sábado, 10 de janeiro de 2015

Capítulo 13 - Fim (Parte 4)

– Mel?
– Oi? – Eu respondi saindo da inundação de memórias e caindo na dura realidade. Eu havia sido enganada de novo, mas por algum motivo, dessa vez eu não me sentia tão destruída como quando descobri sobre o Sam. Eu estava mais enraivecida, queria dar-lhe um soco, mas teria que agir com cautela se quisesse sair dali. Tinha sido atraída para a toca do lobo. 
– Está tudo bem? Você parece meio... doente. – Ele tentou parecer preocupado e colocou uma das mãos sobre a minha testa agora levemente suada. Meu corpo estremeceu ao toque e sua pele parecia muito mais gelada do que o normal.
– Eu estou bem... – Tentei disfarçar e pensando, desesperadamente, na desculpa que eu daria para sair logo dali. Não tive muito tempo. – É que eu estou com um probleminha... Onde fica o banheiro?
– Que probleminha? – Ele perguntou olhando para cima quando me levantei em um salto.
– Bom... Coisas de mulher... Eu esqueci que dia do mês era hoje, fui pega desprevenida. – Peguei com cautela a mochila que estava ao meu lado no sofá. Era uma desculpa ridícula, mas era a única que esclarecia porque eu levaria uma mochila ao banheiro. Parecia que eu conseguia sentir a caixa que eu recebera de herança pulsando lá dentro, quase tão rápido quanto o meu coração.
– O quê? – Ele se levantou e me olhou, agora diretamente, com uma expressão confusa. Depois de uns cinco segundos ele entendeu o que eu quisera dizer. – Ah! Nossa! Entra naquele corredor ali. Segunda porta à esquerda.
Apoiei a mochila em um dos meus ombros e segui as instruções dadas por ele. Um banheiro social grande e todo montado em granito de um tom dourado revelou-se por trás da porta de madeira cor marfim. Uma bancada com pia dupla ocupava grande parte do aposento. Tranquei a porta e larguei o que eu estava carregando em cima da grande pedra fria. A torneira foi aberta com facilidade e logo meu rosto e cabelos já estavam encharcados de água.
O líquido frio que batia sobre o meu rosto não diminuiu a tensão e o medo que corriam pelas minhas veias. Muito menos, me dava alguma ideia de como eu sairia dali. Tirei o meu celular da mochila, senti um tremor que ia dos meus cabelos até os dedos do pé quando notei que não passava das três horas ainda. Mesmo que Sam estivesse em casa, não poderia me ajudar. Ele só virava aspirante a Rambo quando a noite caía. O outro tinha hábitos e feições de quem não conseguiria bater numa criança do jardim de infância, tão pacífico e sereno...
O que eu poderia fazer agora? Eu estava sozinha nessa situação. Movi os olhos ao redor e percebi que havia uma janela de um tamanho razoável no banheiro, aproximei-me dela e percebi que, apesar do tempo chuvoso que estava por vir, ainda faltava muito para, de fato, escurecer. Foi muito azar ter ficado ‘presa’ por aqui justamente nessa hora do dia. Talvez ele saiba. Uma voz masculina e desconhecida ecoou pela minha cabeça. Será que, além de tudo, eu estava ficando esquizofrênica? Mas a voz tinha razão. E se o Noah soubesse sobesse? E se eu fizera exatamente o que ele queria? Saíra de casa, com a caixa na mochila durante o dia, quando eu sabia que o Sam não estaria ali para me salvar dessa vez, como fez quando tentaram me sequestrar. E, afinal, será que a tentativa de sequestro naquele dia que eu estava buscando a Sofie na escola também fora obra do Noah? Eu não tinha como provar isso, mas se não fosse ele, quem mais teria sido? E os homens daquela noite sabiam da existência da caixa, só não sabiam que ainda não estava comigo. Mais um arrepio percorreu o meu ser.
O celular quase escorregou da minha mão por causa da umidade instantânea que esta parecia ter adquirido. Só então a minha consciência parecia notar que eu já passara vários minutos ali parada, encurralada em um pequeno espaço do qual eu não parecia poder fugir. Não havia saída, não restava saída lógica. Eu poderia ligar para a polícia, mas o que eu diria? Eu não estava oficialmente sequestrada. Noah não tinha feito nada comigo... ainda. O que eu falaria? Para começar que eu nem prestei atenção no endereço correto de onde eu estava. Tudo bem, eu sabia que bairro era esse, mas não prestei atenção na rua ou no número da casa. Eu sabia que estávamos perto do Pelicanu’s, conseguia me lembrar da fachada da casa, mas não era o suficiente para dizer à polícia. E por mais que me achassem, eu não tinha evidência alguma de sequestro. Eu poderia ir embora, é verdade, mas Noah poderia ficar bem irritado e nada o impediria de tentar de novo e, se tentasse, não iria fazer as coisas tão amigavelmente como estava fingindo agora.
Eu poderia ligar pro Sam. Mas o que ele poderia fazer agora? Como eu disse antes, provavelmente nada. Nem sei se ele entenderia meu telefonema, para início de conversa. Acho que essa personalidade nem conhece o Noah... Tem a Sofia, é claro. A Sofia conhece o Noah, mas como a minha irmã caçula iria me ajudar? Eu não iria envolvê-la. De todos, era a mais indefesa. Não, minha irmã pequena, não.
– Mel? Tá tudo bem aí? – Ouvi batidas na porta do banheiro misturadas com a voz familiar do Noah.
– Oi? – Falei um pouco gaguejante como resposta automática. Deveria fazer quase 10 minutos que eu estivera ali, claro que ele viria atrás de mim. Qualquer pessoa normal estranharia uma visita que alegava sangramento menstrual ocupando o banheiro por bastante tempo. – Ah, sim... Sim, tá tudo certo.
Por que ele estava fazendo isso? Quero dizer, para quê tanto trabalho para me atrair pra essa armadilha? Teve que passar em uma prova para fazer um curso que o aproximaria da minha irmã para então poder me conhecer, invadir a minha casa correndo o risco de ser pego, forçar amizade comigo, consolar-me diante de sofrimento para só então tornar-se próximo e confiável o bastante para tirar-me o que quisera desde o princípio. E por que ainda assim estava fingindo ser alguém que se preocupa com uma amiga que fica sozinha no ponto de ônibus quando a chuva está por vir ou que fica trancada no banheiro por mais tempo do que o normal? Por que ele simplesmente não me sequestrara de uma vez enquanto estávamos no carro e me tomara a mochila? Por que ao invés disso me levou para almoçar? Seria Noah um psicopata?
Pouco me importava. O fato é que eu já estava cansada dessa rede de mentiras e perseguições na qual eu fora metida. Do jeito que as coisas estavam caminhando, o próximo passo seria descobrir que eu fui adotada e que, na verdade, Sarah é uma agente do FBI vigiando e reportando a minha vida enquanto diz que está no trabalho. E, claro, nessa perspectiva, Sofia seria apenas um alien disfarçado de ser humano para ajudar na batalha contra os malefícios da caixa mágica.
Eu nem queria essa droga. Eu poderia simplesmente larga-la ali e, assim, livrar-me de todos os problemas e ir embora para casa sem impedimentos. Mas algo dentro de minha mente me impedia de seguir esse impulso. Talvez aquele maldito bilhete. “Faça a sua aposta e escolha bem” que tipo de pai escreve isso em um cartão de aniversário? Se ele não sabia o que escrever, poderia apelar pras expressões de sempre, tais como “Parabéns” ou “Felicidades” e ainda “Toda a sorte do mundo no seu dia especial”, mas não algo tão misterioso e um pouco sádico. Que aposta era essa? Eu não queria apostar nada, eu nem queria estar no meio de toda essa história. E agora eu sei que o meu pai sabia no que estava me metendo. Ele sabia que, se me entregasse essa coisa, eu estaria em perigo. E a palavra “aposta” não foi escolhida por acaso. Isso implicava que eu teria que abrir mão de algo para poder ganhar ou perder tudo. E o que eu estava disposta a arriscar?
Não importa. Naquele momento, não importava se eu não queria estar ali, não importava o que eu pensava dessa sujeira toda. Isso não iria me tirar daquele pequeno cômodo onde eu me metera. Eu precisava agir. E eu já havia feito uma decisão baseada em ideias e sentimentos que eu desconhecia: eu não deixaria a mochila para trás.
Olhei para o único meio de sair dali que não fosse a porta. Cheguei mais perto e calculei rapidamente, com os olhos, as medidas aproximadas e se era possível que eu me enfiasse ali sem ficar entalada. Levantei a mochila que estava apoiada na pedra da pia e coloquei-a de volta sobre os meus ombros. Minhas costas sentiram seu peso exercendo pressão sobre a minha pele. A alta velocidade com a qual eu a colocara fizera com que essa pressão inicial tivesse sido um pouco maior, quase dolorosa, já que não havia mais muito tempo.
Meus dedos trêmulos se firmaram na barra metálica vazia que serviria para pendurar as toalhas de banho, as quais seriam destinadas às pessoas que usariam a pequena banheira ao lado. Fiz a força necessária para erguer o corpo e apoiar os pés nas bordas da banheira que se encostavam junto à parede, a poucos centímetros do chão. Um estado de equilíbrio deveria ser mantido naquele revestimento escorregadio, não fui capaz de soltar a barra.
Com muito esforço, tentei erguer o corpo novamente. Meu pé direito escorregou sobre a superfície extremamente polida da banheira, o que me fez perder o equilíbrio e eu quase caí. Sorte foi tanta, que os meus reflexos perceberam essa possibilidade e meus dedos se entrelaçaram à barra como se eles fossem raiz e, esta, terra. O barulho do deslocamento foi mínimo. Aos poucos, me ajeitei novamente e voltei à posição anterior só que, agora, tremendo mais do que antes.
Tinha que tentar mais uma vez, não havia outra opção. Desta vez, usei toda a força que tinha para erguer o corpo a ponto de alcançar o parapeito da janela. Minha mão direita conseguiu agarrá-lo, mas os dedos suados e escorregadios pioravam a situação. Antes que eles pudessem se desprender, fiz o movimento rápido e, novamente, não muito consciente de soltar a barra em que segurava a mão esquerda e, com esta, também agarrar a superfície metálica da janela. Ao mesmo tempo, minha perna esquerda subiu e se sustentou na barra em que antes estavam as minhas duas mãos.
Olhei para baixo com um medo extremo. A sensação de que eu fosse me esborrachar lá embaixo aumentou. Por esse motivo, fechei os olhos por um instante e a imagem do chão tão distante de mim desapareceu. Ergui a cabeça e abri os olhos novamente. A figura da janela de um tamanho perfeito se formou na minha retina. Um feixe de esperança brotou no meu ser.
Os dedos tremiam muito enquanto tentavam arrastar o vidro. Um ruído estridente que eu não podia evitar acontecia enquanto o metal da janela, um pouco enferrujado, ia deslizando. Percebi um vento frio batendo de encontro ao meu rosto quando finalmente consegui sentir o típico cheiro de chuva que vinha lá do jardim. Aliás, agora eu conseguia visualizar grande parte do jardim finamente ornamentado, aquele toque paisagista comum a mansões desse tipo.
Meus cotovelos se apoiaram com força no parapeito da janela aberta. Era o momento, mais uma vez, de inspirar profundamente e apostar em toda a força que eu poderia fazer para erguer meu corpo. Só assim eu poderia subir inteiramente naquela janela enorme, além disso, teria que fazer, também, um pequeno cálculo para não passar direto por ela e esborrachar do outro lado. Se isso acontecesse, claro que ele perceberia a minha jogada.
Foi engraçado e meio gratificante perceber que os meus movimentos me ajudaram pela primeira vez na vida e que, como um gato agachado, eu estava equilibrada em um lugar relativamente alto. Minhas pernas dobradas tocavam o metal com precisão e minhas mãos, que também se encostavam à janela, auxiliavam um equilíbrio quase estável.
Não quis pensar muito no próximo passo, que correspondia a pular de uma altura de quase 2 metros. Para uma garota baixinha, isso significava muito. Eu iria pirar. Simplesmente calculei rapidamente o salto que eu precisava dar para chegar ao chão sem cair, torcer o pé ou algo do tipo. E foi. Com um barulho que eu consideraria entre leve e médio, eu estava intacta sobre o chão da varanda. Seria quase um orgulho se eu tivesse tempo para comemorar o sucesso da primeira etapa do meu plano, mas agora havia a segunda. Por onde eu sairia?
Vislumbrei rapidamente o jardim bem montado da casa que Noah alugara com o propósito de roubar garotas indefesas enquanto finge ser amigo delas. Sim, era um destino bem incomum pra um aluguel. Enfim. As paredes eram altas e decoradas com rochas cinzentas maiores que o cabeção da minha irmã. Havia uma grande área verde que circundava um quiosque de bom tamanho que parecia conter uma churrasqueira e algumas mesas de madeira. Uma combinação entre palmeiras e árvores frutíferas me deixou um pouquinho confusa, mas a grama estava impecável, fina, curta e verde. Outro elemento que não poderia deixar de ser notado era a enorme piscina que existia à frente disso tudo. Com a água de um azul brilhante que poderia deixar qualquer um hipnotizado, refletia as nuvens negras que iam se formando nos céus. Ao seu lado direito, havia uma espécie de fonte que se encostava à parede e imitava uma cachoeira rochosa desaguando na piscina.
Tudo muito bonito, mas o principal: não havia outra saída que não a da frente, a não ser que eu estivesse disposta a escalar a “cachoeira sintética” e pular o muro chegando à casa do vizinho. Nem portão dos fundos que levava ao outro lado do quarteirão havia. Eu teria que sair pela frente. Movi o meu corpo rapidamente e silenciosamente até adentrar em um corredor externo que unia a varanda e a garagem. Eu já conseguia ver o carro do Noah de longe, lá na rua. Isso aumentou o meu anseio de chegar ao “mundo exterior”, mas algo me segurou os ombros.
– Ah! – Deixei escapar uma exclamação que era mescla de pavor, susto e desespero. Os dedos grossos de alguém que ainda não estava dentro do meu campo visual me apertavam de forma que a parte de cima do meu corpo se debatia de dor, como reflexo. Um assovio cortou o ar, agora que eu lutava silenciosamente enquanto sentia meus joelhos cessarem e se curvarem ao chão.
Uma figura alta contornou meu corpo enquanto a outra continuava me segurando firmemente. Eu não era capaz de visualizar seu rosto porque minha cabeça balançava de maneira furiosa, assim como os cabelos que, cheios de fúria, se debatiam inutilmente contra o ar gelado. Os sapatos sociais pretos que se encontravam à minha frente fizeram um leve movimento para trás, entendi o motivo disso quando dedos finos e compridos tocaram o meu queixo e o forçaram para cima.
Encarei o rosto de um homem desconhecido. Sua face longa, pálida e magra lhe dava um aspecto mórbido demais para alguém que ainda estivesse vivo. O queixo delgado me passava uma imagem ainda mais horripilante quando em contraste com os olhos arredondados e saltados, visivelmente curioso enquanto me examinava a face. Penetrou-me os olhos com os seus, profundos, escuros, infinitos. Parecia estar procurando algo que não conseguia encontrar, mas de repente, dentes igualmente finos e quase amarelados foram revelados. O sorriso me arrepiou a alma.
– Achei que poderíamos resolver isso de maneira agradável. – Suspirou uma voz conhecida às minhas costas. Fiquei em dúvida se era atuação ou se ele estava realmente desapontado como parecera.
O timbre conhecido do Noah fez com que o homem que era provavelmente parente do Herman, da Família Monstro, deixasse de me tocar. Eu não consegui reagir.
– Pode soltar. – Noah ordenou e um alívio percorreu por mim quando senti que os dedos sobre os meus ombros e região cervical se afrouxaram.
Senti o calor do seu corpo quando ele se aproximou por trás e estendeu a mão para me ajudar a levantar. A ponta dos seus cabelos loiros quase entrava no meu campo de visão, o que indicava que seu rosto estava bem próximo ao meu. Minhas mãos se apoiaram no chão e eu consegui erguer meu corpo sozinha. Virei-me e quase consegui notar sua expressão insatisfeita com tal gesto.
– O que estava tentando fazer? – Gargalhou como se eu fosse um animal de estimação que planejara algo muito estúpido. – Você poderia ter se machucado.
– Como se você ligasse. – Resmunguei enquanto visualizava a minha nova situação. Noah não estava sozinho na casa como dissera, tinha colocado duas sentinelas por prevenção. Caso eu resolvesse fazer algo bobo, exatamente como eu fizera. O magrelo ainda me encarava com um ar misterioso e cômico que eu não seria capaz de entender naquele momento e o outro, eu podia ver agora, era moreno, mais robusto, porém mais baixo. Tive a impressão de que ele estava fazendo muita força para parecer ser mais malvado em suas feições.
– Não seja tão trágica. – Noah refletiu com uma voz cansada. Talvez estivesse cheio de bancar o bonzinho. Também não tinha um pingo de arrependimento ou pesar em seu tom. - Venha comigo. – Ele fez um gesto com as mãos e começou a se afastar.
Foi a minha vez de dar risada. Não sabia em que universo ele esperava que eu o acompanhasse a qualquer lugar que fosse. Não mesmo, nem pensar. Seus pés pararam de se mover quando ele captou a minha intenção.
– Você não entendeu. – Então virou o corpo com o propósito de me encarar. – Não foi um pedido.
Não parecia ser brincadeira. Agora, além de desvantagem de força brutal eu ainda estava em desvantagem numérica. E não soava muito inteligente desrespeitar esse tipo de ordem, pelo menos naquela situação. Ergui a cabeça, equilibrei o peso da mochila sobre a coluna e avancei. Isso o fez sorrir levemente e tornar a mostrar suas costas para mim, avançou pelo piso e logo estava sobre a grama. Minhas pernas trêmulas tentaram imitar o movimento quando uma mão grossa imobilizou minhas mãos atrás do meu corpo.
– Arrgh. – Resmunguei no impulso, apesar de que a manobra desse cara estava realmente me causando certo desconforto. Sendo franca, estava doendo pra caramba. Noah inclinou levemente a cabeça.
– Pode deixar. Ela não vai fazer nenhuma estupidez.
Com os braços soltos, pude contornar a piscina que parecia bastante funda e segui Noah até o grande quiosque de madeira que ficava bem ao fundo do jardim, todo contornado por grama. Parecia ter sido construído com o intuito de ser um espaço de relaxamento. Que ironia. O telhado arredondado era do mesmo tom marrom escurecido da madeira que fazia parte da estrutura do local. Grandes toras polidas serviam como hastes de apoio ao teto e o perímetro de formato octogonal também era cercado por madeira brilhante. O piso também seguia esse padrão de cabana campestre.
Um barulho diferente dos trovões se fez no ar quando Noah arrastou uma das cadeiras feitas de carvalho para que eu me sentasse. Entendi o gesto, coloquei a mochila sobre o meu colo e o obedeci antes que qualquer palavra fosse dita. Ele pareceu satisfeito e puxou uma cadeira para si, logo à minha frente.
– Então... – Noah estendeu como se quisesse puxar o assunto para uma conversa casual. Com o canto dos olhos, percebi que os dois homens continuaram atrás de mim, mas agora parados, recostados em um dos pilares de madeira do quiosque. O homem de cabelos loiros e encaracolados à minha frente tirou algo do bolso. – Sabe o que é isso?
Meus olhos se estreitaram tentando focalizar melhor o objeto. A luz lá de fora já não era mais tão abundante por causa das inúmeras nuvens carregadas de água que passavam sobre a gente.
– Um pêndulo de Newton?
– Exato. Bem legal, não é? – Sua voz soou entusiasmada quando ele pousou o pequeno objeto metálico que sustentava cinco bolinhas dispostas em linha reta sobre a mesa. Ele, então, subiu uma bolinha de cada lado e as soltou no mesmo instante. Como consequência, elas começaram a pular sobre as outras três. – Um ótimo exemplo da conservação da energia, não acha?
– Ah... – A ideia de que Noah poderia ser algum tipo de sociopata parecia fazer ainda mais sentido agora. – Acho que sim.
– É ótimo para refletir sobre algumas coisas... – Ele disse baixinho, quase apenas para si mesmo. Olhou o movimento do pêndulo profundamente e, por alguns instantes, aparentou esquecer-se de que eu estava ali; de que ele mesmo estava ali. Subitamente, desviou os olhos do pêndulo para encarar meu rosto pálido. – Por que estava tentando fugir?
Senti meu interior tremendo com o seu tom de voz. Um arrepio que me percorreu por inteira pareceu não saber se pronunciar em pavor. Eu apenas conseguia ficar estática enquanto percebia que as minhas mãos tremiam e suavam durante a tarefa de segurar a alça da mochila sobre o colo com toda a força que eu tinha. Notei que as minhas próprias unhas, um pouco crescidas, estavam machucando a carne da minha palma por causa do forte aperto de quem segurava algo como se estivesse segurando a própria vida.
– Eu sei o que você quer. – Foi o máximo que eu consegui dizer. Usei toda a coragem que tinha para que o medo não transparecesse nas palavras, para que estas soassem firmes.
– Ótimo. – Ele sorriu para mim e voltou a encarar as bolinhas, como se fosse um menino brincando de carrinho. Desta vez, ele puxou uma de apenas um lado e soltou para que, agora, as bolinhas levantassem em momentos alternados. – Isso vai facilitar a nossa negociação.
– Por quê? – A pergunta escapou dos meus lábios antes que eu pudesse me controlar. Ele provavelmente entendera o que eu realmente estava querendo saber.
– Por quê? – Sibilou com certo desdém. – Porque você possui algo que me é de grande valor e eu só poderia consegui-lo se fingisse me importar com você, com os seus dramas adolescentes, com os seus amigos patéticos... – Ele respondeu bem devagar, como se estivesse me explicando algo que eu não pudesse entender.
– Pra quê tanto trabalho? – Minha voz retrucou com uma pitada de ódio visível. Eu não precisava mais fingir firmeza, Noah me dera o estímulo necessário para reagir.
– Foi o que eu pensei quando ouvi o plano pela primeira vez. Afinal de contas, eu sou um cientista. Não é o meu papel fazer esse tipo de jogada quando – e gargalhou friamente ao dizer – você é claramente tão fraca.
Um relâmpago iluminou temporariamente o local. Os dois homens que estavam atrás de mim se mexeram levemente com o susto. Eu estava, apenas, decepcionada. Era a segunda vez em pouco tempo que eu me decepcionava completamente com alguém que confiava. Claro que, por vários motivos, a decepção com o Sam me fizera querer morrer e sumir. O Noah apenas me fazia querer esganá-lo. Qualquer lágrima que eu viesse a derramar poderia ser letal para alguém que a provasse, pois estaria repleta de ódio.
– Mas vários obstáculos surgiram. – Noah continuou a falar como se contasse uma história de contos de fada para algum grupo de crianças, embora seus olhos ainda focalizassem o pêndulo de Newton. – Parece que não somos os únicos que a querem. Ah, e claro, teve o imbecil do seu namorado.
– O que você sabe sobre o Sam? – Perguntei ironicamente, mas com a esperança de entender se ele conhecia ou não o problema das personalidades.
– Outro fraco. Estava atrás de você com o mesmo objetivo, se prestando até a virar seu vizinho para poder vigiar melhor o paradeiro da caixa. Era uma ameaça. Tinha claramente mais meios de consegui-la que eu, o amigo bobo meio apaixonado que ouve os seus mil dramas. – Riu de si mesmo enquanto puxava mais bolinhas para o alto e soltava observando o movimento. – Até que ele se apaixonou de verdade. Que bonitinho. – Debochou ironicamente. – E pior do que rival, alertou-a sobre o perigo. Tão tapada que nem fazia ideia, só percebeu que era o verdadeiro alvo quando o grandão avisou.
Noah parou de brincar com o seu pêndulo e levantou-se da cadeira. Exibia certo deleite por poder contar essa história evidenciando seu papel de gênio, é claro. Não pude evitar que alguma secreção lacrimal saísse dos meus olhos depois dessa parte peculiar sobre o Sam. Era uma mistura de raiva e pesar. Noah havia me relembrado de que ele me avisara sobre a minha real situação e eu fora inocente e agira com imprudência. Entre meus pensamentos amargurados, percebi que um rosto bem familiar estava, agora, bem perto do meu. Os olhos arregalados quase saltavam sobre os meus e o hálito de menta saía junto a um sorriso.
– Está chorando? – Ele quase encostou a ponta do nariz dele com a minha enquanto encarava meu olhar assustado, imóvel. As extremidades dos seus dedos finos se enrolaram sobre uma mecha de cabelo castanho cor de mel que saía da minha cabeça. – Chateada? Ou perplexa? – Riu alto, de maneira estridente, enquanto minhas mãos tremiam de medo sem que ele pudesse ver. Ele, então, movimentou os dedos e encaixou os meus cabelos atrás da minha orelha. Em seguida, com um leve movimento, posicionou os lábios muito próximos à minha orelha. Outro arrepio me foi de direito, antes que ele pudesse sussurrar: – Você realmente achou que eu me interessaria por uma garota como você?
Notei um leve sorriso sobre seus lábios que voltaram à posição original antes que este se transformasse em dor. Gotículas de sangue eram visíveis nos quatro cortes que as minhas unhas causaram em sua face. A pele apresentava um rubor comum àquele de inflamação, a mancha vermelha circundava toda a ferida que lhe fora feita e sua expressão surpresa exibia, também, ódio. Estávamos quites. Pelo menos por agora.
Após esse breve tempo de deleite com a minha reação, senti meu corpo sendo empurrado para trás. Quase despenquei ao chão junto com a cadeira quando os dois homens atrás de mim resolveram me deter. Foi em vão tentar debater-me contra eles, eram muito maiores e mais fortes do que eu. Logo imobilizaram as minhas pernas que não paravam de se mexer e surgiram com pedaços de corda para prender meus membros. Durante meu breve momento de luta inútil, pude perceber que Noah ainda estava parado, a poucos centímetros de distância, segurando a face com uma das mãos.
Agora eu estava numa situação pior do que a de antes, se é que isso era possível. A mochila ainda estava no meu colo, mas as minhas mãos estavam amarradas entre si nas minhas costas, quase como as minhas pernas, que também estavam presas uma à outra. Além de tudo, ainda tinha o fato de que até para me levantar, haveria de ter planejamento já que uma cadeira de madeira pesada estava entre mim e minhas mãos. Ou seja, eu estava completamente exposta.
Uma cabeça com cabelos mais bagunçados do que os da boneca que Sofia usa para experimentos encarou o Noah. Ele ainda olhava para mim com uma raiva que eu não conseguia compreender. Quero dizer, um pequeno corte na bochecha era o mínimo que ele merecia. Era um pequeno pseudo-gênio pretencioso e egoísta, apenas isso.
– Eu estava tentando ser legal com você.
Imagina se não estivesse.
– Agora você me força a levar as coisas de um jeito que eu não gostaria. – Colocou a mão sobre o peito e se explicou como se fosse a vítima da situação. Logo em seguida assoviou bem alto usando o auxílio de uma das mãos. Fiquei em estado de alerta porque, claro, não sabia o que estava por vir quando ouvi barulhos que correspondiam a oito patas marchando na minha direção.
Descobri depois que Noah também gostava de cachorro, especialmente de Pastor Alemão e Dobermann. Ambos bonitos e bem cuidados, mas enormes e cheios de dentes, como quaisquer outros cães treinados para machucar. Eles vieram com o chamado e sentaram-se na grama, externamente ao quiosque, observando-me como se eu fosse um pedaço de frango preso na assadeira. Latiam bastante ao perceber a intrusa. E o mais intrigante: será que ninguém ouviria?
– Vamos direto ao ponto. Onde está a caixa? – Ele perguntou parecendo bem mais sério e bancando menos o engraçadinho. Acho que o tapa na cara que eu lhe dera o pegou de surpresa.
– No dia em que eu estava na rua à caminho da Universidade… – Sussurrei tentando ganhar tempo. Noah parecia aquele tipo de vilão de filmes, estava adorando o culto ao seu plano genial.
Seus cabelos encaracolados se voltaram para mim com um ar de assombro. Talvez ainda estivesse perplexo pelo tapa ou talvez ainda não reconhecera o episódio ao qual eu estava me referindo. Quero dizer, não havia mais motivos para bancar o desentendido nessa altura do campeonato. Um relâmpago iluminou as cordas que prendiam meus pés um no outro.
– Quando três homens me forçaram a entrar em um carro…
Aconteceu algo bem interessante: Noah não parecia mesmo saber do que eu estava falando. Os olhos dourados e confusos encaravam meu corpo preso às amarras. Com leveza, guardou o pequeno pêndulo de Newton de volta ao bolso. Franziu o cenho mergulhado em um mundo que parecia só seu. Por breves segundos, notei que ele estava tentando compreender o que eu acabara de contar-lhe. A expressão perturbada queria encaixar as últimas peças coloridas do cubo mágico para que ele, finalmente, fizesse algum sentido. Logo, endireitou-se.
– Onde você guardou a caixa? – Indagou com firmeza. Talvez não quisesse admitir que não estava a par de toda a situação. O orgulho lhe cravou a mente e ele não poderia dizer que seu plano tinha buracos que ele desconhecia.
– O senhor Félix... – Gaguejei buscando outro assunto no fundo dos meus arquivos de memória. Meus dedos se mexiam de maneira delicada por entre as cordas que os prendiam, restritos pelo forte aperto que já estava causando sensação de formigamento por todo o meu pulso. Eu teria que distraí-lo até que eu pudesse pensar em alguma coisa. – Você atirou nele?
O loiro balançou os cabelos ao ar enquanto ria impetuosamente da minha indagação. Foi como se eu tivesse contado uma das melhores piadas que ele já escutara em toda a sua vida. Seu peito chacoalhava diante de tamanha explosão humorística. Os dois homens que estavam atrás de mim pareciam feitos de pedra, embora os cachorros latissem com veemência a cada novo som de trovão.
– Você acha que eu seria capaz disso? – Bom, para mim, a essa altura, ele seria capaz de qualquer coisa. – Daquele trabalho mal feito? – Ah, ele não estava se referindo à frieza de atirar em outra pessoa. Era bem claro que ele o faria se fosse necessário. Levou os dedos à região ainda avermelhada do próprio rosto. O sangue que saía das fissuras causadas pelas minhas unhas já havia coagulado. – Aquele imbecil já não está mais entre nós. – As palavras soaram com calmaria, mas exibiam um toque sombrio. – A pessoa para quem trabalho não é muito... Benevolente. – Escolheu as palavras com cuidado.
– Não era para ser ele...
– Aquele velho? Não mesmo. – Ajeitou as vestes e encarou as nuvens arroxeadas que se juntavam rapidamente ao céu. Noah parecia um vilão paciente e equilibrado. Pelo menos até agora, estava conversando como se estivesse num café filosófico. Já deveria ser mais de quatro horas da tarde. Eu não tinha o hábito de usar relógio de pulso. E, mesmo que eu tivesse um nesse momento, teria que fazer uma acrobacia como àquela da menina do Exorcista para poder vê-lo com as mãos amarradas nas costas.
– O imbecil errou o número. Ele deveria invadir seu apartamento e forçá-la a entregar a caixa. Então sairia sem ser notado, sem maior alarde. – Abriu o jogo. Eu me sentia um pouco melhor agora que ele estava me jogando a dura verdade. Qualquer coisa era melhor do que ser iludida em repetição. – Quando percebeu o erro, desesperou-se e atirou no velho. Então seu namoradinho quis bancar o herói e as coisas ficaram bastante complicadas. A polícia tentou intervir, mas obviamente não conseguiram entender o crime.
– M-mas... – A voz parecia pesada demais para sair da garganta. Os dedos continuavam se mexendo freneticamente entre as cordas. Eu não tinha certeza se os dois homens atrás de mim estavam percebendo meu movimento. – Eu não tinha a caixa.
– Não. – Ele sorriu com certo pesar. Senti minhas mãos arderem. Não pela paresia causada pelas amarras muito apertadas, mas pela vontade crescente de dar-lhe outra bofetada. – Mas não sabíamos. Achamos que o idiota do seu pai a tinha escondida no apartamento. Que estivesse com você desde sempre. Então surgiram novas informações.
Esse plural usado por ele me incomodava. Além do Noah, quem mais estaria envolvido em todo esse plano? Seria mais sensato que eu lhe entregasse logo a caixa que estava dentro da minha mochila? Eu não tinha certeza se eu sairia viva depois disso. E ele sabia que estava comigo. Ele sabia que era por isso que eu estava esperando naquele ponto de ônibus. Sozinha.
– Aquele outro velho também morreu por imprudência. Ou eu diria azar?
Agora era eu que não sabia do que raios ele estava falando. Que outro velho? Quem mais teria sido prejudicado por minha causa? É claro que, por muito tempo, eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Era estranho saber que, antes que eu pudesse compreender a minha situação, eles já estavam matando idosos por aí.
– Quem?
– Aquele mendigo que ficava rondando seu prédio, catando o lixo.
Meu queixo caiu. Noah estava se referindo àquele senhor que recolhia o lixo reciclável dos apartamentos e aproveitava para cuidar dos pombos que rondavam o condomínio. A situação piorou bastante depois de sua morte, já que as aves começaram a ficar desesperadas por comida e acabavam abordando outros moradores de maneira não muito receptiva. Mas o que ele tinha a ver com isso tudo?
– Ele teve o azar de encontrar uma pequena caixa que não conseguia abrir. – A voz ressoou divertida, como se pudesse responder meus pensamentos. – A descrição da tal caixa parecia bater com a ideia que tínhamos dela. Seu pai e o pai daquele brutamontes a compraram juntos. Pensamos que você poderia tê-la encontrado, desistiu de abrir e jogara no lixo sem nem desconfiar de sua importância. – Ele conversava tranquilo, como se estivesse contando uma história para uma criança. Consegui soltar meu indicador direito do nó que prendia minhas mãos. O Herman e o outro homem ainda não se moveram. – Ele não quis entregá-la a nós e pagou o preço. Quem iria sentir falta de um mendigo? – Sorriu levemente.
Eu estava em choque. Eu jamais havia suspeitado que a morte daquele senhor citado nos primeiros parágrafos dessa minha história tinha qualquer coisa a ver com todo o desenrolar dela. Acho que ele não fazia ideia das pessoas com quem estava se metendo quando se recusou a entregar a caixa. E essa caixa não era a que eles queriam. Poderia ser qualquer outra coisa, como por exemplo, uma caixa de música ou de bijuterias que alguém não quisera mais. Ele havia morrido em vão.
– Por que não me sequestrou ontem? – Perguntei pensando que eu estivera sozinha, na mesma situação, no dia anterior quando fui buscar a encomenda. Por que esperar até hoje? Compaixão com o meu aniversário? Eu duvidava muito.
Ele sorriu de novo. Mostrou os dentes muito brancos como se estivesse se divertindo com alguma tolice que eu havia dito. Parecia um professor de matemática que zombava um aluno que havia feito a pergunta mais ignorante de todos os tempos. Para o aluno, a equação apenas não fazia sentido.
– Você é mesmo muito inocente, não é? – Usou aquela velha mania da Sofia de responder uma pergunta com outra pergunta. Segurou um tufo dos meus cabelos e entrelaçou entre seus dedos finos. Parecia alguém que acariciava um cachorrinho, um ser irracional. – Tinha alguém lhe seguindo. Protegendo você. E você se achando corajosa por ter ido sozinha. – Outra risada ecoou junto ao barulho de um trovão.
A surpresa, mais uma vez, entrou pelos meus pulmões e cortou brevemente minha respiração. Não poderia ter sido o Sam, qualquer um dos dois. O diurno nem sabia que seus problemas eram maiores do que uma partitura complicada para tocar no violoncelo. O noturno tinha brigado comigo justamente por ter ido sozinha. Ninguém teria medo da Sofia ou da Rebecca, as próximas pessoas que sabiam parcelas dessa história confusa. Então quem teria sido? Quem teria me seguido? Quem saberia que eu me arriscaria a ir sozinha receber essa caixa no dia do meu aniversário? Eu simplesmente não sabia.
– Essa pessoa poderia ter dificultado nossa... intervenção. Tivemos que esperar seu próximo deslize e, para minha surpresa, veja só quem aparece de novo ao mesmo lugar? – Sorriu triunfante. Falando assim, era como se eu fosse a maior burra do universo. – E essa história toda nos leva ao clímax. É o que está acontecendo agora, querida. Nós escrevemos a história. – Aproximou o rosto bem próximo do meu. Eu conseguia ver seus poros dilatados de excitação pela grande conquista. As próximas palavras saíram em um andamento tão lento quanto o Adagio de uma peça musical. – Onde está a minha caixa?
– O tem nela? – Perguntei finalmente. Esse era o meu clímax. Finalmente, descobrir o motivo de todo esse drama no qual fui inclusa. Se eu ia morrer, eu merecia saber pelo menos o escopo do meu fim.
– Bem que você gostaria de saber, não é? – Sorriu novamente em resposta. A cada minuto, Noah parecia mais alegre, mais tomado por uma sensação de explosão interna de deleite. Ele não iria dividir comigo o segredo. Com um movimento brusco e de extrema satisfação, agarrou a mochila que estava sobre meu colo. Minhas mãos estavam imobilizadas. Eu não poderia fazer nada. – Está aqui, não está? – Mal conseguia disfarçar o contentamento no tom de voz.
Eu olhei para baixo. Verdade era que eu não havia conseguido pensar em nenhuma saída para meu atual problema. Eu tinha os membros inferiores e superiores amarrados, não tinha mais a posse do tão desejado objeto. Não tinha mais nada. Dali para frente, Noah poderia me oferecer o destino que bem entendesse. Ele tinha a faca e o queijo nas mãos, eu só tinha a decepção e os pedaços da confiança que me fora quebrada.
– E agora? – Perguntei na esperança que ele me contasse o que estava planejando fazer comigo. Ele me deixaria ir embora agora que já tinha conseguido o que queria ou eu simplesmente sumiria? Eu talvez não fosse tão inocente quanto as pessoas achavam. Eu sei bem que esse tipo de gente para quem o Noah trabalha é bem capaz de conseguir o que quer sem deixar rastros dos crimes que cometeram. Eu poderia sumir de maneira que ninguém jamais tivesse qualquer outra pista sobre o meu paradeiro. Era assim no mundo real.
– Agora? – Ele quase saltitou de alegria enquanto abria, vagarosamente, um dos zíperes da minha mochila. Os cabelos encaracolados pareciam dançar um Allegretto. – Já passamos pelo ponto máximo da história e esse... – Um sorriso sombrio saltou de seus lábios – É o fim.

As palavras ressoaram pelos meus ouvidos antes que um estouro muito alto se fizesse presente. Não era outro trovão. Um cheiro característico de mostarda entrou pelas minhas narinas.


1 comentários:

Monique disse...

Nossa estava morrendo de saudadrs da história. Nao pare de escrever... A historia é ótima.

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