quarta-feira, 17 de junho de 2009
Sofia estava de braços cruzados me encarando com ferocidade, Noah ao seu lado.
- Sarah não vai gostar de saber disso.
- Como foi o passeio? – Perguntei sorrindo e ainda um pouco tonta. Eu não iria ameaçar a minha irmã ali, no hall do edifício.
- Ah, foi ótimo! – Noah respondeu animadamente. – Você acredita que a sua irmã nunca tinha andado no carrossel?
Os olhos de Sofia flamejaram ao ouvir essa palavra.
- Mesmo? – Sorri em desafio.
- Sim, sim. Por isso a fiz ir no brinquedo pelo menos três vezes.
- Que ótimo!
Ela tentou beliscar minhas costas, mas eu me desviei em um movimento rápido. Estava claramente com o humor pior do que o habitual e, provavelmente, não iria esquecer que lhe deixei com um estranho a noite toda e que, pior, este a obrigara a brincar em um parque de diversões.
- Bem, é hora de ir andando. – Ele respondeu sorrindo. Aproximou-se de mim e beijou-me o rosto. Senti a mão de Sam apertar minha cintura. – Até outra hora, Mel, avise se quiser me acompanhar ao planetário qualquer dia desses. Até amanhã, Sofia. – Acenou com a cabeça para o Sam que o encarava muito desconfiado, deu as costas e saiu do prédio andando calmamente.
- Não gosto desse cara.
- Nem eu, ele acha que entende da Teoria das Cordas. – Sofia respondeu irritada.
Eu soube que, definitivamente, eles não desgostavam do Noah pelo mesmo motivo.
- Ótimo. Vai demorar quarenta horas, vamos pela escada. – Ela disse ao contemplar o display luminoso do elevador próximo da gente e verificar que ele estava parado no sétimo piso há um tempão.
- Não posso ir pela escada! – Eu argumentei apontando meu gesso. – Não deve demorar tanto tempo. – Eu disse me referindo ao elevador, mas ela não me deu atenção, virou-se e subiu o primeiro degrau. – Você não vem com a gente?
- E acompanhar o Ken e a Barbie Califórnia? Oh não, acho que infelizmente vou perder toda essa diversão. – Ela disse de uma maneira muito rabugenta e subiu com firmeza sem olhar para trás.
- Essa menina está precisando de uns limites. – Bufei irritada. Tinha deixado passar um monte de frases malcriadas a fim de evitar um confronto, mas estava difícil agüentar se ela continuasse dessa maneira. O que me acalmou foi pensar que a raiva dela não era comigo. Bem, pelo menos não inteiramente, quero dizer, tenho certeza de que amanhã um carrossel vai ser atingido por um projétil “misterioso”.
- Ela está só nervosa. Eu não a culpo, agüentar a companhia daquele loirinho a noite toda deve ser uma tarefa árdua. – Sam sorriu maliciosamente.
- Você está com ciúmes?
Eu não iria defender o Noah, mas ele tinha me feito esse enorme favor então eu preferi só mudar um pouco o foco da conversa.
- Dele? Se eu estivesse com ciúmes de um bode loiro poderia ser mais provável.
- Que bonitinho! Você está com ciúmes! – Falei justamente porque percebi que isso o irritava.
Finalmente o elevador saiu do sétimo andar e os números começaram a decrescer. Talvez Sofia estivesse errada desta vez, não demorou tanto tempo assim e, para falar a verdade, eu não ligava a mínima. Afinal, só eu estava com as chaves de casa.
- Como se tivesse motivos... – Ele respondeu com aquele sorrisinho sarcástico que eu tanto odeio, ou talvez ame, não sei.
- O quê, você está insinuando que eu não teria coragem de ir ao planetário com ele? – Eu já mencionei que odeio quando tentam me restringir? Se me proíbem de fazer algo, tem alguma força oculta do universo que me atrai para aquilo. Esse poderia ser o motivo pelo qual eu não me distanciei do Sam em primeiro lugar.
- Não que você não tenha coragem. Sei que você não quer. – Ele piscou e sorriu como se estivesse se divertindo da minha cara de quem não sabia o que responder. Era totalmente verdade. Eu poderia muito bem aceitar o convite do Noah, afinal, ele era bonito, parecia ser bem divertido e me fizera um grande favor, mas o problema é que eu não queria. De alguns dias para cá, era como se não houvesse outros caras ao redor.
O meu outro problema é que eu não queria admitir isso. Não para ele. Sim, talvez eu tenha um pouco de orgulho demais ou simplesmente odeio me dar por vencida, o fato é que eu não queria me expor dessa maneira. Eu não sabia exatamente quais caminhos estávamos seguindo e também não tinha tanta certeza se o que eu sentia era real, se duraria, se seria uma chama que não se apaga.
Minha grande sorte é que, nessa mesma hora em que fiquei milésimos de segundos sem reação, a porta do elevador se abriu e umas quatro ou cinco pessoas saíram de lá rindo e conversando alto. Nos cumprimentaram brevemente e saíram do hall continuando a conversa animada.
Eu entrei na frente e Sam adentrou o elevador amplo logo atrás. De repente, senti algo que talvez sentira poucas vezes antes. As portas fecharam-se e me dei conta de que estávamos ali, um frente ao outro e eu de costas para o grande espelho que havia na parede de trás. Não pude me conter.
Segurei sua jaqueta com força e toquei-lhe os lábios onde pude alcançar. Ele correspondeu ferozmente ao meu estímulo e me prensou contra uma das paredes laterais do lugar. Minhas mãos correram por sua nuca e agarraram seus cabelos enquanto explorava a sua boca com vontade, ele só apoiava as duas mãos na parede ao meu redor, eu tinha percebido que às vezes ele se segurava para não perder o controle delas.
Definitivamente ele tinha alguma coisa que me atraía, uma força magnética de outro nível, outra imensidão. Abri meus olhos por um instante e contemplei o número dois no painel luminoso, teríamos pouco tempo. Voltei a beijá-lo com força, não sabia quando o veria de novo.
Talvez eu estivesse levando as coisas um pouco a sério demais do que deveria, quero dizer, não tínhamos resolvido nada essa noite, aliás, em um ponto de vista, havíamos complicado tudo. Meu corpo estava respondendo de maneira como nunca havia respondido antes, por exemplo, qual é essa de as pernas fraquejarem? Quero dizer, que diabos é isso? E eu duvidava muito de que o motivo era apenas hormonal, meu coração também batia como se fosse saltar para fora a todo instante. Decididamente não era só o físico.
Ouvi um curto bip do elevador que tinha chegado ao andar certo e que, logo as portas, se abririam. Minha irmã não tinha como entrar em casa, então provavelmente estaria no corredor acompanhada por todo o mal humor adquirido, ironicamente, em um parque de diversões. Por esse motivo, nos soltamos imediatamente ao ouvir o barulho.
Sofia estava mesmo lá na porta, exatamente de frente para nós dois, desviando o olhar desconfiado de mim para o Sam e vice-versa. Eu dei uma olhada de canto de olho para o homem ao meu lado, seu cabelo estava uma completa bagunça, mas nada que fugisse muito ao normal. Ele tinha os cabelos de tamanho médios e lisos então, por mais bagunçados que pudessem ficar, nunca ficariam tão “arbustosos” como os meus tinham a capacidade. O máximo que acontecia agora é que alguns fios estavam jogados pela testa, quase cobrindo seus olhos de dor da esperança.
- O que estavam fazendo?
- Nada, vai entrando. – Abri a bolsa com rapidez e joguei-lhe a chave, ela segurou com um movimento rápido, mas não parou de nos observar.
- Por que parece que você correu?
- Sofia, entra. – Respondi com seriedade. Isso deve tê-la feito perceber que eu não estava brincando. Eu a chamei pelo seu verdadeiro nome e não por “Sofie”, um apelido carinhoso.
- Sarah vai perguntar sobre você em menos de dez segundos e hoje eu não estou com bom humor para te salvar. E tenho certeza de que existe a possibilidade de eu “deixar escapar” – e sorriu maliciosamente – o que eu vi lá em baixo. Se eu fosse você, entraria rápido. – Ela deu mais uma última olhada para nós dois, destrancou a porta do apartamento e entrou.
- Você se aproveitou de mim! – Sam me acusou com aquele sorriso de humor negro.
- Processe-me. – Desta vez fui eu que pisquei e entrei no apartamento. Flutuando como uma pluma.
O domingo amanheceu nublado, mas eu tinha a leve impressão de que não duraria por muito tempo, logo o Sol provaria seu lado maior e apareceria para iluminar o dia de todos os mortais. O fato é que eu estava tão feliz que nem me importei muito com o clima duvidoso, claro que eu certamente concordava com a idéia de que as mudanças no ambiente deveriam seguir o humor da pessoa em questão. O meu, no caso, estava brilhante, mas não se pode ter tudo.
Levantei-me com o barulho do despertador do celular, mas a verdade é que eu estivera acordada desde a hora em que os pássaros começaram a cantar. É claro que eu não esquecera que eu tinha problemas e, aliás, muitos. Dentre eles, coisas confusas, como ter um namorado especificamente noturno, e coisas perigosas, como estar sendo seguida por alguém que parece ser invisível. De repente, minha felicidade era tanta que eu simplesmente fechei os olhos e pensei um “dane-se” e tentei me concentrar nas coisas boas.
Uma delas, é lógico, fora as palavras que ele me dissera logo antes de nos beijarmos a primeira vez. Além de elas terem cravado as unhas no fundo da minha alma, também havia o fato de que era a primeira vez que eu pude realmente sentir que ele estava sendo ele mesmo. Não que ele não fosse ele mesmo a maior parte do tempo, ou talvez ele não seja ele mesmo a maior parte do tempo já que costuma aparecer só a noite, mas não foi isso o que... Ah, confuso demais. A questão é que quando ele conversa comigo está sempre com aquele humor divertido e brincalhão ou, quando fala de coisas desagradáveis como o crime que cometera ou a morte dos pais, parece simplesmente vazio, mas naquele momento não. Quando ele me disse aquelas palavras eu pude realmente sentir que estava ouvindo a essência de seu ser, como se não houvesse mais cascas, era aquilo e só. Pude sentir que ele não estava dissimulando ou se escondendo por trás da feição fria que muitas vezes demonstrava, estava só sendo sincero e expondo o que realmente sentia, isso bastava.
E, de repente, me senti cheia por um sentimento embriagante, como a última gota de orvalho sob o sol do meio dia, como a última estrela que brilha em um céu nublado, esperança. Eu não sabia como, mas simplesmente carregava comigo a fé de que conseguiria mudar as coisas, conseguiria ultrapassar todos os problemas e, no final, não haveria mais obstáculos.
A musiquinha do alarme do celular me interrompeu, ouvi um trecho de “The winner takes it all”, colocava algo calmo para começar o dia. Levantei-me em um pulo, mas outra coisa no aparelho me chamou a atenção, havia outra mensagem não lida:
Mel,
Levei a Becca embora daquele lugar, tive o azar de a gasolina acabar no caminho, mas está tudo bem. Logo ela estará em casa.
Lean
Pobre Lean, do jeito que as coisas estavam se passando nos últimos dias eu estava começando a achar que Rebecca poderia estar certa sobre sua falta de sorte. Balancei a cabeça negativamente, que pensamento bobo, esse tipo de coisa é só superstição. O recado foi bom para me lembrar de que eu deveria ligar para Rebecca urgentemente, mas estava com um medo sincero de que a música do toque da chamada fizesse sua cabeça explodir. Ela deveria estar em uma ressaca daquelas, mas arrisquei assim mesmo.
Chamou por algum tempo, mas pude logo ouvir uma voz rouca do outro lado da linha:
- Mel? Você não acha que deveria esperar amanhecer antes de ligar para alguém em um domingo?
- Já amanheceu.
- O verbo “amanhecer” implica que o dia só começa depois das onze.
- Bom dia, mal humorada! – Eu disse tentando reunir toda a animação possível em uma só frase.
- Bom dia... – Ela disse com a voz ainda preguiçosa. – Conte-me o que aconteceu ontem enquanto eu lavo o rosto para tentar manter meus olhos abertos.
- Não tem muito o que contar.
- Não tente me enganar, lembro de ter visto vocês dois conversando atrás de uma pedra. Agora parece que essa mesma pedra está no lugar da minha cabeça, céus! O que aconteceu comigo?
- Você não deveria ter bebido.
- Ele me disse que era quase sem álcool.
- Quase sem álcool? Você estava mais delirante que minha Tia Matilde em dia de casamento.
- Por favor, diga que eu não arremessei nenhum arranjo de flores no telhado.
- Não chegou a esse nível. – Eu ainda estava indecisa se deveria contar sobre o Lean ou se deixava essa bomba explodir longe das minhas mãos.
- Ainda bem.
- Não acho que transplante de fígado seja muito popular, sabia?
- Vou parar de beber, é sério. Não é que eu não consigo me controlar, é que ele me entregou a bebida e estava sorrindo e, Deus, como ele estava bonito. Eu achei mesmo que não tinha lá muito álcool. A partir de hoje, nunca mais.
- Ótimo.
- E então? Você não me contou como ele é.
Eu corei, jurava que havia conseguido pular esse assunto.
- Bonito e divertido, como você percebeu.
- Não quis dizer isso, sua boba. Perguntei sobre o beijo.
- Você viu?
- Há. Então teve mesmo um beijo! – Ela falou quase gritando e muito orgulhosa de si mesma. Eu geralmente não cairia nesta antiga pegadinha de palavras, mas estava distraída pela troca tão rápida de assunto que me desconcentrei. – Ele parece ser bem bom.
- Ei! Mal saiu o Sol e você já está acesa? Não vou falar disso.
- Você sempre corta a minha diversão.
- Você sempre faz perguntas indiscretas.
- Você está apaixonada, por isso não quer falar.
- O quê? – Eu esganicei por reflexo. Aquela palavra não me trazia mesmo boas lembranças. Era uma palavra que me parecia muito passageira e, talvez, eu quisesse que o que eu estava sentindo durasse para sempre.
- Se não quer comentar se ele beija bem, é porque está cega de amor. – Ela riu da própria frase do outro lado da linha. – Confesse.
- Não estou apaixonada. Eu só sinto que, pela primeira vez, encontrei alguém que me completa e que me compreende. Que principalmente me aceita e me quer como sou e eu também encontrei nele a fonte de emoção que estava procurando. Sem contar o fato de que só ele consegue ser tão frio e tão quente ao mesmo tempo de uma maneira tão... Tão...
- Definitivamente apaixonada.
Alguns dias se passaram e eu já estava mais próxima de saber o que realmente eu estava sentindo. Talvez fosse cedo demais para afirmar alguma coisa, mas eu sentia que o ar se esvaia aos poucos de meus pulmões quando ele não estava por perto. Era como se eu estivesse presa em uma bolha de amargura, como se já não soubesse mais como respirar ou para onde ir. Eu estava completamente entregue.
Ele freqüentava minha casa à noite, no tempo em que minha irmã havia ido para o curso e Sarah estava se entupindo de relatórios e matérias de jornal. Às vezes conversávamos sobre diversas coisas ou simplesmente ficávamos deitados no sofá da sala vendo televisão. É claro que, quando pegos desavisados e o desejo falava mais alto, nos perdíamos em alguns beijos rápidos e fortes. Como se eu nunca tivesse comido e ele pudesse satisfazer a minha fome, era urgente e indispensável, como se fosse vital.
- Você é que está se aproveitando de mim agora. – Eu disse finalmente, quando já tinha tirado sua blusa de frio. Estava chovendo naquele dia.
- Você sempre começa. – Ele sorriu. – Eu sei que você não resiste.
- Modesto, você. – Eu sorri de volta. – Se é assim, podemos parar com isso.
- Eu deixo você se aproveitar mais um pouco. – Riu e me abraçou. – Eu achei que ela tinha morrido. – Apontou para Kate Lúcia na televisão.
- Tinha, Maria Antonieta a empurrou numa lagoa e ela foi comida por um jacaré. Mas depois, ela passou por um transplante de cérebro e está de volta.
- Criativo.
- O mais bizarro é que já vi Sofie tentando fazer algo parecido. Com um rato e um bicho estranho.
- Ela é diferente, não é? – Ele disse, mas com muito divertimento.
Ultimamente ele fazia companhia à Sofie perto do anoitecer pouco antes de eu chegar em casa. Havia prometido à Rebecca que a ajudaria com os estudos, então estava chegando um pouco tarde. Sam entrava pela sacada e conversava com a Sofia às vezes. Ela, ao contrário de mim, não achava isso nem um pouco estranho apesar de que, na primeira vez, pensou que era algum ser extraterrestre tentando fazer contato.
Eles estavam se dando muito bem. Embora Sofia tenha adquirido uma antipatia sem razão logo no começo, aos poucos foi aprendendo a aceitá-lo e agora perguntava porque ele não aparecia mais cedo. Isso, de certa maneira, era um problema já que corria o risco de que ela o encontrasse no hall ou no elevador quando ele estava fora de si e fazer algum comentário que poderia lhe gerar dúvidas.
- Muito.
De repente, me peguei imaginando como todas as pessoas as quais eu me relacionava habitualmente eram “diferentes”. Sofie tinha todo aquele negócio do alienígena sem contar a genialidade, Rebecca era definitivamente uma tarada irrecuperável, Lean não poderia nunca contar com a sorte e Sam, bem, este não precisava nem comentar.
Eu ainda tinha umas dúvidas sobre ele, mas eu estava tentando evitar tocar nesse assunto. Eu havia percebido de que ele estava vindo me ver todos os dias da semana desde sábado, o que significava que abandonara, pelo menos por hora, o plano de sair caçando algum maluco por aí. O meu plano era tentar não tocar nisso até que eu tivesse a oportunidade de conversar com o Cristian Trent.
- Quer que eu a leve lá amanhã à noite?
- O quê? Onde? – Perguntei-me se andei pensando alto novamente.
- Tirar o gesso? – Ele me olhou duvidoso.
- Ah.
- Até parece que você não está ansiosa por tirar isso.
- Eu estou, por isso mesmo que eu vou logo amanhã à tarde!
- Por que não quer que eu a leve? – Ele às vezes entendia minhas frases do jeito errado.
- Não é isso, é que quero poder testar umas coisas.
- Tipo o quê? – Ele sorriu de um jeito meio safado.
- Tipo voltar a subir pelas escadas.
- Hum. Você deveria mesmo parar com essa bobagem.
- Você não gosta de entrar aqui pela janela? Eu gosto de subir e descer pelas escadas.
- Odeio quando você me deixa sem ter o que responder.
- Você também faz isso às vezes.
O que era justo era justo. Eu gostava de alfinetá-lo às vezes e ele também fazia o mesmo e, além do mais, eu não via porque ele precisaria me levar lá para tirar o gesso. Na verdade, eu estava tentando retardar um pouco esse momento. Sam havia desenhado nele.
Umas três noites atrás, ele pegara uma caneta tinteiro e começara a fazer rabiscos na superfície amarelada e quase lisa e, foi tão irritante, que só me deixou ver o desenho após que ele já tivesse terminado, quase meia hora depois. Valeu a pena ter esperado esse tempo com a perna parada, ele desenhara uma sereia linda se banhando à luz da lua, havia o mar, umas estrelas e tudo ficara tão perfeitinho que estava quase com dó de retirar o gesso. Imaginei se era possível pedir ao médico para ficar com o desenho depois que ele o tirasse. Tudo bem, eu também era “diferente”. Quem é que pede esse tipo de coisa a um doutor?
Enfim, eu queria muito continuar com aquela obra de arte no meu pé, mas a verdade é que aquilo pesava muito e eu estava ficando cansada de mancar a todo momento. Mal poderia esperar para me livrar daquilo e ter os pés livres para começar a chutar as pessoas que ficassem me encarando demais no colégio.
Embora o número de babacas que insistiam na idéia de que eu era uma agente secreta, uma terrorista ou simplesmente “a outra” havia caído, ainda havia pessoas que continuavam a me observar ou dar risadas quando eu passava, o que eu achava bem incômodo, mas já estava trabalhando em uma maneira de ignorar. Afinal, eu não poderia inventar novos palavrões para sempre.
Não é que eu achasse que é bonito ser tão rude, não me entenda mal, é só que situações extremas precisam de soluções extremas. Mesmo eu negando continuamente de que eu não era nada daquilo e, muito menos, havia feito alguma coisa notória, estudantes não desistiam de me lançar olhares de censura ou fazer questão de rir na minha cara. Tive que adotar uma postura mais radical, já que quando você xinga as pessoas no momento elas fazem essas “pequenas” coisas, você fica parecendo uma louca e todo mundo sabe que com louco não se discute.
Rebecca estava achando tudo isso bem divertido, às vezes ela me ajudava a espantar o povo lançando olhares “190” para os lados. Lean, ao contrário, ainda se sentia mortificado por, de alguma maneira, ter sido a fonte de toda a mentira, então ficava se desculpando ou me lançando olhares culposos. Sofia nem se importava, ela realmente achava divertido o fato de que alguém acreditava que eu havia sido capaz de lutar com um criminoso provavelmente sociopata.
O fato é que essa história já estava esfriando e eu sabia que, aos poucos, as pessoas esqueceriam de toda essa invenção. Além do mais, eu estava desconfiada de que alguns dos olhares não eram nem mais por causa disso, afinal, essa história já era “last season” de acordo com a Petry – que estava com uma pontinha de inveja por não ser mais o centro das atenções -, mas eu acreditava que alguns deles eram devido ao que Sam havia feito no sábado passado. Não é todo dia que alguém chama atenção daquela maneira em uma festa e, para dizer a verdade, eu nem me importava.
- Quem vai te levar lá?
- Aonde?
- No hospital.
- Eu vou de ônibus. – Ele abriu a boca para fazer uma objeção, mas eu completei logo. – Tenho ido de ônibus à tarde para estudar com a Rebecca todos os dias, não vai ter problema. Por que está perguntando?
- Achei que ele iria te levar.
- Ah,vai sim. E, no caminho, vamos fugir para casar no México. – Zombei.
Eu entendi o “ele”, por “ele”, Sam quis dizer “Noah”. Estava com uma crise de ciúmes fora do comum desde o dia que descobriu que Noah, às vezes, vinha nos visitar e trouxe uma caixa de bombons de amora com ele. Sofia o detestava por “ousar” discordar dela no projeto que estavam desenvolvendo juntos e, também, por aquele negócio do carrossel. Eu gostava dele, gostei também do chocolate.
Eu até compreendia o fato de Sofia odiá-lo por essas pequenas razões, afinal, ela era uma pessoa muito cheia de si e não tolerava quando alguém se atrevia a não concordar com a sua palavra, sem contar o fato de que era uma criança ainda. Agora, era meio difícil compreender todo esse ciúme repentino do Samuel. Não que eu não estivesse gostando, claro. Se ele passasse dos limites eu, certamente, iria colocar um fim nisso, mas ele só fazia aquela cara de quem estava emburrado, uma fofura. Ri ao pensar nisso.
- O quê? Não foi engraçado. - Ele falou quando eu me apertei mais ao seu corpo quente no sofá. Definitivamente precisávamos de um sofá maior.
- Não era para ser engraçado, eu estava falando sério.
- Ah, então você vai ser a Sra. Delli? - Ele cheirou de leve o meu cabelo, ele sabia que isso me fazia ficar arrepiada.
- Não, vou manter meu nome. – Eu sorri. Esse sobrenome do Noah era meio estranho.
- Você sabe que eu não vou deixar isso acontecer.
- O quê? Você prefere que eu troque?
- Estou falando do casamento, sua boba.
- Está ameaçando me raptar? – Estreitei os olhos com ameaça.
- Se for preciso. – Ele deu de ombros e riu alto.
Fim da parte 2
N/A (Nota da Autora): Queria pedir a ajuda de todos que estão lendo, é muito importante para mim essa história e eu quero continuar tendo estímulos para contá-la! Gosto muito de saber que as pessoas estão lendo e gostando. Por isso venho a pedir com carinho para que as pessoas que gostarem recomendem para outras pessoas. Quem sabe um dia eu não consigo publicar essa série? Preciso de vocês,
obrigada pela compreensão =)
- Sarah não vai gostar de saber disso.
- Como foi o passeio? – Perguntei sorrindo e ainda um pouco tonta. Eu não iria ameaçar a minha irmã ali, no hall do edifício.
- Ah, foi ótimo! – Noah respondeu animadamente. – Você acredita que a sua irmã nunca tinha andado no carrossel?
Os olhos de Sofia flamejaram ao ouvir essa palavra.
- Mesmo? – Sorri em desafio.
- Sim, sim. Por isso a fiz ir no brinquedo pelo menos três vezes.
- Que ótimo!
Ela tentou beliscar minhas costas, mas eu me desviei em um movimento rápido. Estava claramente com o humor pior do que o habitual e, provavelmente, não iria esquecer que lhe deixei com um estranho a noite toda e que, pior, este a obrigara a brincar em um parque de diversões.
- Bem, é hora de ir andando. – Ele respondeu sorrindo. Aproximou-se de mim e beijou-me o rosto. Senti a mão de Sam apertar minha cintura. – Até outra hora, Mel, avise se quiser me acompanhar ao planetário qualquer dia desses. Até amanhã, Sofia. – Acenou com a cabeça para o Sam que o encarava muito desconfiado, deu as costas e saiu do prédio andando calmamente.
- Não gosto desse cara.
- Nem eu, ele acha que entende da Teoria das Cordas. – Sofia respondeu irritada.
Eu soube que, definitivamente, eles não desgostavam do Noah pelo mesmo motivo.
- Ótimo. Vai demorar quarenta horas, vamos pela escada. – Ela disse ao contemplar o display luminoso do elevador próximo da gente e verificar que ele estava parado no sétimo piso há um tempão.
- Não posso ir pela escada! – Eu argumentei apontando meu gesso. – Não deve demorar tanto tempo. – Eu disse me referindo ao elevador, mas ela não me deu atenção, virou-se e subiu o primeiro degrau. – Você não vem com a gente?
- E acompanhar o Ken e a Barbie Califórnia? Oh não, acho que infelizmente vou perder toda essa diversão. – Ela disse de uma maneira muito rabugenta e subiu com firmeza sem olhar para trás.
- Essa menina está precisando de uns limites. – Bufei irritada. Tinha deixado passar um monte de frases malcriadas a fim de evitar um confronto, mas estava difícil agüentar se ela continuasse dessa maneira. O que me acalmou foi pensar que a raiva dela não era comigo. Bem, pelo menos não inteiramente, quero dizer, tenho certeza de que amanhã um carrossel vai ser atingido por um projétil “misterioso”.
- Ela está só nervosa. Eu não a culpo, agüentar a companhia daquele loirinho a noite toda deve ser uma tarefa árdua. – Sam sorriu maliciosamente.
- Você está com ciúmes?
Eu não iria defender o Noah, mas ele tinha me feito esse enorme favor então eu preferi só mudar um pouco o foco da conversa.
- Dele? Se eu estivesse com ciúmes de um bode loiro poderia ser mais provável.
- Que bonitinho! Você está com ciúmes! – Falei justamente porque percebi que isso o irritava.
Finalmente o elevador saiu do sétimo andar e os números começaram a decrescer. Talvez Sofia estivesse errada desta vez, não demorou tanto tempo assim e, para falar a verdade, eu não ligava a mínima. Afinal, só eu estava com as chaves de casa.
- Como se tivesse motivos... – Ele respondeu com aquele sorrisinho sarcástico que eu tanto odeio, ou talvez ame, não sei.
- O quê, você está insinuando que eu não teria coragem de ir ao planetário com ele? – Eu já mencionei que odeio quando tentam me restringir? Se me proíbem de fazer algo, tem alguma força oculta do universo que me atrai para aquilo. Esse poderia ser o motivo pelo qual eu não me distanciei do Sam em primeiro lugar.
- Não que você não tenha coragem. Sei que você não quer. – Ele piscou e sorriu como se estivesse se divertindo da minha cara de quem não sabia o que responder. Era totalmente verdade. Eu poderia muito bem aceitar o convite do Noah, afinal, ele era bonito, parecia ser bem divertido e me fizera um grande favor, mas o problema é que eu não queria. De alguns dias para cá, era como se não houvesse outros caras ao redor.
O meu outro problema é que eu não queria admitir isso. Não para ele. Sim, talvez eu tenha um pouco de orgulho demais ou simplesmente odeio me dar por vencida, o fato é que eu não queria me expor dessa maneira. Eu não sabia exatamente quais caminhos estávamos seguindo e também não tinha tanta certeza se o que eu sentia era real, se duraria, se seria uma chama que não se apaga.
Minha grande sorte é que, nessa mesma hora em que fiquei milésimos de segundos sem reação, a porta do elevador se abriu e umas quatro ou cinco pessoas saíram de lá rindo e conversando alto. Nos cumprimentaram brevemente e saíram do hall continuando a conversa animada.
Eu entrei na frente e Sam adentrou o elevador amplo logo atrás. De repente, senti algo que talvez sentira poucas vezes antes. As portas fecharam-se e me dei conta de que estávamos ali, um frente ao outro e eu de costas para o grande espelho que havia na parede de trás. Não pude me conter.
Segurei sua jaqueta com força e toquei-lhe os lábios onde pude alcançar. Ele correspondeu ferozmente ao meu estímulo e me prensou contra uma das paredes laterais do lugar. Minhas mãos correram por sua nuca e agarraram seus cabelos enquanto explorava a sua boca com vontade, ele só apoiava as duas mãos na parede ao meu redor, eu tinha percebido que às vezes ele se segurava para não perder o controle delas.
Definitivamente ele tinha alguma coisa que me atraía, uma força magnética de outro nível, outra imensidão. Abri meus olhos por um instante e contemplei o número dois no painel luminoso, teríamos pouco tempo. Voltei a beijá-lo com força, não sabia quando o veria de novo.
Talvez eu estivesse levando as coisas um pouco a sério demais do que deveria, quero dizer, não tínhamos resolvido nada essa noite, aliás, em um ponto de vista, havíamos complicado tudo. Meu corpo estava respondendo de maneira como nunca havia respondido antes, por exemplo, qual é essa de as pernas fraquejarem? Quero dizer, que diabos é isso? E eu duvidava muito de que o motivo era apenas hormonal, meu coração também batia como se fosse saltar para fora a todo instante. Decididamente não era só o físico.
Ouvi um curto bip do elevador que tinha chegado ao andar certo e que, logo as portas, se abririam. Minha irmã não tinha como entrar em casa, então provavelmente estaria no corredor acompanhada por todo o mal humor adquirido, ironicamente, em um parque de diversões. Por esse motivo, nos soltamos imediatamente ao ouvir o barulho.
Sofia estava mesmo lá na porta, exatamente de frente para nós dois, desviando o olhar desconfiado de mim para o Sam e vice-versa. Eu dei uma olhada de canto de olho para o homem ao meu lado, seu cabelo estava uma completa bagunça, mas nada que fugisse muito ao normal. Ele tinha os cabelos de tamanho médios e lisos então, por mais bagunçados que pudessem ficar, nunca ficariam tão “arbustosos” como os meus tinham a capacidade. O máximo que acontecia agora é que alguns fios estavam jogados pela testa, quase cobrindo seus olhos de dor da esperança.
- O que estavam fazendo?
- Nada, vai entrando. – Abri a bolsa com rapidez e joguei-lhe a chave, ela segurou com um movimento rápido, mas não parou de nos observar.
- Por que parece que você correu?
- Sofia, entra. – Respondi com seriedade. Isso deve tê-la feito perceber que eu não estava brincando. Eu a chamei pelo seu verdadeiro nome e não por “Sofie”, um apelido carinhoso.
- Sarah vai perguntar sobre você em menos de dez segundos e hoje eu não estou com bom humor para te salvar. E tenho certeza de que existe a possibilidade de eu “deixar escapar” – e sorriu maliciosamente – o que eu vi lá em baixo. Se eu fosse você, entraria rápido. – Ela deu mais uma última olhada para nós dois, destrancou a porta do apartamento e entrou.
- Você se aproveitou de mim! – Sam me acusou com aquele sorriso de humor negro.
- Processe-me. – Desta vez fui eu que pisquei e entrei no apartamento. Flutuando como uma pluma.
O domingo amanheceu nublado, mas eu tinha a leve impressão de que não duraria por muito tempo, logo o Sol provaria seu lado maior e apareceria para iluminar o dia de todos os mortais. O fato é que eu estava tão feliz que nem me importei muito com o clima duvidoso, claro que eu certamente concordava com a idéia de que as mudanças no ambiente deveriam seguir o humor da pessoa em questão. O meu, no caso, estava brilhante, mas não se pode ter tudo.
Levantei-me com o barulho do despertador do celular, mas a verdade é que eu estivera acordada desde a hora em que os pássaros começaram a cantar. É claro que eu não esquecera que eu tinha problemas e, aliás, muitos. Dentre eles, coisas confusas, como ter um namorado especificamente noturno, e coisas perigosas, como estar sendo seguida por alguém que parece ser invisível. De repente, minha felicidade era tanta que eu simplesmente fechei os olhos e pensei um “dane-se” e tentei me concentrar nas coisas boas.
Uma delas, é lógico, fora as palavras que ele me dissera logo antes de nos beijarmos a primeira vez. Além de elas terem cravado as unhas no fundo da minha alma, também havia o fato de que era a primeira vez que eu pude realmente sentir que ele estava sendo ele mesmo. Não que ele não fosse ele mesmo a maior parte do tempo, ou talvez ele não seja ele mesmo a maior parte do tempo já que costuma aparecer só a noite, mas não foi isso o que... Ah, confuso demais. A questão é que quando ele conversa comigo está sempre com aquele humor divertido e brincalhão ou, quando fala de coisas desagradáveis como o crime que cometera ou a morte dos pais, parece simplesmente vazio, mas naquele momento não. Quando ele me disse aquelas palavras eu pude realmente sentir que estava ouvindo a essência de seu ser, como se não houvesse mais cascas, era aquilo e só. Pude sentir que ele não estava dissimulando ou se escondendo por trás da feição fria que muitas vezes demonstrava, estava só sendo sincero e expondo o que realmente sentia, isso bastava.
E, de repente, me senti cheia por um sentimento embriagante, como a última gota de orvalho sob o sol do meio dia, como a última estrela que brilha em um céu nublado, esperança. Eu não sabia como, mas simplesmente carregava comigo a fé de que conseguiria mudar as coisas, conseguiria ultrapassar todos os problemas e, no final, não haveria mais obstáculos.
A musiquinha do alarme do celular me interrompeu, ouvi um trecho de “The winner takes it all”, colocava algo calmo para começar o dia. Levantei-me em um pulo, mas outra coisa no aparelho me chamou a atenção, havia outra mensagem não lida:
Mel,
Levei a Becca embora daquele lugar, tive o azar de a gasolina acabar no caminho, mas está tudo bem. Logo ela estará em casa.
Lean
Pobre Lean, do jeito que as coisas estavam se passando nos últimos dias eu estava começando a achar que Rebecca poderia estar certa sobre sua falta de sorte. Balancei a cabeça negativamente, que pensamento bobo, esse tipo de coisa é só superstição. O recado foi bom para me lembrar de que eu deveria ligar para Rebecca urgentemente, mas estava com um medo sincero de que a música do toque da chamada fizesse sua cabeça explodir. Ela deveria estar em uma ressaca daquelas, mas arrisquei assim mesmo.
Chamou por algum tempo, mas pude logo ouvir uma voz rouca do outro lado da linha:
- Mel? Você não acha que deveria esperar amanhecer antes de ligar para alguém em um domingo?
- Já amanheceu.
- O verbo “amanhecer” implica que o dia só começa depois das onze.
- Bom dia, mal humorada! – Eu disse tentando reunir toda a animação possível em uma só frase.
- Bom dia... – Ela disse com a voz ainda preguiçosa. – Conte-me o que aconteceu ontem enquanto eu lavo o rosto para tentar manter meus olhos abertos.
- Não tem muito o que contar.
- Não tente me enganar, lembro de ter visto vocês dois conversando atrás de uma pedra. Agora parece que essa mesma pedra está no lugar da minha cabeça, céus! O que aconteceu comigo?
- Você não deveria ter bebido.
- Ele me disse que era quase sem álcool.
- Quase sem álcool? Você estava mais delirante que minha Tia Matilde em dia de casamento.
- Por favor, diga que eu não arremessei nenhum arranjo de flores no telhado.
- Não chegou a esse nível. – Eu ainda estava indecisa se deveria contar sobre o Lean ou se deixava essa bomba explodir longe das minhas mãos.
- Ainda bem.
- Não acho que transplante de fígado seja muito popular, sabia?
- Vou parar de beber, é sério. Não é que eu não consigo me controlar, é que ele me entregou a bebida e estava sorrindo e, Deus, como ele estava bonito. Eu achei mesmo que não tinha lá muito álcool. A partir de hoje, nunca mais.
- Ótimo.
- E então? Você não me contou como ele é.
Eu corei, jurava que havia conseguido pular esse assunto.
- Bonito e divertido, como você percebeu.
- Não quis dizer isso, sua boba. Perguntei sobre o beijo.
- Você viu?
- Há. Então teve mesmo um beijo! – Ela falou quase gritando e muito orgulhosa de si mesma. Eu geralmente não cairia nesta antiga pegadinha de palavras, mas estava distraída pela troca tão rápida de assunto que me desconcentrei. – Ele parece ser bem bom.
- Ei! Mal saiu o Sol e você já está acesa? Não vou falar disso.
- Você sempre corta a minha diversão.
- Você sempre faz perguntas indiscretas.
- Você está apaixonada, por isso não quer falar.
- O quê? – Eu esganicei por reflexo. Aquela palavra não me trazia mesmo boas lembranças. Era uma palavra que me parecia muito passageira e, talvez, eu quisesse que o que eu estava sentindo durasse para sempre.
- Se não quer comentar se ele beija bem, é porque está cega de amor. – Ela riu da própria frase do outro lado da linha. – Confesse.
- Não estou apaixonada. Eu só sinto que, pela primeira vez, encontrei alguém que me completa e que me compreende. Que principalmente me aceita e me quer como sou e eu também encontrei nele a fonte de emoção que estava procurando. Sem contar o fato de que só ele consegue ser tão frio e tão quente ao mesmo tempo de uma maneira tão... Tão...
- Definitivamente apaixonada.
Alguns dias se passaram e eu já estava mais próxima de saber o que realmente eu estava sentindo. Talvez fosse cedo demais para afirmar alguma coisa, mas eu sentia que o ar se esvaia aos poucos de meus pulmões quando ele não estava por perto. Era como se eu estivesse presa em uma bolha de amargura, como se já não soubesse mais como respirar ou para onde ir. Eu estava completamente entregue.
Ele freqüentava minha casa à noite, no tempo em que minha irmã havia ido para o curso e Sarah estava se entupindo de relatórios e matérias de jornal. Às vezes conversávamos sobre diversas coisas ou simplesmente ficávamos deitados no sofá da sala vendo televisão. É claro que, quando pegos desavisados e o desejo falava mais alto, nos perdíamos em alguns beijos rápidos e fortes. Como se eu nunca tivesse comido e ele pudesse satisfazer a minha fome, era urgente e indispensável, como se fosse vital.
- Você é que está se aproveitando de mim agora. – Eu disse finalmente, quando já tinha tirado sua blusa de frio. Estava chovendo naquele dia.
- Você sempre começa. – Ele sorriu. – Eu sei que você não resiste.
- Modesto, você. – Eu sorri de volta. – Se é assim, podemos parar com isso.
- Eu deixo você se aproveitar mais um pouco. – Riu e me abraçou. – Eu achei que ela tinha morrido. – Apontou para Kate Lúcia na televisão.
- Tinha, Maria Antonieta a empurrou numa lagoa e ela foi comida por um jacaré. Mas depois, ela passou por um transplante de cérebro e está de volta.
- Criativo.
- O mais bizarro é que já vi Sofie tentando fazer algo parecido. Com um rato e um bicho estranho.
- Ela é diferente, não é? – Ele disse, mas com muito divertimento.
Ultimamente ele fazia companhia à Sofie perto do anoitecer pouco antes de eu chegar em casa. Havia prometido à Rebecca que a ajudaria com os estudos, então estava chegando um pouco tarde. Sam entrava pela sacada e conversava com a Sofia às vezes. Ela, ao contrário de mim, não achava isso nem um pouco estranho apesar de que, na primeira vez, pensou que era algum ser extraterrestre tentando fazer contato.
Eles estavam se dando muito bem. Embora Sofia tenha adquirido uma antipatia sem razão logo no começo, aos poucos foi aprendendo a aceitá-lo e agora perguntava porque ele não aparecia mais cedo. Isso, de certa maneira, era um problema já que corria o risco de que ela o encontrasse no hall ou no elevador quando ele estava fora de si e fazer algum comentário que poderia lhe gerar dúvidas.
- Muito.
De repente, me peguei imaginando como todas as pessoas as quais eu me relacionava habitualmente eram “diferentes”. Sofie tinha todo aquele negócio do alienígena sem contar a genialidade, Rebecca era definitivamente uma tarada irrecuperável, Lean não poderia nunca contar com a sorte e Sam, bem, este não precisava nem comentar.
Eu ainda tinha umas dúvidas sobre ele, mas eu estava tentando evitar tocar nesse assunto. Eu havia percebido de que ele estava vindo me ver todos os dias da semana desde sábado, o que significava que abandonara, pelo menos por hora, o plano de sair caçando algum maluco por aí. O meu plano era tentar não tocar nisso até que eu tivesse a oportunidade de conversar com o Cristian Trent.
- Quer que eu a leve lá amanhã à noite?
- O quê? Onde? – Perguntei-me se andei pensando alto novamente.
- Tirar o gesso? – Ele me olhou duvidoso.
- Ah.
- Até parece que você não está ansiosa por tirar isso.
- Eu estou, por isso mesmo que eu vou logo amanhã à tarde!
- Por que não quer que eu a leve? – Ele às vezes entendia minhas frases do jeito errado.
- Não é isso, é que quero poder testar umas coisas.
- Tipo o quê? – Ele sorriu de um jeito meio safado.
- Tipo voltar a subir pelas escadas.
- Hum. Você deveria mesmo parar com essa bobagem.
- Você não gosta de entrar aqui pela janela? Eu gosto de subir e descer pelas escadas.
- Odeio quando você me deixa sem ter o que responder.
- Você também faz isso às vezes.
O que era justo era justo. Eu gostava de alfinetá-lo às vezes e ele também fazia o mesmo e, além do mais, eu não via porque ele precisaria me levar lá para tirar o gesso. Na verdade, eu estava tentando retardar um pouco esse momento. Sam havia desenhado nele.
Umas três noites atrás, ele pegara uma caneta tinteiro e começara a fazer rabiscos na superfície amarelada e quase lisa e, foi tão irritante, que só me deixou ver o desenho após que ele já tivesse terminado, quase meia hora depois. Valeu a pena ter esperado esse tempo com a perna parada, ele desenhara uma sereia linda se banhando à luz da lua, havia o mar, umas estrelas e tudo ficara tão perfeitinho que estava quase com dó de retirar o gesso. Imaginei se era possível pedir ao médico para ficar com o desenho depois que ele o tirasse. Tudo bem, eu também era “diferente”. Quem é que pede esse tipo de coisa a um doutor?
Enfim, eu queria muito continuar com aquela obra de arte no meu pé, mas a verdade é que aquilo pesava muito e eu estava ficando cansada de mancar a todo momento. Mal poderia esperar para me livrar daquilo e ter os pés livres para começar a chutar as pessoas que ficassem me encarando demais no colégio.
Embora o número de babacas que insistiam na idéia de que eu era uma agente secreta, uma terrorista ou simplesmente “a outra” havia caído, ainda havia pessoas que continuavam a me observar ou dar risadas quando eu passava, o que eu achava bem incômodo, mas já estava trabalhando em uma maneira de ignorar. Afinal, eu não poderia inventar novos palavrões para sempre.
Não é que eu achasse que é bonito ser tão rude, não me entenda mal, é só que situações extremas precisam de soluções extremas. Mesmo eu negando continuamente de que eu não era nada daquilo e, muito menos, havia feito alguma coisa notória, estudantes não desistiam de me lançar olhares de censura ou fazer questão de rir na minha cara. Tive que adotar uma postura mais radical, já que quando você xinga as pessoas no momento elas fazem essas “pequenas” coisas, você fica parecendo uma louca e todo mundo sabe que com louco não se discute.
Rebecca estava achando tudo isso bem divertido, às vezes ela me ajudava a espantar o povo lançando olhares “190” para os lados. Lean, ao contrário, ainda se sentia mortificado por, de alguma maneira, ter sido a fonte de toda a mentira, então ficava se desculpando ou me lançando olhares culposos. Sofia nem se importava, ela realmente achava divertido o fato de que alguém acreditava que eu havia sido capaz de lutar com um criminoso provavelmente sociopata.
O fato é que essa história já estava esfriando e eu sabia que, aos poucos, as pessoas esqueceriam de toda essa invenção. Além do mais, eu estava desconfiada de que alguns dos olhares não eram nem mais por causa disso, afinal, essa história já era “last season” de acordo com a Petry – que estava com uma pontinha de inveja por não ser mais o centro das atenções -, mas eu acreditava que alguns deles eram devido ao que Sam havia feito no sábado passado. Não é todo dia que alguém chama atenção daquela maneira em uma festa e, para dizer a verdade, eu nem me importava.
- Quem vai te levar lá?
- Aonde?
- No hospital.
- Eu vou de ônibus. – Ele abriu a boca para fazer uma objeção, mas eu completei logo. – Tenho ido de ônibus à tarde para estudar com a Rebecca todos os dias, não vai ter problema. Por que está perguntando?
- Achei que ele iria te levar.
- Ah,vai sim. E, no caminho, vamos fugir para casar no México. – Zombei.
Eu entendi o “ele”, por “ele”, Sam quis dizer “Noah”. Estava com uma crise de ciúmes fora do comum desde o dia que descobriu que Noah, às vezes, vinha nos visitar e trouxe uma caixa de bombons de amora com ele. Sofia o detestava por “ousar” discordar dela no projeto que estavam desenvolvendo juntos e, também, por aquele negócio do carrossel. Eu gostava dele, gostei também do chocolate.
Eu até compreendia o fato de Sofia odiá-lo por essas pequenas razões, afinal, ela era uma pessoa muito cheia de si e não tolerava quando alguém se atrevia a não concordar com a sua palavra, sem contar o fato de que era uma criança ainda. Agora, era meio difícil compreender todo esse ciúme repentino do Samuel. Não que eu não estivesse gostando, claro. Se ele passasse dos limites eu, certamente, iria colocar um fim nisso, mas ele só fazia aquela cara de quem estava emburrado, uma fofura. Ri ao pensar nisso.
- O quê? Não foi engraçado. - Ele falou quando eu me apertei mais ao seu corpo quente no sofá. Definitivamente precisávamos de um sofá maior.
- Não era para ser engraçado, eu estava falando sério.
- Ah, então você vai ser a Sra. Delli? - Ele cheirou de leve o meu cabelo, ele sabia que isso me fazia ficar arrepiada.
- Não, vou manter meu nome. – Eu sorri. Esse sobrenome do Noah era meio estranho.
- Você sabe que eu não vou deixar isso acontecer.
- O quê? Você prefere que eu troque?
- Estou falando do casamento, sua boba.
- Está ameaçando me raptar? – Estreitei os olhos com ameaça.
- Se for preciso. – Ele deu de ombros e riu alto.
Fim da parte 2
N/A (Nota da Autora): Queria pedir a ajuda de todos que estão lendo, é muito importante para mim essa história e eu quero continuar tendo estímulos para contá-la! Gosto muito de saber que as pessoas estão lendo e gostando. Por isso venho a pedir com carinho para que as pessoas que gostarem recomendem para outras pessoas. Quem sabe um dia eu não consigo publicar essa série? Preciso de vocês,
obrigada pela compreensão =)
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26 comentários:
P-E-R-F-E-I-T-O
Sem mais
amo essa história e com certeza vou recomendar p/ todas as minhas amigas!! pode deixaaar, meeel!!
muuuito boom.
vc escreve supeer beem.
maais õ/
oi mel amu d+..vo recomenda pra todas....
preciso disso pra viver
adorei!!!!
Próximo!!!!!! Queremos mais!!!!!!
Como uma executiva muito busy, eo desho aberta e vo lendo, aos pocos!
Essa historea estah taum great q vc deveria sim, pubricar esse livro!
adoruuuu!
xoxo
lindo *-*
Eu adoooroo essa historia nao vejo a hora de ler a proxima parte.
Eu ja recomendei a varias pessoas e vou continuar recomendando pq essa historia pq ela simplesmente eh perfect !!!
Bj ;*
LINDO LINDO LINDO
Sou leitora recente sua, mas ja me apaixonei. não perca o estimulo flor, sua história é demais!
Ja to ansiosa pro próximo!!!
Bjs e continue melhorando cada vez mais!
você tem talento!
Muitoo bom!!
Quero o próximooo!!
=D
Mais, mais mais *-*
Eu A-D-O-R-O sua história. E espero realmente que um dia você pubique.
:)
Vou estar no lançamento e querer um autografado.
;)
Ta muito linda essa história, comecei a ler ontem e gamei, sério mesmo!
Quero o prox. capitulo logo *-*
AMEEEEEEEEEEEI! =DDDDD
P E R F E C T
To amando, vc escreve maravilhosamente bem, a gente sente todas as emoçoes da historia..
Ameii ! vi o link de inverso em uma comu de crepusculo , resolvi le e foi amor a primeira viista *____*
ps : na primeira vez q li pensei q fosse publicada e talz , enlouquecii a mulher na saraiiva fiz ela procurar no estoque todo oO' KSOAKSOAKSOA
Eu tambem vi o link em uma comu de Crepusculoo!!
To adorando, a leitura eh super agradavel, vc escreve mto bem!!
Estou torcendo para q seja publicado!!
ps: tb estou espalhando p minhas amigas! *-*
Muito bom...
Parabéns, pode continuar escrevendo,que leitores não vão faltar!
vc escreve mui bem... ja recomendei para variaas pessoas o seu livro...
estou torcendo para que este livro seje publicado...
escreve bem demaaaaais!! eu compraria!!
eles são taõ bonitinhos juntos!! quero INVERSO nas prateleiras jáá!!!! amo muito
beijos da Rose
o casal maiis fofo ♥
isso precisa ser publicado!a historia que todas gostariam de ter! o amoor quase impossivel mais lindo! ♥
podi deixar,,vou passar u link pra tds minha amigaS....amei i amu i axu q elas tmbm vão amar...
Eu tenho certeza absoluta que o noah é do mal. Muahuahuahua:D
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