toda a força que consegui juntar enquanto estava no chão. – Você construiu um relacionamento comigo baseado em mentiras. Mentiu desde a primeira vez e nada me garante que não está mentindo agora. Não há como eu confiar que você não vai mais me seguir ou tentar me matar assim que eu cruzar essa porta.
- Eu já disse que não...
- E como posso acreditar no que você diz? – Eu repliquei em tom mais elevado. – Você é um mentiroso. Mentiu sobre você, sobre nós, sobre sua irmã...
Ele ficou de pé assim que ouviu essa última palavra. Suas mãos começaram a tremer de novo.
- Como você sabe sobre a Julie? – Ele perguntou assustado e, de repente, o entendimento passou por sua expressão facial. – Você me induziu a te levar lá de dia, não foi? Aproveitou a minha ausência para me investigar. – Alterou-se completamente em meros segundos. Agora exprimia uma raiva contida.
Eu me senti ofendida. Da maneira que ele dissera, parecia que eu havia feito o mesmo que ele. Eu apenas quis conhecê-lo melhor, entender seu problema, ajudá-lo e ele estava me colocando como uma perseguidora mentirosa. Não iria aceitar esse desaforo.
- Não tente me colocar no mesmo patamar que você! – Gritei severamente e ele ficou um pouco assustado com essa reação. – Eu não fingi meus sentimentos hora nenhuma! Não planejei te conhecer, te seduzir, te matar!
- E mentiu para mim da mesma maneira! – Ele respondeu com o mesmo volume de voz. – Falei várias vezes para que evitasse interagir comigo durante o dia e o que você fez? Estava se encontrando comigo às escondidas de mim mesmo!
- Já chega. – Eu levantei um pouco o queixo para tentar amenizar a diferença entre nossas alturas. – Não se atreva a refletir seu erro em mim. Minha mentira não é nada comparada aos seus assassinatos premeditados.
- Isso nunca daria certo. – Ele olhou os próprios pés e balançou os cabelos finos e brilhantes.
- Não. – Eu concordei. – Não se pode construir nada em cima de mentiras.
Ele apenas acenou com a cabeça.
- Deixe-me ir.
Novamente, ele não disse nada. Tirou a chave da porta dos bolsos e girou-a dentro da fechadura. A porta abriu-se com suavidade. Ele não levantou a cabeça nenhuma vez para poder me olhar nos olhos uma última vez.
- Ah. – Eu disse antes de colocar o corpo totalmente para fora do apartamento. – Se você ousar pular da sua sacada para a minha, juro que chamo a polícia.
- Não vou desistir de você.
- Está avisado.
Dei as costas e não olhei nem uma vez para trás.
Fim da parte 1
Nota da Autora:
Ajude INVERSO a ser publicado! Clique aqui!
Obs: Farei a revisão do capítulo pela manhã ;) Qualquer erro de digitação será corrigido!
Virei-me para encarar sua face curiosa e um pouco intrigada. Ele, parado ali, não tinha o perfil de alguém que seria capaz de me fazer algum mal, não parecia um assassino mentiroso. Apoiado na parede da sala moderna estava o meu Sam, aquele que me proporcionara sentimentos novos e inesquecíveis, aquele que me fizera perder o medo de aspectos corriqueiros e banais e, também, de traumas que carrego comigo. Definitivamente, não se assemelhava a alguém que poderia me machucar... As aparências enganam.
Ele não percebera a imagem que eu carregava nas mãos, certamente, estava pensando que eu só estava lendo suas estúpidas, sim estúpidas, e românticas histórias de parar o coração. Aliás, ele era estúpido por completo. Por fazer minhas pernas tremerem, por fazer meu peito ficar apertado quando aparece, por me fazer corar nos raros momentos em que diz coisas bonitas, por me deixar sem saber o que dizer, por me fazer sua presa. E a estupidez corria por todas as suas veias e fios de cabelos perfeitos. Então, naquele momento eu não saberia dizer quem fora mais idiota, ele... ou eu, por amá-lo da maneira como eu estava amando.
O mais inteligente a fazer ali, é claro, seria disfarçar e sair o mais rápido possível. Então eu poderia ir à polícia ou, simplesmente, optar por ignorá-lo para sempre. Ele ainda não havia percebido que eu vira as fotos e, logicamente, era mais vantajoso que ele não soubesse que eu o havia descoberto. E quem disse que eu estava em condições de seguir a razão?
Certo, talvez eu agisse usando o bom senso em noventa por cento do meu tempo, mas nada nunca havia mexido comigo daquela forma. E se o sentimento ardia imensamente como um chicote açoitando a pele, a frustração tinha um efeito muito mais letal. Agia como um veneno correndo pelas veias, furando cada parte, queimando cada célula e, quem sabe, se recusando a chegar à cabeça, que insistia em gritar que era mentira.
E eu estava iludida, talvez. Tinha a possibilidade de ter sido iludida por ele e, embora não quisesse admitir, estava me auto-iludindo. Queria acreditar que era um mal entendido, que ele não havia feito isso, então eu precisava ouvir das palavras dele que era um engano. E embora os olhos sejam inerentes à visão, a pior venda é aquela que você coloca em si mesma.
Levantei, lentamente, a mão que ainda estava segurando a foto sobre a escrivaninha. A angústia despencou na face dele como um balão de água que explode para todos os lados. E eu não queria, mas reconhecia aquela expressão, era a culpa.
- Sente-se. – Ele disse atormentado, alisando a testa com uma das mãos.
- Não quero me sentar. – E, por um momento, achei que essas palavras não fossem sair de minha boca.
- Eu poderia explicar se você pudesse me ouvir por um minuto, apenas um minuto.
“Eu posso explicar”, provavelmente o maior jargão da literatura, do cinema e das telenovelas, estava realmente sendo usado ali, na prática. Era deprimente em demasia.
Caminhei decidida em direção à porta, ele avançou mais rápido que eu e impediu a minha passagem.
- Você não vai sair sem me ouvir.
- Eu não quero te ouvir.
- Mas vai.
Eu pensei em ameaçar gritar ou tentar chamar a polícia, mas eu sabia que ele já havia matado uma pessoa e que ele conseguiria facilmente me imobilizar e tampar minha boca. Era muito mais forte e tinha a faca e o queijo nas mãos.
- Sam, me deixe ir. – Falei seriamente, mas com uma educação que custei a sintetizar. Eu queria mesmo era gritar e usar os punhos pra esmurrar o peito dele e soltar toda a minha ira, mas eu estava no território inimigo. Sarah e Sofia iriam sentir minha falta somente depois que chegassem em casa, horas mais tarde.
Ele virou-se e trancou a porta sem dizer nada. Em seguida, sentou-se no sofá preto e apoiou a testa com as mãos deixando os cabelos negros caírem por sobre elas. Tosha pareceu sentir o mau humor do dono e saiu depressa dali, sumindo pelo corredor.
Eu fiquei parada próxima à porta. A imagem de um Sam mortificado sentado no sofá não me comovera nem um pouco, eu seria capaz de avançá-lo se estivesse com algo além de uma chave de casa nas mãos. A frustração estava misturada com a fúria e o produto delas não era nada bom.
- Eu estava seguindo você e sua família.
- Que bom que não vai negar o óbvio. – Eu tentei usar o humor, mas não consegui esconder a ira no tom de voz. – E quando iria nos matar? Aliás, posso saber por que estava nos seguindo?
- Porque você tem algo que me pertence.
Eu ri amargamente.
- Eu não tenho nada.
E era verdade. Sam era rico, muito rico. Tinha tudo o que seu dinheiro poderia comprar e eu morava naquele condomínio semi-luxuoso por causa de uma herança. Não tinha bens, não tinha dinheiro, não tinha nem sequer uma família unida. Sarah, Sofia e eu éramos quase um “cada um por si” só que, na nossa versão, cada uma juntava os próprios pedaços em um canto.
- Ainda não.
Agora fazia sentido. Foi por isso que ele não quis que eu entregasse a encomenda do meu pai, ele não deveria ser o único a me seguir, mas estava na frente porque me enganara. Me fizera acreditar que era a pessoa que eu havia esperado por tanto tempo, fingira sentimentos por mim a fim de pegar aquele maldito pacote.
- Você não quis que eu me desfizesse da encomenda.
Ele sorriu friamente, estava claramente satisfeito por eu ter entendido rápido.
- Você vai ter que guardá-la com cuidado, Mel.
- Não é isso o que você quer? – Foi a primeira vez que elevei o volume da voz naquela noite. – Você não quer a maldita caixa? Não foi por isso que se aproximou? Então leve, leve sua caixa com seu precioso tesouro, só não pense que isso vai trazer seus pais de volta.
Ele tremeu ao ouvir a minha última frase. Era seu ponto fraco.
- Quando eu receber a encomenda, pode deixar que vou enviá-la a você, se isso vai te fazer feliz. Seres humanos, pessoas, encontram a felicidade em coisas mais importantes, mas eu não esperava mais de você.
- Cale-se.
Isso desequilibrou totalmente as minhas tentativas de conter a fúria em território inimigo.
- Me calar? Você não quer ouvir a verdade? Você não é um ser humano, Sam. Não chega à metade disso. – Apoiei meu corpo na parede ao lado da porta e fechei os olhos.
- Eu avisei a você que eu não era digno de um ser humano. – Ele respondeu entre dentes em tom moderado, estava começando a se irritar.
- E quando você disse que me perseguiu e estava fingindo gostar de mim para me tomar uma encomenda e depois me matar? Acho que deixei passar essa parte. – Fiquei impressionada como uma raiva descomunal estava me fazendo brincar com as palavras daquela maneira. Não era momento para ironias, resolvi falar sério e deixar a ferida descoberta. - Era esse o plano, não era?
- Sim. Eu escolhi o prédio com exatidão, o apartamento certo, cuidei para que minha outra parte visse o anúncio desse lugar e não estranhasse a mudança. Uma discussão que ele teve com o Cristian na mesma véspera foi o bastante para se decidir. E eu conhecia a sua rotina, a da sua mãe, a da sua irmã. Sabia quando você receberia o pacote. E, sim, iria matá-la depois que o pegasse.
Corri os dedos por entre os cabelos e decidi parar de lutar, deixei as lágrimas de ódio e dor profunda escorrerem sobre as minhas bochechas. Abri a boca e não consegui falar nada, apenas cerrei os dentes e deixei mais lágrimas caírem silenciosamente enquanto eu me desmanchava solitária naquele lugar. Balancei a cabeça de um lado para o outro tentando negar a verdade.
Senti dedos quentes subirem o meu queixo e encarei o verde-oliva, que tanto amava outrora, sentindo apenas ódio desta vez. Seus olhos brilhavam muito, como se, de alguma forma e pela primeira vez, estivesse prestes a lacrimejar.
- Isso foi antes de conhecê-la.
- Vai dizer que então gostou de mim e que está arrependido? Acha que eu sou burra? – Sibilei com ódio. À mim parecia óbvio que, se ele fingira e escondera algo tão crucial simplesmente por estar interessado no que quer que eu vá receber do meu pai, era muito capaz de me enrolar ali, nas palavras doces novamente.
- Essa seria a última coisa que penso sobre você.
- Então por que está insistindo nisso? – Voltei a gritar e ele se afastou um pouco.
- Porque é a verdade! Eu tinha mesmo esse plano. – Ele respondeu com a voz mais enérgica.
- E por quê, Samuel? Por que você precisava colocar toda a minha família em risco? Para quê seguir a Sofia? – A parte da minha irmã era outro ponto que mais me ferira naquela história, eu me sentia muito responsável por aquele gênio de meio tamanho.
- Porque precisava conhecer a sua rotina, hábitos, amigos, tudo o que pudesse servir...
- E o que eu te fiz? – Eu me aproximei e rugi entre os dentes. – Além de ter sido idiota e ingênua, o que de tão ruim eu posso ter feito a você?
- Você não fez nada, seu pai fez.
- Meça suas palavras para falar do meu pai. – Agora a discussão havia atingido outro nível. Minha vontade foi dar um soco na cara dele.
- Ele matou meus pais, não passava de um assassino.
- Cale a boca! – Gritei com todo o ódio que pude atingir.
- E ainda roubou o projeto do meu pai e teve a ousadia de deixar para a filhinha...
- Ele não fez nada disso. – Era claro para mim que Sam estava inventando isso tudo para ter motivos para ter feito o que fez.
- Fez. – Contorceu a face em raiva ao lembrar-se de um passado que não queria esquecer.
- Quais provas você tem? – Balancei a cabeça e encarei o carpete. Não iria discutir a inocência do meu pai morto. Eu o conhecia, era uma boa pessoa e eu tinha plena certeza de que ele não fizera nada disso. Sam, ao contrário, parecia ter certeza de sua culpa. Não adiantaria discutir, não era isso o que estava me ferindo mais profundamente. – Então por isso eu virei sua vingança?
Ele pareceu ficar menos nervoso e mais culpado com o desvio do assunto corrente. Sentou-se no chão encostando as costas na parede, próximo à porta. Abaixou a cabeça.
- Sim.
Minhas pernas também não conseguiram me sustentar e eu caí. Caí em todos os sentidos literais e não literais que essa palavra poderia ter. A queda não despejava qualquer tipo de adrenalina ou emoção, simplesmente se assemelhava a um grande buraco negro, sem fim, alcançando mais fundo a cada segundo. Senti o chão frio tocando a minha pele e eu conseguia respirar, mas, por algum motivo, essa parecia uma tarefa muito árdua.
Eu tinha muros, defesas e ele destruíra todas, passou por elas como se fossem paredes de papel. E um segredo precioso que agora eu descobrira murmurava aos meus ouvidos que o aniquilamento é muito mais doloroso quando começado de dentro para fora. O meu interno estava arruinado, o externo mal conseguia parar em pé. Eu não via mais motivos para essa discussão ali, sentada no chão da sala tão bem decorada.
- Eu não planejei invadir seu apartamento quando nos conhecemos. – Ele falou aleatoriamente depois de um silêncio que pareceu durar horas.
Apenas levantei um pouco a cabeça, sem mirar o verde que tanto me enfraquecera. Imersa no mar dos destroços que ainda me sobraram, aquelas palavras me soaram sem sentido. Demorei alguns segundos para conseguir me focar à situação atual.
Ele não esperou que eu respondesse, apenas continuou.
- Eu sabia que havia outras pessoas, achei que estavam atrás de mim. Pensei que somente eu sabia que o que todos procuravam estaria com você dentro de alguns meses. Pensava que eles achavam que estava comigo.
Ouvi sem ter nada a responder. Não sabia realmente se era porque eu não tinha forças suficientes para tal ou se apenas achava as histórias passadas insignificantes demais. O que ele falava, as desculpas, os pensamentos, os planos, nada do que ele pudesse assumir me livraria da dor que eu estava sentindo naquele momento. Eram apenas palavras, gotas de água frentes ao oceano.
- Percebi a falha da energia e alguns passos apressados. Definitivamente, não planejei me aproximar invadindo a sua casa. – Ele suspirou demoradamente e continuou com a voz mórbida.
– Dei-lhe o conselho para ficar dentro de casa porque precisava de você viva, até que completasse os dezoito anos. Ao mesmo tempo, era excitante a idéia de que eu tinha chances de pegar uma das pessoas envolvidas nisso tudo e fazê-la confessar. Queria que ela me dissesse para quem estava trabalhando e quem mais sabia da existência da caixa. A caixa era minha, foi trabalho do meu pai, é minha por direito, mas eu sempre soube que existiam outras pessoas em sua busca.
Eu não sabia se eu estava realmente escutando, quero dizer, é claro que eu estava ouvindo, mas não poderia dizer se eu estava, de fato, digerindo toda aquela informação. Talvez eu não quisesse compreender, talvez eu não quisesse saber, talvez eu só quisesse ficar quieta por alguns momentos para juntar forças para me levantar.
- Sei que é alguma pessoa que tinha conhecimento do grupo de pesquisas no qual nossos pais trabalhavam. Praticamente todas as pessoas que participaram dele hoje estão mortas ou desaparecidas.
Eu tinha conhecimento desse fato, no mínimo achei estranho, claro, mas nunca suspeitei de trama tão vingativa e cruel.
- Não é coincidência. – Ele refletiu e esperou alguns segundos se passarem. Escutei sua cabeça batendo levemente na parede. – A caixa só poderia estar com uma das pessoas do grupo. Eles mataram e seqüestraram os que puderam encontrar e, com fatalidade, constataram que não estava com nenhum deles.
Eu continuei estática onde estava sentada. Não sabia ao certo o que estava refletindo, meus pensamentos passavam depressa como em um carrossel de circo que Sofia tanto odiava. Imagens, sensações e memórias giravam ao redor dos meus olhos.
- Estudando cartas, diários, fotos e documentos antigos, percebi que ela era guardada com cuidado por um grupo de pessoas muito mais restrito. Seu pai e o meu dividiam a posse dela na época. Isso, até meus pais morrerem em um acidente suspeito. Então seu pai, agora, era o único que sabia onde ela estava e, por motivos desconhecidos, guardou-a em uma agência segura onde teve certeza de que seria entregue a você aos dezoito anos.
A história me parecia convincente até aquele ponto, mas eu, ainda assim, não acreditava que meu pai fora capaz de matar duas pessoas e fazer parecer um acidente apenas para roubar uma maldita caixa.
- E eu achava que somente eu sabia essa história. Posso jurar que acreditei que eles estavam atrás de mim assim que souberam da minha existência, mas eles, de alguma forma, descobriram que você tinha uma herança pendente. Isso só ficou claro para mim no dia em que achamos aquele pedaço de papel.
Ele parou por mais um tempo para poder respirar e continuar a história. Estava relembrando tudo da mesma maneira com que me contou a história da morte dos pais tempos atrás. Não tinha emoções, apenas falava tudo como se conversasse consigo mesmo de um assunto obscuro. Em alguns momentos, nem sequer parecia que tinha consciência de que havia outra pessoa ali, tinha ares de quem estava imerso em auto-reflexão.
- Eu nunca planejei me aproximar de você da maneira como nos aproximamos. Não queria ser nem mesmo seu amigo. Além do evidente problema da dupla personalidade que eu não podia revelar, também havia o fato de que quanto menos você notasse que eu estava ali, melhor.
Foi a primeira vez, desde o momento em que eu sentara no chão, que senti os olhos dele perfurando a minha pele. Mesmo ainda encarando o carpete, eu era capaz de sentir que ele estava me olhando, me analisando, contemplando minhas ruínas.
- Mas eu não planejei a invasão ao seu apartamento e, como se isso já não mudasse tudo, também não planejei a maneira como me senti quando a vi estirada no chão.
Isso me fez levantar a cabeça. Senti ódio de mim mesma por somente conseguir uma reação quando ele me dissera essas palavras. Ainda que não quisesse, era inevitável notar que ele ainda me prendia e controlava.
- Parecia tão frágil, tão suave, tão menina e, ao mesmo tempo, tão forte e corajosa por ter saído de casa mesmo depois de ouvir um tiro e ainda correr na direção dele.
Eu me senti tão estúpida. Ouvindo essas palavras de outra pessoa, soava a coisa mais idiota para se fazer naquele momento. O problema é que não era isso o que me afligia agora.
- Desobedeci a mim mesmo quando a levei ao hospital. E você fazia questão de não demonstrar dor. Não queria que eu sentisse pena ou achasse que você era fraca. Uma graça a maneira como me contrariou em tudo, não queria que eu a levasse, não aceitou nada do que ofereci e dispensou qualquer simpatia forçada. E, de longe, parecia tão comum, mas de perto tão diferente das outras pessoas.
- Silêncio. – Eu pedi energicamente. Não iria agüentar ouvir aquela história. Eu previra esse desenvolvimento minutos atrás.
Ele me ignorou completamente.
- E eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Me sentia culpado por trair o que tomei como objetivo de vida. Eu deveria matar você, deveria sentir-me aliviado por fazê-lo, deveria tomar de volta o que sempre me pertenceu.
Coloquei meu braço por cima dos meus joelhos e apoiei a cabeça nele, foi a maneira que encontrei de conseguir ficar com o rosto erguido. Foi quando encarei o verde vivo dos olhos do Sam.
- Eu não consegui me sentir assim, Mel. De repente, não era mais capaz de sentir a felicidade correndo por mim ao vê-la morta em minha mente. E eu senti angústia, decepção, raiva... Uma mistura de emoções que desembocavam sempre no que eu deveria fazer, mas sabia que não conseguiria.
- Pobre Sam. – Eu ri da minha ironia. Era inacreditável que, agora, ele era o bom moço. O herói que tinha um dever a ser cumprido, mas que era incapaz de fazê-lo porque, de repente, se viu apaixonado pela mocinha. Tão clichê, tão detestável.
- Eu sei o que você está pensando.
- Não sabe.
- Sei. Não é difícil te decifrar.
Não contra-argumentei. Ainda estava juntando forças para me levantar e ir embora dali, só estava esperando que ele acabasse de me exterminar. Não sobraria mais nada quando ele terminasse e eu sabia que não havia nada que ele dissesse que poderia evitar meu esfacelo. Era isso, fim.
- Não quero ser o bonzinho, não quero ser o sofredor. Não sou o herói. Sou apenas humano e miserável. Quis contar diversas vezes a verdade e tive medo. Ao contrário de você, sou fraco e covarde. Você foi a única pessoa que me fizera admitir isso para mim mesmo.
- Terminou? Posso ir agora? – Minha mais nova tática impensada era a apatia. Não sou o tipo de pessoa que gosta de demonstrar fraqueza em qualquer situação. O choro foi involuntário e, agora que o choque já havia passado, era mais fácil juntar meus pedaços até que, pelo menos, eu pudesse chegar em casa. A verdade é que eu não queria que ele visse a maneira que me destruiu.
- Não, você é o meu veneno.
Eu me desconcentrei novamente do quadro atual para poder imaginar o que essa frase deveria significar. Geralmente, seria uma coisa muito rude de se dizer a alguém, mas, para ele, parecia fazer algum sentido que eu não estava enxergando. Estreitei novamente os olhos para tentar observar meu reflexo no verde e, então, o conto da sereia surgiu em minha mente. Ele estava se referindo ao trecho que estava escrevendo antes que me ouvisse chegar no corredor.
- Preciso que me entenda.
- Não quero entender.
- Não quero que me perdoe, isso sim seria um absurdo pedir. – Ele aproximou-se com cautela. – Quero que me compreenda.
- E por que deseja isso? O que muda para você? – Fiquei satisfeita ao perceber que eu já recuperara a fala, era um bom começo.
- Carrego a vingança como motivo de existência, você sabe. Pensei que eu desapareceria depois que completasse o objetivo, almejo por isso há algum tempo, a vida me é muito dolorosa. – Ele respondeu calmamente. – Não posso atingir esse objetivo. Sou incapaz de matá-la. – Ele riu e afastou-se novamente. – Como última coisa, quero apenas que me entenda.
- Eu já disse que não quero entender nada. – Levantei-me em um movimento rápido, foi toda a força que consegui juntar enquanto estava no chão. – Você construiu um relacionamento comigo baseado em mentiras. Mentiu desde a primeira vez e nada me garante que não está mentindo agora. Não há como eu confiar que você não vai mais me seguir ou tentar me matar assim que eu cruzar essa porta.
- Eu já disse que não...
- E como posso acreditar no que você diz? – Eu repliquei em tom mais elevado. – Você é um mentiroso. Mentiu sobre você, sobre nós, sobre sua irmã...
Ele ficou de pé assim que ouviu essa última palavra. Suas mãos começaram a tremer de novo.
- Como você sabe sobre a Julie? – Ele perguntou assustado e, de repente, o entendimento passou por sua expressão facial. – Você me induziu a te levar lá de dia, não foi? Aproveitou a minha ausência para me investigar. – Alterou-se completamente em meros segundos. Agora exprimia uma raiva contida.
Eu me senti ofendida. Da maneira que ele dissera, parecia que eu havia feito o mesmo que ele. Eu apenas quis conhecê-lo melhor, entender seu problema, ajudá-lo e ele estava me colocando como uma perseguidora mentirosa. Não iria aceitar esse desaforo.
- Não tente me colocar no mesmo patamar que você! – Gritei severamente e ele ficou um pouco assustado com essa reação. – Eu não fingi meus sentimentos hora nenhuma! Não planejei te conhecer, te seduzir, te matar!
- E mentiu para mim da mesma maneira! – Ele respondeu com o mesmo volume de voz. – Falei várias vezes para que evitasse interagir comigo durante o dia e o que você fez? Estava se encontrando comigo às escondidas de mim mesmo!
- Já chega. – Eu levantei um pouco o queixo para tentar amenizar a diferença entre nossas alturas. – Não se atreva a refletir seu erro em mim. Minha mentira não é nada comparada aos seus assassinatos premeditados.
- Isso nunca daria certo. – Ele olhou os próprios pés e balançou os cabelos finos e brilhantes.
- Não. – Eu concordei. – Não se pode construir nada em cima de mentiras.
Ele apenas acenou com a cabeça.
- Deixe-me ir.
Novamente, ele não disse nada. Tirou a chave da porta dos bolsos e girou-a dentro da fechadura. A porta abriu-se com suavidade. Ele não levantou a cabeça nenhuma vez para poder me olhar nos olhos uma última vez.
- Ah. – Eu disse antes de colocar o corpo totalmente para fora do apartamento. – Se você ousar pular da sua sacada para a minha, juro que chamo a polícia.
- Não vou desistir de você.
- Está avisado.
Dei as costas e não olhei nem uma vez para trás.
Fim da parte 1
Nota da Autora:
Ajude INVERSO a ser publicado! Clique aqui!
Obs: Farei a revisão do capítulo pela manhã ;) Qualquer erro de digitação será corrigido!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
39 comentários:
Tah perfeito mell...ameiii
Aiiiiiiiiiiiiiii meu Deeeus...
perfeitoooooooooooo!!
Sam:"Não vou desistir de você." =OOO
como assim???!!
Meeeeel, parabénss...
euuu sabia q ele tinha ido atras dela e tinah se apaixonadooo... aii!!!
Queroooooo a segudna parte logoooooooo *-*
meu Deus cada dia que passa isso pega fogo
ansiosissima para a parte 2
by Carol Winchester
OMG!!!!!!!!!!! eu adoro essa história... não demore muito em postar as outras partes, ok?
Cada vez melhor,Mel!
Quero o próximo!
=D
AMEEEEEEEEEEEEEEEI *____________________*
eu vo chorarrrr
aaaaaaaaaa que muito triste D:
ansiosissima para a parte 2 +1
eunãoaguento!!! não vou aguentar tanta emoção...
omg, por favor, Mel não demore a postar.
Não terei mais unhas de tanta angústia.
bjos, Lu Freitas.
que tristeeeeee
OMG
Mell pelo amor de Deus posta a parte dois antes que eu morra
OMFG! Muitooo bom!!! NÃO demora pelo amor de Deus e pelo bem da minha saude!...
ah eles brigaram, nao nao nao nao nao nao nao t.t
meu coração partiu junto t.t
Agora você me deixou muito mais ansiosa, legal :(
Meeeeeeeeeeel, nao demore a postar, por favor D:
Odiei isso de repor aula em sabado, é um saco!
Boa sorte
Beijos
Aii que lindooo chorei litros do começo ao fim T_T
Cara, bem que eu tive a impressão que o pai da Mel tinha alguma coisa relacionado à esse mistério. Por um momento eu não quis acrediatar que o Sam poderia estar vigiando ou arquitetando alguma coisa contra a Mel, mas acabei de vêr que eu estava indo no caminho certo. Percebi isso quando os dois começaram a falar sobre a morte dos pais e no dia a invasão ao apartamento da Mel, quando ele le contou sobre sua vingança.
Mas fiquei triste por isso ter acontecido e vêr como a Mel ficou tão destruída. Espero que isso mude logo!
Mel você fantástica. Poxa continue postando os outros capítulos, quero continuar me surpreendendo e vêr se as minhas teórias estão indo no caminho certo, rsrsrsrs!!
Beijossss Querida!!!
aaaah ansiosissima para a parte 2 +2
aah não demora pra postaaar!
:D
amei amei amei!!
mentiras envolventes são uma trama interminável!
nossaaaa amei!!
começei a ler este livro essa semana e já tô apaixonada com ele....
ai tadinha da mel...
ai posta logo a segunda parte, senão, eu tenho um torço
AAAAAAAAA num acrediito , ta q já dava pra ver q o pai dela tinha alguma coisa a ver, mas num dava pra imagiinar q seriia isso . ah chorei com a última parte ç_ç preciiso da parte 2 G.G
Deus... Não sei o que falar. Fiquei quase roxa, enquanto lia, por que não consegui respirar. Sinto o "buraco" dela em mim...
Deus... Não sei o que falar. Fiquei quase roxa, enquanto lia, por que não consegui respirar. Sinto o "buraco" dela em mim... +1
demais ♥
CHOREEEEEEI MUITOOOOOOOOO *_________________*
Kd o Resto não aguento mais de curiosidade!!
caramba, parece que eu tenho vindo aqui mais compulsivamente que antes HHDUOSAHDOAD
quero ler o próximo cap DD:
Começei a gostar mto de The Final Countdown por causa da história... Já tinha ela no pc mas nunca dei mta bola... kkkkk... Aii tá ficando cada vez mais intrigante essa históriaa *_* to ansiosa xD =****
Todo dia passo aki pra ver se att haja coração
by Carol Winchester
Aiiii meu Deus.
Meeel posta logoo, num guento mais nauuum...
to moooorrendoo de curiosidade.
*-*
:O :O , nossa , nossa :~
Choquei o.O'
By Hayetcha
Mel ,
Parabéns...tudo nessa história
é perfeito, voc sinceramente tem
o dom de escritora e se deus quiser
voc vai conseguir publicar Inverso e
muitos outras historias que escrever...
e pode ter certeza , tudo oque eu ver que estiver escrito Mel Grizzo na frente eu vou compra e ler com toda a vontade e dedicação que
eu estou lendo o Inverso !
Parabéns mesmo amiga !
Boa sorte em sua vida =D
muuuuuuuuuuuuuuuuuuito lindo! Chorei demaisss!
OMG; deu vontade de chorar *--*
que triste :(
Você escreve muito bem, vou evitar comparações, mas você pode facilmente entrar no "Hall" dos grandes escritores. Congratulations!!!
x.o.x.o.
Profundamente visceral.
Avassalador.
olha, são poucos os livros e historias que considero atraentes a ponto de ler, gostar e indicar. O seu me conquistou de imediato!Aparentemente vc deixou de postar...
Seja qual for o motivo, pense na possibilidade que suas postagens proporcionam ao leitores como por exemplo: alegria de praticamente gahnar o dia,ou curiosidade e por fim o desejo de qualquer leitor que é desvendar aos poucos os misterios de uma historia. Seu livro tem muitas qualidades e fãs,por tanto faça um esforço de retribuir tal apreço, acredito que ele deve jah está todo escrito,pois do contrario vc não teria um regsitro na Biblioteca Publica.peça a alguém que poste para vc,não perca a chance de dar felicidade a tantas pessoas lendo o seu livro. Parabéns
"Não vou desistir de você."
Morri...
muito lindoo *-*
Postar um comentário