sexta-feira, 19 de junho de 2009

Capítulo 7 - A Carta (Parte 3)

Eu ri também. Eu gostava de atiçá-lo quando o assunto era o Noah e acho que ele só entendia isso como uma maneira não-literal de eu dizer-lhe o quanto me importava.

- Você sabe que aí terá que abrir mão da May.

Ele revirou os olhos e sorriu.

- Não tenho nada com a May.

- Você não sabe se tem. Ela fica o dia inteiro no seu apartamento.

- Ela não me deu bombons de amora.

- Sorte a dela. – Sorri ameaçadoramente.

- Hum, que perigosa.

Ele sorriu em resposta e me beijou. Novamente a sensação de falta de ar e fraqueza nas pernas apareceu enquanto a língua dele massageava a minha. E eu tinha a certeza de que não era somente porque o beijo era maravilhoso. Involuntariamente eu me desconcentrei, perdida nesses pensamentos.

- Qual o problema?

- Não é nada.

- Sempre vamos ter que prosseguir nesse diálogo? Eu pergunto o problema porque quero poder ajudá-la, você diz que não é nada e eu tenho que começar todo aquele discurso sobre sinceridade? – Ele indagou com muita calma.

- Sinceridade... Por que somos amigos? – Eu respondi instantaneamente sem parar para refletir no que eu realmente queria perguntar com essa frase.

- Então é isso. – Ele conseguir me ler muito rapidamente.

E era isso mesmo o que eu gostaria de saber. Acho perfeitamente normal que uma garota esteja interessada em descobrir para quais caminhos o recém relacionamento – se é que podemos chamar assim – estava indo.

- Você sabe que se eu estou aqui quando sei que não poderia, quando sei que a minha função é tentar descobrir mais sobre... Bem, você entende. O que quero dizer é que se troquei, temporariamente, algo que levava como motivo de minha existência para ficar aqui com você é porque você significa muito para mim.

Eu encarei seus olhos que pareciam muito mais claros e calmos agora quando me dizia essas palavras. Eu sabia que isso era verdade e me senti feliz em saber que eu estava certa ao supor que ele havia deixado toda a caçada de lado, pelo menos por enquanto.

- Mas eu não posso, literalmente, assumir um compromisso com você, Mel. Dói a minha alma ao pensar nisso a ponto de me fazer desistir por pensar que o que estamos fazendo aqui é errado. E não está certo, Mel. Não é certo que estejamos aqui nos arriscando dessa maneira, não só físico, mas emocionalmente. Eu já tenho o ego dividido em dois, Mel e sinto que é arriscadíssimo a maneira que estamos levando as coisas. Aos poucos vou me dividindo em três porque já a sinto como parte de mim mesmo. E seria praticamente mortal perder outra parte. – Ele disse isso com extrema rapidez e com um pouco de receio de não estar sendo bom com as palavras. Ele não estava acostumado a falar sobre esse tipo de coisa. Acariciou a minha testa com os lábios e parou o rosto ali, apoiado ao meu.

- Você está tentando me convencer de que não devemos...? – Eu perguntei, estava confusa.

- Não. Apesar de ter plena consciência e sentir a dor pelo meu erro primordial, e isso não significa que o erro tenha sido ruim, não acho que poderia me afastar nesse ponto. Não tenho mais forças. – Ele apertou o abraço em que eu estava envolvida. – Também sou extremamente egoísta.

- Você sempre fala tudo como se você fosse sempre o que erra. Sempre um monstro.

Ele suspirou firmemente, depois disse:

- E talvez eu seja, Mellanie. Você pode não perceber, mas eu não sou como esses pseudo-vilões do cinema, eu posso ser realmente perigoso. Sei que erro a todo o momento, sei que tenho minhas decisões erradas, sei que cedo às tentações e não tenho esperança alguma de salvação. Eu sou apenas humano, da mais miserável forma. O que me leva à reflexão todos os dias é se eu deveria realmente envolvê-la nisso. Não está correto, mas então eu cedo novamente à minha primeira perdição: o desejo de tê-la.

- Você realmente precisa ler alguns livros de auto-estima.

Ele riu divertido.

- Você nem se importa, não é?

- Não realmente. Não é que eu não pense no perigo. Sei que é arriscado, sei que é incomum e que isso tem todos os motivos existentes para não dar certo, mas o que posso fazer? Eu só perguntei o que perguntei porque não quero acordar amanhã e saber que você já está em outra.

Ele riu mais uma vez. Eu realmente não conseguia enxergar o que eu tinha de tão cômico.

- Não vai acontecer.

- Como você sabe? Quero dizer, a mim é bem óbvio algumas características das relações humanas. Não só as do tipo o qual eu e você compartilhamos, mas praticamente todas. São calorosas e divertidas no começo, mas depois se esfriam e cada um segue seu caminho como se nada tivesse acontecido. Já perdi as contas de quantas “amigas para sempre” que eu tive que duraram menos de dois anos.

- Às vezes você tem uma visão muito pessimista da realidade.

- Olha! Você adquiriu uma personalidade Hippie?! – Eu virei-me para encarar mais de perto seu rosto bonito, conseguia sentir sua respiração atingindo minha pele. – Não é tudo paz e amor, Sam. Eu sei que costumo ser bem sonhadora e otimista, mas não nesse aspecto. O mundo está cada vez menos sentimental e mais racional. É realmente difícil encontrar relações verdadeiras e duradouras por aí.

- Não posso garantir que o que temos vá durar para sempre, Mel. Talvez seja o que sinto agora, além de uma imensa vontade de dizer que sim, mas estou tentando ser sincero. Talvez não seja mais o que você sinta amanhã, talvez seja obra do destino ou talvez, simplesmente, poderemos não estar mais juntos algum dia. O que posso afirmar é que eu quero que dure.

- “Que seja infinito enquanto dure”.

- O quê?

- Vinicius de Moraes. – Eu expliquei e abaixei a cabeça. Apesar de muito poético e racional, não era isso o que eu queria pensar agora. Eu não queria pensar na possibilidade de esses pequenos momentos em que tínhamos o mundo somente para nós dois pudessem acabar algum dia. Era o mais sensato a se pensar, mas eu não queria.

- Eu não quis entristecê-la. – Ele disse quando percebeu minha reação. – O que eu quis dizer foi que não há como ficarmos nos perguntando se durará para sempre se ainda não vivemos o nosso para sempre. Talvez dure, e eu quero que seja assim, talvez não. O que é claro é o que eu quero agora, quem eu quero agora.

- Carpe Diem, aproveite o dia. Eu entendi.

- Talvez no meu caso a noite. – Ele sorriu de lado como se risse do próprio problema. – Mas não pense que estou fugindo das minhas responsabilidades com você. Não estou usando isso como desculpa para fugir de um compromisso.

- Eu sei.

- Só quero deixar claro que a minha maior vontade seria tê-la o dia todo, a noite toda, a vida toda, mas, nas circunstâncias atuais, é impossível. Não dá para tê-la como namorada se não posso ser teu em tempo integral.

- Eu não me importo.

- Agora.

- Como você pode saber? Você mesmo acabou de dizer que não se pode prever o que acontecerá no futuro.

- Porque eu conheço as limitações do nosso relacionamento. E você não liga para elas agora. E eu sei que você dará muita importância a elas no futuro, é uma situação monótona e cansativa e tenho certeza que logo você perceberá e vai colocar um fim nisso tudo. E eu não poderei fazer nada. – De repente a melancolia apareceu em sua voz.

Não era isso o que eu sentia. Definitivamente era diferente de todos os sentimentos que já haviam me habitado no, talvez, curto período de minha existência. Isso não iria acontecer, eu tinha certeza. Tanta certeza quanto a de que o Sol nasceria amanhã, eu não desistiria dele.

- Não vou me cansar de nada.

- Vai. Assim que se der conta de que não posso desempenhar o papel completo de um namorado.

- Você está falando de sexo?

Isso foi a primeira coisa que me ocorreu e eu não pensei muito bem antes de proferir a pergunta. E, aliás, essa foi a primeira vez que eu pensei nessa hipótese. É claro que, com o ritmo em que andávamos, isso tinha a total chance de acontecer. Talvez não agora, mas mais para frente. O desejo em que queríamos um ao outro era muito intenso, eu tentava controlar e também percebia as tentativas de Sam de ir com calma, mas era difícil às vezes. O fato é que eu nunca tive essa proximidade do sexo com ninguém antes e eu não tinha completa certeza de que queria realmente fazê-lo, sem contar que era inútil negar que essa possibilidade me assustava.

Outro grande problema que, pela primeira vez, cogitei foi esse negócio da dupla personalidade. Como, se eu tivesse mesmo certeza de que queria isso, poderíamos chegar a esse ápice do relacionamento com esse empecilho? Quero dizer, como vou dormir com alguém que, de manhã, é provável que não se lembre de mim, que não saiba o que fizera e, em pensamento mais radical, chame a polícia alegando ter sido assediado? Definitivamente esse era um limite que tínhamos.

- Sexo não é importante. – Ele fechou os olhos e balançou a cabeça como se eu não fosse capaz de compreender o que ele quisera dizer.

Eu me senti uma idiota por pensar logo no lado carnal da relação e não em coisas mais inocentes como ele, claramente, estivera pensando. Preciso de uma pílula que controle meus hormônios.
- Certo. – Eu disse ainda um pouco corada. – Prossiga.

- Quero dizer que você irá se cansar quando perceber que muitas vezes em que se sentir cansada, deprimida ou com problemas eu não vou poder estar lá por você. Não vou poder ajudá-la, apoiá-la ou simplesmente segurar a sua mão e dizer que tudo ficará bem. Não poderei acompanhá-la na escola e, aliás, serei ausente na maior parte do dia. Várias vezes, será como se eu nem sequer existisse.

Eu abri a boca para fazer uma objeção a tudo isso. Mesmo que ele não pudesse estar comigo em todos os momentos que talvez eu precisasse, ele nunca deixaria de fazer parte da minha vida e do meu coração. Nunca seria como se ele não existisse. Aliás, a minha vida já era bem diferente da de antes de conhecê-lo, ele me mudara, me marcara, me prendera, eu, simplesmente, não era mais a mesma. E nada poderia mudar isso.

Ele percebeu minha intenção de dizer algo e fez um sinal para que eu o deixasse continuar. Eu permiti. Sabia que era difícil expressar o que ele sentia já que, como para mim, tudo era muito novo para ele. Era, também, raro o momento em que tocávamos nesse assunto. Era imprescindível, mas doloroso.

- Sei que, uma hora, isso vai te ocorrer e então você repensará sobre o que estamos fazendo. E nada poderá me doer mais do que não poder ser o que você precisa que eu seja.

- Você não entende, não é? Eu não preciso que você seja nada, você já é.

Ele sorriu um pouco emocionado. Eu entendia os motivos que o levavam não querer assumir um namoro. Ele só não queria ser um péssimo namorado e tinha esse medo de que eu pudesse cobrar-lhe isso e então cair na real e dar o fora. Ele sentia medo e eu também sentia. O futuro para nós era demasiado obscuro para que uma incerteza não surgisse. Eu só preferia encarar isso com paixão e simplicidade.

- Você é tudo o que eu quero porque você é tudo o que eu não sou. – Ele sorriu com tristeza e me abraçou mais forte. – Seja minha.

Eu balancei a cabeça carinhosamente em seu peito árduo. Eu não precisei falar nada para aceitar esse pedido, ele sabia que eu já estava entregue. Estava com medo de dizer o que sentia, de dizer aquela palavra com “a” e tinha certeza de que o mesmo ocorria por parte dele. Não porque isso não nos possuiu em tão pouco tempo, mas porque poderia complicar ainda mais as coisas.

Não dissemos nada pelo resto daquela noite fria e chuvosa. Era difícil triturar todos esses desafios ao mesmo tempo, mas isso não significava que, alguma vez, eu cogitara a desistência. Depois de ficarmos mais um tempo ali, juntos, no sofá ele levantou-se e eu o acompanhei até a porta. Deu-me um beijo de leve de despedida e subiu as escadas, ainda pensativo.

Eu tinha a plena certeza de que também não era fácil para ele sentir-se como se ele não fosse o suficiente. Como se não pudesse ser bom o bastante, como se estivesse sendo egoísta e me envolvendo em uma história perigosa que ele começara, todavia, eu não me importava muito com isso. Iria fazer um tremendo esforço para não proferir perguntas como a que fiz para começarmos toda essa discussão, eu não queria cobrar nada. Não iria exigir que ele estivesse lá o dia todo por mim, não iria exigir que assumisse um compromisso formal comigo ou que fosse alguém para quem eu pudesse ligar e conversar a qualquer hora do dia.

Meu plano atual era conversar com o avô Trent e descobrir mais sobre o que estava se passando, sanar minhas dúvidas e pensar em alguma solução. Eu tinha a esperança de que algum dia ele pudesse ser meu a todo tempo, mas não iria forçar a barra enquanto isso ainda não pudesse acontecer.

Tranquei a porta do apartamento ainda digerindo todos esses pensamentos, mas, de certa forma estava muito feliz. Certamente essa nossa conversa esclarecia um pouco as coisas que eu ansiava por saber. Ele não me pediu em namoro, não porque não me queria, mas porque estava com receio de que não pudesse satisfazer as necessidades que eu poderia ter como namorada. E, o principal, é que ele não pensou nisso de maneira física – como eu, estupidamente, havia feito –, mas considerou os meus sentimentos, o que me provou que ele, realmente, se importava. Só de saber disso já foi o bastante para mim.

Sorri feliz ao contemplar a sereia do desenho que Sam havia feito no meu gesso, senti um pequeno pesar ao pensar que teria que tirá-lo amanhã. Entrei no meu quarto já com um pouco de sono, havia sido um dia um pouco cansativo demais. Não demorou mais que alguns minutos para que eu já tivesse colocado uma camisola qualquer e, logo, deitei-me na cama. Apaguei a luz da luminária e já estava ensaiando o sono quando o vi.

Logo acima de mim, escrito com uma tinta fluorescente luminosa do tipo que brilha no escuro, havia um letreiro escrito: “Seja minha” e um coração furado com uma flecha desenhado. Ele tinha uma letra bem bonita e fizera um desenho muito caprichado. Meus olhos brilharam como o letreiro assim que percebi a declaração. Imaginei que ele fizera isso no momento em que entrara pela sacada e eu não estava em casa, como Sofie vive enfurnada no próprio quarto, não deve ter percebido.

O interessante é que foi uma boa idéia, já que ninguém mais poderia vê-lo de dia ou quando a luz estivesse acesa. Como Sam, ele só poderia ser visto de noite e por mim.

Foi igualmente prazeroso imaginar que ele também já estava planejando ter essa conversa sobre nós dois e que eu não havia forçado muito as coisas. Eu estava tranqüila e em paz comigo mesma, sem contar, é claro, o infinito sentimento de felicidade que chegava a doer quando lutava para sair do peito. Dormi satisfeita.




Não foram mais que alguns minutos levados para tirar o gesso no dia seguinte. O médico elogiou o desenho nele e perguntou se eu o havia feito, fiquei satisfeita por alguém pensar que eu tinha coordenação motora suficiente para desenvolver essa capacidade, mas contei que não.
Eu estava sozinha e já eram quase cinco horas da tarde. Eu confesso que havia enrolado muito tempo por causa da preguiça e da má vontade em me livrar do desenho. O que me fez tomar logo a decisão de pegar o ônibus e ir ao hospital logo foi quando Sofia afirmou que aquilo logo começaria a despedaçar se eu não tirasse e que eu não poderia fingir que era uma tatuagem. Então eu resolvi por me livrar logo daquilo e depois pedir ao Sam que repetisse o desenho em uma folha de papel que eu pudesse guardar na gaveta.

Foi muito reconfortante poder andar de novo, apesar de alguns tropeços no início, logo me acostumei a caminhar como todo mundo. Para estrear, fui feliz à casa da Rebecca e ela ameaçou pisar no meu pé para “inaugurá-lo”. Então eu disse que eu não havia acabado de nascer então ela só me chamou para entrar para tomar alguma coisa.

Ficamos conversando sobre assuntos diversos por um tempão. Era difícil se lembrar da hora quando estávamos tendo assuntos tão agradáveis. Ela percebeu que eu estava diferente, disse que eu estava brilhante, então não pude esconder sobre o letreiro fosforescente e contei fragmentos da nossa conversa na noite passada.

- Então você está namorando! – Ela constatou com animação.

- Não acho que seja realmente dessa maneira. – Eu respondi seriamente. Ela não sabia sobre nossas limitações.

- Na minha terra, “Seja minha” significa namoro.

Eu não fiz uma objeção, talvez se eu fosse explicar melhor a situação, ela poderia compreender que eu estava omitindo alguns fatos, como por exemplo, o da dupla personalidade do Sam.
Quando olhei pela janela e encarei a noite, lembrei-me que eu havia demorado mais do que havia planejado e que deveria logo voltar para casa. Despedi-me com boa vontade, aproveitei que havia uma sorveteria no caminho e comprei um pote de sorvete de cereja. Hoje meu dia estava completo, mas tudo pode ficar melhor com açúcar.

Entrei no apartamento e me deparei com uma cena no mínimo estranha. Sofie estava sentada na poltrona próxima ao sofá com as pernas cruzadas e uma prancheta na mão e Sam estava deitado no sofá, com a cabeça de frente para a porta, com as mãos repousadas no tórax.
- E então? Como se sente quando isso acontece?

- Como se eu não tivesse sido eu mesmo nessas horas que se passaram. É como se eu perdesse metade do meu dia e não conseguisse me lembrar das ações que tive nessas horas.

- Mas você tem esse problema de memória freqüentemente?

- Sempre. É muito difícil lembrar as sensações, as ações, as emoções.

- Nada fica?

- Algumas pessoas ficam.

- Hum. – Sofia escrevia furiosamente na prancheta com uma mão e a outra alisava o queixo em uma expressão pensativa.

Sam estava tão relaxado que só então percebeu que eu estava parada ainda na porta, com uma expressão muito assustada.

- Vou precisar pesquisar alguns sintomas, mas tenho quase certeza de que meu diagnóstico está correto.

- O que você está fazendo? – Eu perguntei irritada para a Sofia. Eu disse que ela estava passando dos limites.

- Doutora.

- O quê?

- Não me chame de “você”, tenha respeito. – Ela me encarou seriamente por trás dos óculos baixos, quase na metade do nariz.

- É, Mel! Tenha respeito! – Sam confirmou com um sorriso de tremer as pernas. Coloquei o sorvete na mesa da cozinha e cheguei mais perto.

- Sofie, pode nos dar licença? – Perguntei tentando manter a calma.

- Por que eu tenho sempre que me retirar? – Ela indagou nervosamente.

- Porque você precisa estudar mais. Outro dia abri um de seus cadernos e conferi que uma das suas contas no sistema binário estava feita de maneira incorreta.

- Não, não estava. – Ela seriamente duvidava de que havia errado de alguma forma.

- Hum, você que sabe. – Dei de ombros e sorri, sabia que a incerteza a mataria.

- Eu nunca estou errada. Impossível. Bom, talvez... Não. Impossível. – Saiu proferindo essas palavras e entrou no próprio quarto.

- Você é má. – Sam sorriu ao se levantar e vir me beijar. Eu já estava com saudade dos seus lábios.

- O que vocês estavam fazendo?

- Ela disse que estava fazendo uma pesquisa sobre as vias de psicologia humana e me pediu para que eu respondesse algumas perguntas.

- Você fez terapia com a minha irmã! – Eu ri muito ao pensar nisso.

- Ela precisava de ajuda! – Ele tentou corrigir, mas era tarde demais. Ele já havia feito terapia com a minha irmã.

- Você contou a ela sobre o seu problema?

- Hum, mais ou menos. – Eu olhei desconfiada, não era bom que só porque poderia confiar em mim, achasse que poderia sair contando o segredo para toda a minha família. – Não acho que ela vá contar a alguém ou sequer mencionar isso.

- Sei.

- Você só precisa dar uma chance à ela, Mel. Ela precisa muito da família, especialmente, de você.

Eu sabia disso. Também sabia que eu não era mãe da Sofie, mas estava com aquele complexo de mãe que sempre vê os filhos como se fossem sempre bebês, como se eles nunca crescem. Não importa quantos cometas ela estudasse ou testes que fizesse, para mim, era só uma criança ainda.

- Diz aqui que você tem grandes chances de ter sido abduzido. – Eu ri ao ler o que havia escrito na prancheta que ela deixara em cima da poltrona.

- Será? – Ele perguntou baixinho e começou a beijar minha clavícula, depois o pescoço, depois...

- Não há nada errado com conta nenhuma, Mellanie! – Ela apareceu no corredor de repente e me olhava enraivecida. Até mesmo a hipótese de erro a irritava.

- Hum, acho que me enganei então. – Eu disse sem graça e um pouco corada, soltando a cintura do Sam.

- O que vocês estavam fazendo? – Ela se aproximou e cruzou os braços em sinal de cobrança.

- Sofie, eu te disse que nós estávamos juntos. – Ele respondeu calmamente e eu gostei de como ele usou a palavra “juntos”.

- Sim, mas nós três estamos juntos agora.

Imaginei que a próxima pergunta seria “de onde os bebês vêm?”.

- Mel e eu não estamos juntos dessa maneira.

Algo pareceu estalar na cabeça dela e ela finalmente entendeu que éramos um casal agora. No começo ficou bastante chocada e, depois, criou uma expressão de nojo.

- Imaginei que, aquele dia, só estavam praticando a convenção social normal de trocar material genético por saliva através do toque de boca por uma noite. Uma noite apenas. Hoje em dia isso acontece com freqüência, inclusive, nas últimas pesquisas foi provado que você pode adquirir vírus vindos da África ou de qualquer lugar do mundo dessa maneira porque eles vão passando de cavidade oral para cavidade oral indefinidamente, o que me parece bem...

- Sofie, somos um casal. – Eu falei para cortar o papo de transmissão de vírus através do beijo.

- Você contou a Sarah?

- Não. E ela não pode saber.

- E por quê não? Ela não pode saber é onde eu vi que a sua mão estava.

- Sofie! – Eu juro que minha mão estava na cintura dele, mas Sofie tinha graves problemas de visão. – Prometa que não vai contar.

- Prometa que não vai mais me deixar sozinha com aquele lunático pseudo-intelectual.

- O que ele tem de tão ruim? – Sam deu um riso irônico involuntário, mas eu ignorei.

- Deixe-me pensar... Tudo. – Ela respondeu sem pestanejar. – Você acredita que, outro dia, ele foi néscio o suficiente para confundir estalactite com estalagmite? – Riu debochada como se achasse que isso foi incrivelmente cômico.

- Uau, imperdoável.

- Prometa.

- Certo. Prometo. Agora, vamos tomar sorvete.

Sentamos todos à mesa da cozinha e eu fui servindo o sorvete em tacinhas.

- Eu não vou comer isso.

- Por quê, Sofie? – Eu já estava cansada com todos os problemas que ela arrumava em tudo.

- Já comi minha cota de glicídios por hoje.

Eu coloquei uma bola enorme de sorvete assim mesmo e deslizei a taça pela mesa até que chegasse à ela.

- Ei!

- Coma isso.

- Eu não quero.

- Você não quer sorvete, Sofie?

- Isso é uma fonte inesgotável de açúcar que vai se acumular no tecido e originar gordura localizada e até a obesidade. Vocês não vão querer comer isso, acreditem.

- Coma logo. – Ordenei e ela pegou a colher fincou um pouquinho no sorvete cor-de-rosa e colocou na boca. – Sabia que era o seu preferido. – Sorri ao Sam e ele sorriu em resposta.

- É muito bom. Obrigada por lembrar.

- Eu não esqueço que você existe. – Eu falei mirando-lhe nos olhos.

- Por favor, não me façam vomitar. – Sofia disse cortando todo o clima. Sábado, definitivamente, teríamos que arrumar outro lugar para ficar. – Já estou sendo obrigada a comer isso...

- Por que hoje não foi fazer trabalho com o Noah? – Mudei de assunto para ver se ela esquecia essa história do sorvete.

- Porque ele é obtuso.

- Explique melhor.

Ela revirou os olhos e fez aquela expressão de alguém que “sempre tem que explicar tudo”.

- Eu enumerei por meio de uma lista as próximas providências que deveríamos tomar para a boa execução da nossa pesquisa e ele, simplesmente, respondeu “Hoje é sábado”. Certamente, ele pensou que isso responderia alguma pergunta, mas não esperei muito daquele cérebro de alface.

- Ele deveria estar cansado. – Dei de ombros. Não era surpreendente que alguém gostaria de passar o sábado de folga.

- Cansado? Cansado?

Minhas mãos tremeram ao ver que ela repetiu uma palavra. Toda vez que ela fazia isso era um sinal de alerta.

- Pode me explicar exatamente do quê? – Ela arregalou os olhos e alterou a voz, estava irritada.

- Hum...

- De fazer cálculos errados? De fazer observações patéticas dignas de alunos da pré-escola? De perguntar da Mel o tempo todo? De quê? Me diga!

- Como é que é? – Agora Sam também estava irritado e parou de olhar para o nada para prestar atenção no que Sofia estava dizendo.

- “Quando a Mel faz aniversário?”, “O que a Mel acha de estrelas?”, “O que a Mel gosta de estudar?”, quase um maníaco. – Comeu outra colherada do sorvete.

Sam cruzou os braços e me olhou com raiva, não falou mais nada, mas ficou lá com a expressão de quem não havia gostado nada dessa história.

- Eu não sei o que eu fiz... Eu... Não tive culpa. – Disse finalmente. Não tenho culpa se esse maluco me viu duas vezes na vida e agora fica fazendo perguntas à minha irmã sobre mim. Sam pareceu notar que estava sendo um pouco duro demais.

- Vamos mudar de assunto? – Perguntou polidamente e acariciou os meus cabelos, eu estava sentada ao seu lado.

- Por favor. – Sofie respondeu nervosa enquanto enfiava a colher no sorvete como se estivesse esfaqueando alguém.

- Mel, eu estive pensando... – Ele pareceu bem mais animado quando disse isso. – Sabe do que você precisa?

Eu refleti em torno dessa pergunta por algum tempo, havia muitas coisas das quais eu precisava.

- Diga.

- Aprender a dirigir.

Nenhuma delas envolvia isso.

Sofia não pôde conter o riso alto e irônico.

- Você não pode estar falando sério. – Ela disse de bom humor.

- Estou sim.

- Quem vai me ensinar? – Eu perguntei sabendo que não poderia contar com a Sarah e que me recusava a aprender esse tipo de coisa – a qual eu não levava jeito algum – com qualquer estranho em uma auto-escola.

- Eu estou pensando em comprar um carro, então poderei te ensinar. Vai ser importante.

- Um carro? – Sofia perguntou.

- Sim. – Ele respondeu sorrindo e dando de ombros.

- Você vai precisar de um trator! - Ela riu novamente ao falar essa frase.

- Qual é, ela não pode ser tão ruim assim.

- “Não pode ser tão ruim assim?” – Ela parou de rir e, de repente, ficou séria. –Um novo holocausto “não pode ser tão ruim assim”, o apocalipse “não pode ser tão ruim assim”, extra-terrestres malignos e superdesenvolvidos pousando sobre a Terra e transformando os humanos em escravos “não pode ser tão ruim assim”. Minha irmã dirigindo? Pode ser tão ruim assim. Ela não tem ínfima coordenação motora.

- Isso é mentira. – Eu me apressei a reclamar. Eu não tinha a maior coordenação de todos os tempos, mas eu poderia controlar um veículo ou, pelo menos, achava que poderia.

- Ela vai ter um bom professor. – Ele sorriu e piscou como se o assunto estivesse decidido. – E vamos começar te levando para o curso.

Sofie teve a aparência de que haveria de ter um ataque se mais uma frase sobre esse assunto fosse dita, a expressão do terror habitou sua face. Ela iria começar a fazer uma série de objeções, mas foi interrompida pelo toque do interfone.

Eu abri a porta muito feliz porque havia dias que eu não conseguiria desenvolver esse simples ato sem mancar ou demorar muito tempo. O porteiro avisou que um funcionário dos correios estava ali para me entregar uma carta. Estranhei o fato de alguém ainda mandar cartas nos dias de hoje, mas mandei-lhe subir.

Logo, um homem jovem e bastante simpático estava parado à minha porta pedindo para que eu assinasse um comprovante de que havia recebido aquela correspondência legítima. Assinei logo o documento por causa da curiosidade que crescera dentro de mim. Rasguei o envelope quase com ferocidade depois que ele havia saído.

Em um papel branco e luxuoso era legível:


Prezada Srta. Mellanie Grizzo
É de nosso conhecimento de que seu aniversário de dezoito anos ocorrerá em alguns meses, portanto, é de nosso dever informar que uma encomenda foi guardada em seu nome com a incumbência de lhe ser entregue na data em que a Srta chegará à maioridade. O nosso contratante, Sr. Daniel Grizzo, já lidou com todas as despesas incluídas no nosso serviço. Estamos avisando com antecedência para que a Srta possa se encarregar de possível transporte ou disponibilidade para buscar a encomenda no nosso endereço do rodapé no requerido dia. Cabe lembrar que a encomenda só poderá ser entregue nas próprias mãos de Mellanie Grizzo visto à apresentação de documento.
Honradamente,
Sr. Rogério Garcia, chefe do departamento de informação.



Eu senti tudo sumir à minha volta, estava muito tonta.

- O que aconteceu? – Sam perguntou preocupado e veio correndo para me apoiar com os braços.

Eu não achava que conseguiria respirar.

- Meu pai me deixou uma encomenda.

26 comentários:

Anônimo disse...

Ameii!!

Jah quero o próximoooo!!

=D

Anamaria Cruz disse...

uuuuu :o

Velho essa história é muito viciante! Tu escreve muuuito cara! Parabéens mesmo!

flavinha disse...

demais!

Andressa disse...

Ahhh
Sabe, vocÊ não pode fazer isso!
Capitulo 8: Ainda sem previsão.
UM ABSURDO!
Você quer matar todos os seus leitores de ansiedade?
Eu acho que você deveria postar mais... Por favor, por favor por favor... :)

Anônimo disse...

Mais o q será isso?!?!?!?!


Quero mais, Merrrr!



xoxo

Jojo

Anônimo disse...

está MARAVILHOSO...

Próximo por favorrrrrrrrrrrrrrrrrrrr

queremos mais!!!!!!

bks
Luciane

.. disse...

MAAAAAAAAAAAAAAAIS!

Jéssica disse...

maaaaaaais...!

la disse...

Nossa táá mto mto mto mto booum ...

postaa maais ;D

eu viciei

to adorandoo

Bjãão vc escreve mto beem *-*

Drika disse...

Muuuiiitooooooo bommmmm. Já estou ansiosa por mais, por favor escreva logo, rsrsrsrs!!!

Anônimo disse...

gente, cadê o cap 8!!

precisamos dele...

Por favor, MEll

Dandara disse...

q lindo o pai dela :'D

Ju Fuzetto disse...

continuaaaaaaaaaaa Mel,d+ estou amando.......... não demora não pra escrever...
Beijos

Carol disse...

Háa, eu keero Maiis =) Amei

Débora disse...

nossa, to MUUITO viciada !

cap.8 jááá !

julinha disse...

AMEI DEMAAAAAIS!!

Anônimo disse...

ai aii...
e esse capítulo oito q num chegaa
daqui a pouco o f5 tah afundandoo e eu to tendo um troçoo

Anônimo disse...

Fazer esperar é um ABSUUURDO!
é maldaade isso!
ameeeeeeeeeei ><

devaa disse...

necessitooo ♥

Anônimo disse...

AAAAAAAAAAAAAAAaa

faz duas semanas quase...

posta vaii!!!

^^


anciosaa

der leser disse...

Estou completamente sem palavras pra tua história. Simplesmente gostaria de te parabenizar pelo layout do blog, pelo modo como tu dispões os textos. Os textos são maravilhosos, são muito envolventes, tem a dose certa de açúcar, aventura, mistério, humor, inteligência, enfim, de tudo que é necessário para um livro ser bom. Espero que realmente saia das telas do computador e vá para as páginas de um livro de papel. MUITO bom, um dos melhores livros que eu já li, e eu já li muitos livros na minha vida. Espero que tu continues escrevendo tão bem como tu escreves, mal posso esperar para ler o próximo capítulo do livro. Parabéns novamente.

Reni disse...

vc abadonou a gente?

Anônimo disse...

Nooossaaaa.. Taah demaiis..
Vicieeii *

Posta maiis ! ;D

# nathielly disse...

Olha, meel . Eu realmente não quero parece metiida. mas eu vou falar!
eu só costumoo ler livroos MUITO bons!
que realmente me instiguem a continuar lendo!
que tenham aventura , amor e etc.
e , não posso deixar de te falaar que o seu livroo me encantoou!
começei a ler hj cedo, acabeei agoraa e já estou esperando ansiosamenteo próximo capítulo!
e, isso é um crimee. o caítulo 8 tá sem previsão!
todas nós vamos morrer!
adorariia ver ele nas paginas de um livro, e vou lutar tbm por isso. vou divulgar pra todas as minhas amigaas, e pro pessoal que eu conheçoo!
seu blog, está linkado na barra dos favoritos do meu navegador a muito tempo! não vivo mais sem ele! prometee não tirar ele do ar nem sobre tortura chinesaaaa!
aah, preciso te dizer tbm que me identifiqueei muito com seus textoos!

Parabééns. Você tem futuro garota! tu escreve muito beem!
PARABÉNS DE VERDADE!

luuuhh disse...

Olha, meel . Eu realmente não quero parece metiida. mas eu vou falar!
eu só costumoo ler livroos MUITO bons!
que realmente me instiguem a continuar lendo!
que tenham aventura , amor e etc.
e , não posso deixar de te falaar que o seu livroo me encantoou!
começei a ler hj cedo, acabeei agoraa e já estou esperando ansiosamenteo próximo capítulo!
e, isso é um crimee. o caítulo 8 tá sem previsão!
todas nós vamos morrer!
adorariia ver ele nas paginas de um livro, e vou lutar tbm por isso. vou divulgar pra todas as minhas amigaas, e pro pessoal que eu conheçoo!
seu blog, está linkado na barra dos favoritos do meu navegador a muito tempo! não vivo mais sem ele! prometee não tirar ele do ar nem sobre tortura chinesaaaa!
aah, preciso te dizer tbm que me identifiqueei muito com seus textoos!

Parabééns. Você tem futuro garota! tu escreve muito beem!
PARABÉNS DE VERDADE!

[2]

faço das palavras dela as minhas

Lorena disse...

que emocionante :O

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