quarta-feira, 22 de julho de 2009

Capítulo 9 - As Fotos Não Mentem Jamais (parte 1)

Sabe quando tantas coisas estranhas acontecem simultaneamente que você nem mais se espanta quando outra delas acontece? Eu estava me sentindo dessa maneira. Do mês passado para cá, tanto mudara em minha vida, igualmente no bom e no mau sentido, que eu não mais estranhava que meu pai estivesse junto com o pai do Sam naquela velha fotografia.

De certo modo, era bom saber que os dois foram amigos, que participaram do mesmo grupo de pesquisa, que se conheceram. Era, da mesma forma, bizarro pensar que, agora, os dois estavam mortos. Isso despertara minha imaginação. Pensei que se os dois estivessem ainda vivos, era provável que eu conheceria o Sam de qualquer maneira e que ele seria um só, que poderíamos ser felizes sem obstáculos.

Eu, sorridente, contemplei a foto por um momento, era difícil encontrar fotografias do meu pai lá em casa. Sarah havia guardado todas elas em uma gaveta a qual só ela possuía a chave. Ela não gostava de relembrar momentos com ele, custava a seguir a vida mesmo afogada no trabalho e era frágil demais para suportar as lembranças materiais. Ela já teria se mudado do apartamento se tivéssemos outro lugar para ir, mas papai deixou–o para mim e eu não iria vendê–lo.

A face dele na imagem expressava tanta felicidade, tanto calor humano. Se eu já estava custando a evitar as lágrimas ao pensar que tudo poderia ser diferente comigo e com o Sam, depois que eu vi a fotografia, foi quase impossível não evitar o choro. Era uma mistura de tristeza e felicidade ao mesmo tempo, mas o mais forte fora a surpresa, o inesperado de encontrá–lo ali, no escritório do avô Trent.

– Eu suspeitei. – Ele disse sereno depois de me observar por algum tempo e largou o porta–retrato em minhas mãos. – Você tem o mesmo olhar sonhadoramente esperançoso.

– Tenho? – Eu perguntei com a voz trêmula. Ainda estava me esforçando para não chorar. Se isso acontecesse meus olhos ficariam inchados e Sam poderia achar que o avô me tratara mal.

– Tem. – Ele sorriu. – Aquele mesmo olhar de quem flutua sem colocar os pés no chão e que acredita em um futuro mais agradável.

Aquele era o resumo de mim mesma. Era como eu me sentia agora. Eu não sabia se havia possibilidades de que o problema do Sam fosse resolvido, mas mesmo assim acreditava nisso fielmente.

– Então o senhor o conhecia bem?

– Era amigo do Felipe, veio aqui algumas vezes.

– Felipe... Pai do Sam?

– Sim. Era outro que não gostava muito da realidade. – Riu triste de si mesmo. Eu tinha a certeza de que a morte do filho também não foi fácil para o velho.

– Por que as grandes pessoas sempre se vão primeiro?

– Porque a humanidade não aceita se ver pequena. – Ele piscou para mim, então levantou a cabeça e olhou para trás. – Samuel! Eu estava justamente contando para a Mel como a sua tia Susan conseguiu essa medalha na natação! – Riu ao lembrar–se dessa história.

Sam sorriu ao lado da porta e veio na direção da estante das relíquias da família.

– E ela nadava tão bem quanto uma minhoca.

– Sim sim! Foi um feito inacreditável ela ter ganhado aquela competição! Está com fome, hein? – Ele usou a bengala para acertar o neto com leveza. – Gertrudes estava assando alguns bolinhos quando cheguei, vamos lá!

– Por que ela está daquele jeito? – Ele não se moveu com o avô e me encarou profundamente.

– Porque está com fome! Seu mal educado, se não oferecermos comida, ela vai achar que não te criei direito. – Bateu–lhe os joelhos com a peça metálica.

– Está tudo bem? – Ele chegou mais perto e perguntou preocupado.

– Está sim.

– Seus olhos estão brilhando.

– É que gostei muito de ver essas lembranças de família.

Eu percebi que ele não se convenceu, mas, como não era uma pessoa que gostava de insistir, apenas sorriu.

– Gosta de bolinhos?




A cozinha da casa Trent era muito arrumada, tinha um toque caipira com armários de madeira, um fogão à lenha, uma mesa enorme de carvalho no centro do lugar e cortinas xadrez. As paredes eram daquela espécie de tijolinhos amarelos que dão um ar aconchegante ao local. Pelo vidro da porta enorme eu conseguia ver o jardim dos fundos. Era exatamente como imaginei: muitas árvores, uma piscina grande e um lago a alguns quilômetros de distância.

Quando chegamos, a mesa já estava cheia de comida. Bolos, tortas, pães e sucos de variados sabores compunham a fartura de alimento. Gertrudes não estava mais lá.

– Gustav acabou de me avisar que a cozinheira espetacular que fez tudo isso teve que sair com urgência, mas que deixou tudo preparado. Então comam sem pressa! – Ele sorriu e agarrou um bolinho de cereja.

Sam e eu nos sentamos na beirada da mesa enorme. Para dizer a verdade, eu não estava com tanta fome, mas tudo estava tão bonito que era difícil recusar. Eu iria servir um pouco de suco de abacaxi quando ouvi um pigarro perto da porta que levava ao hall.

– Oh, Julie! – Cristian Trent exclamou feliz. – Achei que não viria!

– Não estou com fome. – Ela disse enquanto sentava–se na extremidade oposta da mesa.

– Tem certeza? Essa geléia de damasco está deliciosa.

– Obrigada, Cristian.

Ela me lembrou a Sofia ao chamar o avô pelo nome e não de “vovô”.

– Ele vai voltar? – Ela apontou o dedo para o Sam e indagou sem expressão nenhuma.

– Não. Queria que o avô conhecesse a Mel. – Sam respondeu sem olhá–la nos olhos.

Ela deu um sorriso enigmático, ainda mais misterioso que o que o outro Sam conseguia dar.

– Vocês não se encontraram enquanto eu estava no escritório?

– Sim. – Sam respondeu concentrado na própria xícara de café.

– E não conversaram?

– Não. – Desta vez foi ela, impaciente, quem respondeu.

– Depois querem me convencer de que já são adultos. Lembrei–me de que preciso dar um telefonema, tentem não demolir minha cozinha até eu voltar. – Ele arrastou–se com a bengala em direção à porta e sumiu.

Assim que ele saiu, ela levantou–se e sentou–se no lugar ao lado do Sam.

– Samuel, eu sei que não sou a sua preferida nesse momento e, pode ter certeza, de que você também não me agrada, mas preciso que me ajude a internar o Cristian.

– Você está fora de si? – Ele sibilou com ameaça. Foi a primeira vez que eu percebi a serenidade esvaindo–se dos seus olhos.

– Ele enlouqueceu, Samuel!

– Ah, claro. Tenho certeza que você é a mais mentalmente estável na família.

– Pare de tentar me ofender e me escute. Cristian está louco. – Ela sublinhou bem a última palavra. – Ele demitiu metade do grupo de seguranças no mês passado, começou a se comunicar no telefone com alguém que não quer me dizer e agora deu para conversar com as paredes. Ah! E teve aquele episódio no clube de golfe! O que você acha?

– Que você está delirando. Você não pode interná–lo, ele é nosso avô. – Sam respondeu com o tom de “é ponto final” e ela deu uma gargalhada alta.

– Então agora, só porque ela está aqui, você quer bancar aquele que se importa com a família? – Ela zombou, apoiou os dois braços no mesa e inclinou–se para frente. – Nós sabemos que não é verdade. – Sorriu ameaçadora, bem perto da face dele.

– Cale a boca. – Ele sibilou novamente, bem baixinho, quase arrastando as palavras e controlando a ira.

– Por quê? – Ela riu alto mais uma vez. – Não quer que ela saiba como você nos deixou depois que tentaram matar o Cristian? O quanto foi covarde?

Foi o limite para ele. Levantou–se com agilidade e fúria e segurou–a pelo pescoço. Com a mesma rapidez, ela puxou a arma de dentro das vestes e apontou para a cabeça dele.

Eu só fiquei lá, sentada, em choque. Além de ser uma situação extremamente incomum ver dois irmãos que, no meio de uma briga, tentam realmente matar o outro ainda havia o fato de que eu nunca havia visto aquele Sam transbordar de raiva. Sua outra personalidade era mais instável, poderia passar do humor para a raiva em dois segundos, mas este parecia ser tão controlado...

De repente, ele fechou os olhos e a soltou. Pela expressão em sua face, havia percebido que não conseguira dominar a raiva desta vez. A irmã, ao contrário, continuou com a arma apontada para a cabeça dele enquanto ele se sentou e retomou a xícara de café como se não estivesse sendo ameaçado de morte. Ela contorceu a face de fúria e suas mãos tremeram.

– Pare com o espetáculo, você não vai atirar. – Sam retomou a calma usual e bebeu um gole do café.

Ela piscou duas vezes e guardou o revólver.

– Verdade, não vou. Cristian não iria gostar se eu sujasse a cozinha com os seus miolos.

– É muito amor fraternal. – Eu disse baixinho, mas acho que Sam também ouviu porque sorriu com o canto dos lábios.

– Precisamos interná–lo, Sam. Se não fizermos isso, o pior vai acontecer, pode esperar.

– Esperarei.

Ela se irritou e saiu da cozinha sem sequer o barulho dos próprios passos. Era ágil e silenciosa, características quase perfeitas para pessoas que carregavam uma arma sob as vestes. Estremeci.

– Acha que já podemos ir? Não quer comer nada?

– Não estou com muita fome. – Sorri. – Vamos.

Passamos pelo hall de entrada onde Cristian ainda estava no telefone, mas pediu um tempo quando nos viu passar, perguntou por que íamos embora tão cedo, mas Sam disse que tinha outras coisas para fazer. Percebi, pela sua face, que estava aliviado por sair daquela casa e entrar novamente no carro confortável.

– Espero que não tenha se assustado com aquela cena na cozinha.

– Não, tudo bem...

– É sério, eu não tenho o hábito de agir de maneira tão grosseira. Julie me irrita.

– Ela te disse coisas bem desagradáveis, não havia como você reagir de outro modo.

– Talvez ela esteja certa. Talvez eu seja mesmo um covarde.

– Por que diz isso? – Eu perguntei encarando as árvores próximas do lugar onde estávamos estacionados.

– Meu avô sofreu um atentado no ano passado. Alguns homens tentaram invadir a casa no Vale e por pouco não o mataram, Julie intercedeu na hora exata e quebrou o pulso. Não adiantou muita coisa, fugiram.

Eu fiquei um pouco assustada com esse carma que leva sempre a família deles às histórias mais trágicas, mas, ao mesmo tempo, lembrei que esse momento, provavelmente, coincidiria com o tempo em que Sam matara o assassino de seus pais próximo a praia. Duvidei com seriedade de que essa invasão à mansão do Vale foi mesmo uma tentativa de assalto.

– Você não se machucou? – Eu perguntei preocupada.

– Não. Eu não fiz nada. Não sirvo para a violência.

– Isso não te faz um covarde.

– Eu me mudei. Mudei–me no outro dia e não quis aceitar as teorias de conspiração da Julie.

Agora eu entendia a raiva dela, ela se sentiu abandonada. Como se o irmão tivesse fugido e deixado toda a responsabilidade com a segurança da família para ela.

– É por isso que ela está irritada, não é?

– Sim, mas é passageiro. – Ele sorriu. – Julie e eu temos uma certa... rivalidade de opiniões.

– Como assim?

– Ela é maluca. – Ele riu de si mesmo.

Eu também achei graça. Naquela família, quem mais me parecera normal fora o mordomo. Entre o avô revolucionário, a neta que tem o tique nervoso de apontar a arma para a primeira cabeça que vê e o neto com duas personalidades inversas era extremamente irônico que um deles chamasse o outro de “louco”. E eu gostava daquela excentricidade toda.

– Tirando o nervosismo, ela me pareceu normal.

– Você não a conhece. Não a viu querendo me colocar contra meu avô?

– Ela parecia bastante preocupada.

– Teatro dela, Mel. Está querendo internar meu avô, veja só que absurdo. Ela sempre foi assim, com essas teorias conspiratórias. Sempre acha que estamos correndo perigo, que alguém quer nos matar, que precisamos ficar atentos a tudo e a todos. É uma lunática. Está paranóica, por isso me mudei de lá, é difícil se concentrar no violoncelo com alguém treinando pontaria de tiros no jardim.

Ele não sabia que, sua segunda personalidade, também fazia o tipo paranóico. Eu não o vira com uma arma ainda, mas o primeiro episódio que me vem à cabeça é aquele onde ele pulou da sacada dele para a minha porque as luzes apagaram e ele tinha certeza de que era porque alguém queria matá–lo e não, simplesmente, porque a energia havia caído.

– Mas ela é sua irmã.

– Isso não a faz estar certa. – Ele sorriu com serenidade.

Eu fiquei contente, foi a primeira vez que consegui conversar realmente com ele. Geralmente, era uma pessoa muito tímida e reservada, um homem de poucas palavras.

– Bom, eu gostei da sua família. – Dei de ombros.

Ele me lançou um olhar de desconfiança enquanto ainda estávamos parados com o carro no mesmo lugar.

– Não se assustou quando ela me apontou o revólver? – Ele perguntou com certo estranhamento. Não deveria saber que o maior susto eu havia levado quando ela apontou a arma para a minha cabeça. Provavelmente, ele não tinha conhecimento desse fato.

– Não. – Tentei responder com naturalidade.

– Também és um pouco doidinha, não é?

– Você nem imagina o quanto. – Eu sorri com maldade.

E era a verdade crua e nua. Se você não poderia chamar de doida uma garota que mantém um relacionamento com alguém que tem uma segunda personalidade com desejo mortal de vingança e uma família em que cada membro é mais exótico que o outro, não há o que se possa chamar de loucura.

Sam sorriu, eu gostava muito do sorriso malvado de humor negro que costumava dar à noite, mas esse sorriso calmo e simpático que dera agora poderia me fazer derreter. É de quebrar qualquer gelo.

Eu não percebi direito como aconteceu, talvez eu não estivesse prestando a atenção necessária, mas quando abri novamente os olhos e concentrei–me no momento presente percebi que o Sam estava perto, muito perto. Eu pude sentir sua respiração calma e o cheiro agradável do seu corpo entrou pelas minhas narinas. Nossos olhos estavam muito próximos e os cabelos negros dele roçavam em minha testa. A voz suave encheu os meus ouvidos.

– Eu poderia beijá–la agora...

Eu não disse nada, somente fechei os olhos. Para mim, era muito difícil manter a concentração e evitar o desejo de tê–lo sob a luz do Sol. Eu não estava mentindo quando eu disse ao Sam que não me importava com os limites que nosso relacionamento poderia ter, mas não podia negar que sentia a falta dele em todos os momentos em que o Sol me castigava.

– ... mas então qual seria o ápice do nosso primeiro encontro? – Ele sussurrou com suavidade e afastou–se.

Eu continuei petrificada no lugar onde eu estava. Eu estava tentando disfarçar o quanto eu queria aquele beijo, o quanto eu sentia que ele me pertencia, porém abri os olhos novamente quando senti o carro se movendo. Estávamos voltando para casa.

– Então vamos ter um encontro? – Perguntei recuperando o fôlego.

– No próximo sábado, o que acha?

– Sim, podemos almoçar. – Eu deixei bem claro a última palavra para que ficasse implícito que iríamos nos encontrar durante o dia.

– Tudo bem. – Ele deu de ombros.

Outra coisa que notei sobre esse Sam é que tinha facilidade em aceitar e ceder. Era bem educado da parte dele aceitar minha imposição do almoço, mas eu sentia falta dos jogos de palavras com a outra personalidade. O gostinho da vitória era mais saboroso. Ri de mim mesma ao pensar nisso, eu teria que aprender a parar de compará–los. Ele era a pessoa certa para mim, o resto não era importante.

Sam e eu paramos para tomar sorvete antes de voltarmos ao prédio. Foi divertido, conversamos bastante, rimos de algumas vitrines das lojas que ficavam próximas à sorveteria. Uma delas vendia produtos muito estranhos, coisas inúteis como patinhos de borracha com faces de celebridades. Eu queria muito, mas não tivemos um contato mais íntimo do que andar de mãos dadas rindo de alguns produtos bobos das lojas pelas quais passamos. Sam estava insistindo para termos um encontro formal, ele fazia o tipo romântico.

Quando nos despedimos no elevador do prédio e eu olhei pelas janelas do corredor para ter certeza de que já estava escurecendo percebi que estava encrencada. Ainda em nenhuma hora eu havia pensado em qual desculpa daria ao outro Sam para ter me metido tão profundamente em sua vida. Afinal, eu entrara em na casa onde foi criado, conhecera sua família e sua história sem que ele tivesse me dado permissão para tal.

Sentei–me no sofá olhando o anoitecer, era irreal pensar que havia mais possibilidades do que duas. E, entre essas duas, uma deveria ser escolhida: dizer a verdade ou mentir. É claro que omitir entrava na segunda opção, porque se omite, não conta a verdade e se não conta a verdade, mente.

Eu não achava certo mentir, não mesmo, mas eu tremi ao pensar na possibilidade de ele ficar enfurecido achando que eu o traí mesmo quando ele deixou bem claro que era melhor eu ficar afastada dele durante o dia. Ele poderia pensar que eu não estava satisfeita com nossos encontros à noite e ficaria ofendido.

Contar a verdade nunca é o caminho mais fácil, mas é sempre o mais correto, o problema é que eu era uma simples humana. E eu não fui corajosa o bastante. Talvez se eu pudesse mudar o passado, mudaria os caminhos dos acontecimentos que sucederam a partir de então, mas eu não posso. Se pudesse voltar atrás, eu certamente lhe diria a verdade, mas o tempo é uma rua só de ida.

– E então? O que fez hoje? – Ele perguntou depois de algum tempo que já estávamos espremidos no sofá vermelho.

– Nada de mais. – Eu menti. Eu poderia me enganar dizendo que eu havia apenas omitido, mas uma pessoa deve aceitar a responsabilidade sobre seus atos. Eu menti.

Somente depois dessa mentira aparentemente inocente é que lembrei que ele tinha o poder de sentir a minha presença mesmo quando era outra pessoa. Rezei para que não acontecesse no dia de hoje.

– Estou com uma sensação estranha. – Ele assumiu depois de outro tempo em que ficamos quietos sobre o sofá.

– Que tipo de sensação?

Ele franziu as sobrancelhas. Estava claramente fazendo força para lembrar algo.

– Como se eu tivesse ficado muito irritado com alguém hoje. Como se, por meros instantes, eu tivesse tomado o controle sobre meu corpo durante o dia. Faz sentido para você?

– Bom, talvez se você tiver ficado com raiva durante o dia... Pudesse despertar. – Fazia muito sentido para mim. Lembro perfeitamente bem que vislumbrei o olhar furioso deste Sam nos olhos do outro Sam quando segurou a irmã pelo pescoço. Cristian Trent tinha razão, a outra personalidade era como um sistema de defesa que ele encontrara. Quando se sentia ameaçado, ela aparecia.

– Interessante.

– Você se lembra com quem se irritou? – Perguntei como quem não quer nada.

– Tenho a vaga impressão de que... Não, esqueça. – Balançou a cabeça como de costuma, estava espantando uma má idéia.

– Quem foi?

– Ninguém.

Não tocamos mais nesse assunto durante o resto da noite. Era provável que se eu ficasse insistindo, ele descobrisse que eu estivera lá também.

– Quando quer continuar com as aulas de direção? – Ele perguntou bastante animado. Estava convencido de que era crucial a minha aprendizagem de como controlar um carro.

– Posso sentar no seu colo de novo enquanto você dirige? – Eu perguntei travessa.

– Pare de me provocar. – Ele riu alto. – Que tal amanhã?

– Por que você insiste tanto?

– Porque é necessário. Além do mais, eu me lembro de você ter prometido a sua mãe que levaria Sofia ao curso depois que tirasse o gesso.

– Odeio quando você está certo.

– Ah pare com isso. – E deu o usual sorriso malicioso. – Você não me odeia sempre.




Domingo é um dia regular. Apesar de fazer parte do final de semana, não há como evitar aquela passageira depressão do “amanhã é segunda–feira”. Impossível pensar no domingo como um dia livre depois que você se lembra – e faz uma careta – quando lembra do dia seguinte.

Não é que a segunda–feira seja ruim ou que eu acredite em horóscopos que azaram esse dia. O grande fato é que há o que fazer e o problema é que humanos são controversos. Nos finais de semana que deveriam ser os dias livres de ação, queremos fazer alguma coisa, em dias de semana, não queremos fazer nada. Por isso a segunda–feira é irritante. Quem quer estudar em uma segunda–feira?

Bom, na verdade, eu não sei quem teria esse desejo exótico, mas o caso é que não existe escolha. Ninguém quer, mas todos vão para a escola.

– Preciso de descanso. – Rebecca decretou enquanto jogava os livros pesados em cima da carteira ao meu lado.

– Só daqui a quatro dias. – Eu respondi desanimada. Por incrível que pareça, eu estava ansiosa pelo meu encontro no sábado e, ao mesmo tempo, estava me iludindo ao pensar que Sam não desconfiaria nada. Eu era uma tola.

– Por que segundas–feiras sequer existem? Diga–me quem inventou esse dia e eu esgano.

– Por que está tão nervosa? O que andou aprontando ontem? – Era fato que ela nunca se sentia bem humorada durante uma segunda–feira, mas a irritação me parecia demasiada para quem acabara de sair de um suposto dia livre.

– Não quero te contar, estou envergonhada de mim mesma.

– Agora mesmo é que eu quero saber. – Eu ri alto, eu tinha a consciência de que Rebecca não guardaria isso dentro de si por muito tempo.

– Promete não me julgar?

– Estou começando a ficar assustada. O que você fez? Escondeu um cadáver?

– Fui ver o Lean jogar futebol.

– Eu achei que ele jogasse só basquete. – Franzi as sobrancelhas diante da novidade.

– A Gabriela me passou a informação do futebol com endereço e tudo o mais.

– Como ela sabia disso? – Achei estranho que eu, uma das melhores amigas dele, não tivesse a mínima idéia das habilidades esportivas do Lean, mas uma quase estranha era completamente informada.

– Ela me disse que o irmão dela joga junto com ele, mas eu tenho quase certeza que ela é do tipo perseguidora.

Fiz uma careta. Lean sempre teve a má sorte de ser o ímã de garotas perseguidoras, aquelas que rastreiam tudo o que ele faz e as cuecas que veste. O que eu tinha acabado de reparar, contudo, era que Rebecca também estava seguindo esse caminho.

– Engraçado você reclamar disso...

– O que? Eu não estava seguindo...

Eu sorri e balancei os ombros, era claro para mim que ela não fora ao campo pelo interesse no futebol.

– Eu me interesso por futebol.

– Certo. E quando começou a mentir? – Eu ri novamente. Era um absurdo que minha melhor amiga achasse que eu iria cair nessa.

– Tudo bem, eu admito. Fui ver o Lean jogar. Suado, sarado, sem camisa...

– Pare já.

– Você não queria a verdade?

– Não precisa dar detalhes.

– Não são detalhes, são os 3 “S” fundamentais. – Ela arregalou os olhos e piscou para mim com muita seriedade.

– Diz que pelo menos prestou atenção no jogo e não nos jogadores.

– Bom, minha atenção pode ser facilmente dividida. – Ela sorriu. – Também me ative à partida. Lean conseguiu acertar a trave sete vezes. Existe azar maior? Isso deve ser alguma espécie de recorde.

– Você está mesmo gostando dele, não está?

– Não. Ele só está me atraindo ultimamente. Não sei o que está acontecendo comigo. Eu culpo os hormônios.

– Eu culpo os homens. – Eu disse desiludida.

Era muito frustrante que, enquanto meus dois melhores amigos insistiam em brincar de gato e rato, meus problemas ultrapassassem qualquer limite já esperado por mim. Era culpa do Sam, definitivamente era culpa dele. Dele e de seu poder de fazer meu mundo girar. Agora eu já me sentia suja. Me sentia a mentirosa imunda que o traía com ele mesmo. E eu conseguia colocar um fim nisso? Eu tinha forças para escolher um dos dois e ficar quieta? Não, eu era tola o bastante para me envolver duas vezes com a mesma pessoa que era duas diferentes. E isso nem sequer fazia sentido.

Outro problema maior, é claro, seria o perigo invisível que eu e minha família estávamos correndo. Eu não poderia vê–lo ou saber quando ou como viria, mas eu sabia que estaria lá. Agora eu já tremia a cada vez que as luzes piscavam, colocava a cabeça entre as frestas da porta a cada vez que entrava em casa para me checar de que tudo estava da maneira que eu havia deixado antes. Eu não mais conseguia ignorar os avisos de que o problema estava vindo, muito menos conseguia esquecer as palavras do Trent “tome muito cuidado com ele”, “a segunda parte é sempre destrutiva e perigosa”.

Além disso, ainda havia o problema da fotografia. Quando a vi na estante do Cristian, não pensei direito no que isso representava, mas lembro–me muito bem de que, depois que o Sam fora embora à noite, pesquisei melhor na internet para juntar algumas peças do quebra–cabeça.

Aconteceu na noite anterior, Sam despediu–se de mim com um beijo quente depois que decidimos que levaríamos Sofia ao curso no dia seguinte, hoje. Eu tentara dormir, mas as imagens passavam em minha mente de forma que eu não mais conseguiria ignorar. Usei meu computador para pesquisar sites onde os nomes do meu pai e do pai do Sam apareciam juntos.

De fato, pude encontrar alguns lugares interessantes, grupos de pesquisas, trabalhos em grupo na época da faculdade, mas não foi isso o que me deixou assustada. Eu não sabia exatamente os nomes das outras pessoas que estavam naquela mesma foto, mas imaginei que seriam aquelas que participavam desse tipo de grupo. Dentre todas as pessoas que tiveram seus nomes pesquisados por mim, poucas não estavam oficialmente mortas ou desaparecidas. Isso incluindo, é claro, meu pai e o do Sam.

Isso me deixou ainda mais convencida de que havia uma lista. Fazia muito sentido para mim que essas pessoas que foram capazes de destruir a família do Sam estavam à procura de algo – e a bagunça que fizeram no meu apartamento fora prova disso – eu só precisava saber o que era. O que me deixava em alerta é que fazia ainda mais sentido pensar que o que eles queriam estava na encomenda que meu pai me deixara. Ou seja, se soubessem da minha data de aniversário, era provável que eu fosse a próxima vítima.

Seguindo essa linha de pensamento que eu sabia que Sam já deveria ter entendido há muito tempo, era provável que se eu contasse a Rebecca todos esses problemas, ela sentiria vergonha de relatar os joguinhos sentimentais bobos entre ela e o Lean, mas eu não disse isso para a minha melhor amiga.

– Por falar em homens, eu encontrei com o Sam neste sábado. – Ele informou sem ter idéia do que isso significava. Foi a minha vez de suar frio novamente.

– Você falou com ele?

– Claro, o vi, não sou mal educada, fui lá cumprimentar!

– Quando foi isso?

– Sábado à tarde! Ele estava em uma lanchonete conversando com uma ruiva.

Foi automático prender a respiração ao ouvir a palavra “tarde”. Eu não sabia o que responder, engoli seco.

– Sabe o mais engraçado? – Ela disse ainda sorrindo por causa da coincidência. – Ele pareceu não saber quem eu era!

16 comentários:

MoRaNg disse...

muito massa

Sonia Maria Souza disse...

aiiiiiii quero maisssss

Myh Cabral disse...

mel...so uma coisa pra te fala: vc e talentosa de mais....putz...sua escrita e impecavel suas ideias...são maravilhosas...

vc e d+ linda....

Anônimo disse...

Adorei estou loucamente ansiosa por mais... pelo amor de Deus não demore muito em postar mais, estou apaixonada por essa história!!!!!!!!!!!!

Debora Ferreira disse...

MAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAIS, please !

# nathielly disse...

Quaaase que eu morri. passei um tempo sem net. e a unica coisa que eu senti falta foi o INVERSO. todo dia eu pensava: - Aii, já devem ter uns mil posts que eu não lii. Buuua!
mas too de voolta.
A Julie é terroristaa! usahsuahs'
Ta de parabéééns , Mel!

Unknown disse...

Nossa fui pega totalmente de surpresa , ñ esperava o post.Otima surpresa ! Amei pra variar, continue assim !
Beijos!

Drika disse...

Adoreiiii, você como sempre deixando um suspense no final. Haja coração!!

Beijossss Mel e não demore!!

Anônimo disse...

Muitoo bom!

=D

Anamaria Cruz disse...

Você tem feitiche por nos deixar sempre curiosas não é? Definitivamente você nao sabe como é ruim entrar todos os dias pra ver se tem posts e ver que nao tem, mais quando tem agente pula de felicidade (pelomenos eu sou assim). Mas parabéns mel, você escreve milimetricamente, perfeitamente bem. Esperarei até o fim da semana então :D

Anônimo disse...

By: Alessandra

Mais capitulo perfeito!!!

são tantas dúvidas que vc nos deixa!!

Qm tentou matar Mel?
Pq não entraram no quarto da Sofie?
oq tem no pacote do pai da Mel?
O Sam vai er um só de novo?
Os amigos da Mel vão descobrir??


aaiinnnnn quero logo essas respostas!!!!


parabéns!!

^^

Andressa disse...

Hoje é domingo. Fim da semana. Quero o post.

Não vou elogiar você. Falar que você escreve maravilhosamente bem, nem que você tem o poder de nos prender ao texto. Nos fazer sentir medo, sentir alegria, tristeza, e tudo o que o protagonista sente. Não vou falar que sou super fã da sua história e da sua escrita. Muito menos que sou sua super fã. Tabém não vou falar que ficamos desesperadas quando não tem post muito menos da alegria que sinto quando vejo que o blog foi atualizado. Se eu falasse tudo isso, você ficaria convencida. Por isso, só vou falar [mais] uma coisa: QUERO POST!!!!!!!!!!!!!!!!!!

christiny disse...

por favor post o capitulo 9 parte 2... estou super curiosa para saber oq vai acontecer

Ju Fuzetto disse...

Mellllll, aiiiii que curiosidadeeeee!!!!!
Amei tudo como sempre!!
Escreve maissssssss
Beijos flor

Mylena Furtado disse...

AMEI, pra variarr. Virou uma das minhas escritoras favoriiiiiitas !

dafine disse...

caraaaaaaacaaaaaaaaaaaaaaaa

compraria esse livro agorinha mesmooo!!!!!!! vc é demais!!!! essa sua estoria me encantaa!!!


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